quinta-feira, 12 de agosto de 2021

falar e silenciar (CENA 49)

12/08/2021

O aflorar de questionamentos, que anteriormente na correria do dia a dia, na ansiedade e exigência da vida, não tinha tempo requerido para reflexão, agora, presos em casa ou na necessidade de estar às ruas com todas as prevenções devido as variantes que se multiplicam, anda em auge. O humano sujeitado a se ler e a se revelar em busca de adaptação. A pandemia exacerbou angústias. Pessoas exauridas com o isolamento imposto para sobrevivência. Escolhas se estreitando.

Os dois amigos sentindo na pele tanta mudança e cada qual sentado em um canto, tanto por dizer ou silenciar. Dodô olhar atento para Osvaldo aguardando resposta. Era como se ele estivesse voltado completamente para dentro de si e esquecido donde estava, por onde caminhava, ondeado por redemoinhos.

― Osvaldo, aonde você está? O que diria para meu amigo escritor?

― Hã! Oi! O quê? ― Osvaldo voltou o rosto em direção de Dodô. ― Bem... eu poderia dar quatro respostas e existiriam outras mais. Vamos lá!

Em se tratando de literatura, todas as possibilidades estão em aberto, a depender de qual ponto trafega o escritor e suas intenções, se romântico, se realista, ou surrealista, até nonsense caberia entre aspas.

De outro lado, a idade não deveria ser argumento para aceitação do cômodo. Enquanto houver vida, correr risco em busca do novo deveria ser a tônica. Um novo amor, uma nova paixão, deixar o outro seguir seu destino a novas emoções, até mesmo novo compromisso sem a seriedade de antes pode ser um ponto de exclamação, ou até nenhum relacionamento, por que não!

Dado minha experiência com esposa em tratamento de saúde, sexo deixara de complementar o amor nos últimos tempos do casamento. O corpo cansado não está à procura de orgasmo. Nesse aspecto apelo ao prático. É possível viver sem sexo, mas sem o afeto de um abraço, do toque que abarca tantas emoções, vejo com reticências.

E ainda, considerando o que seu amigo acha possível, um casal sem afinidade física mas com amor espiritual, penso que nem um amigo meu quando lhe pegam a dar conselho e dizer ‘se eu fosse você...’ ele geralmente responde: ‘se você fosse eu, agiria da mesma forma, porque você seria eu’. Afinal, cada casal e cada um é único e decide o que quer da vida. E, às vezes, decide até não escolher e deixar o tempo correr.

Quanto às conjecturas sobre o gosto das mulheres e dos homens não deixo interrogação. Tanto mulher quanto homem quer é ser feliz. Quer amar e ser amado. Ambos buscam a felicidade. Não estão em lados opostos... claro, insisto, falo em nome daquele compromissado na relação a dois. De forma que existe o hiato ― a questão do diálogo ― as pessoas têm de falar o que sentem de verdade. Nem sempre o silenciar é provedor de sabedoria. Às vezes é síntese de fuga. A análise de monólogo interior abarca apenas o uno. Ponto final. Dessa vez falei demais, ― Osvaldo solta boa risada.

― Se eu não escrevesse os itens na minha agenda, não conseguiria relembrá-los para o meu amigo. Muito bom. O que a experiência acrescenta em nós, hein, detalhes que eu mesma não tinha antenado. Apesar de entender que acontece do jogo amoroso, às vezes, ser competitivo e de um não dar chance ao outro, querer ser poder. Aí, a entrelinha da relação é o que muito se vê.

Dodô e Osvaldo continuaram a lambiscar canjica e cada um com a vista para a natureza verde. Depois Osvaldo pigarreou, e ainda assim, lascou fogo no cigarro lamentando o vício. Dodô pensativa se era hora de riscar estrada.