sábado, 31 de agosto de 2019

ELES ESTAVAM LÁ


ELES ESTAVAM LÁ
20/08/2019
Simplesmente aconteceu. Entrei na rede social e ele me convidando a ser atrevido, sensual, mostrar como sou. Não pensei.
E passei andar de lado a outro sem dar conta de escrever o livro. A narrativa não se desenvolvia e os personagens apagados. Aquela relação on-line me fazia pensar apenas no prazer .
O apartamento de Odília, tão aconchegante, me senti em casa. O marido dela em viagem. Todos éramos amigos e confidentes. Estávamos bebendo quando Edil chegou com o jeito tímido. Ele era como eu, mas diferente de mim, tateava esse espaço com cautela. Queria alguém que valesse a pena.
― Está se encontrando com ele? ― me perguntou Edil.
― Sim. Não quer se revelar.
― Não tem interesse em conhecê-lo? ― interviu Odília.
― Vou deixar rolar.
A bebedeira foi longe demais. Edil não se sentiu bem e o levamos para o quarto. Quando acordei, levei um tremendo susto. Odília e eu desnudos no sofá. Enquanto ela dormia, vesti a roupa e desapareci. A cabeça pesada. Por uma semana me distanciei dos dois amigos.
― Por que desapareceu? Ligo e não atende, não dá notícia. ― Edil entrando no meu apartamento.
― Compromissos. Tenho prazo para o livro e não consigo escrever.
― Quer me dizer algo? Edil insistiu.
― Como assim?
― Tem visto Odília? Se encontraram?
― Não.
― Não aguento. Vi vocês naquele dia da bebedeira quando fui ao banheiro. Esperava que me contasse.
― Não contei porque me envergonho. Odília não merecia. Fomos namorados naquele tempo, mas não justifica. Eu não tinha esse direito.
― Vocês precisam conversar.
Odília e eu chegamos à conclusão que o melhor seria esquecer. Estávamos embriagados, foi algo sem sentido.
Voltei ao trabalho. Não produzia. Página em branco.
Odília convocou a gente, tinha novidade.
― Estou grávida de quatro semanas! ― falou sem rodeios.
― Que notícia boa, seu marido já sabe? ― Eu comemorei.
― Não contei a vocês. Ele é estéril e desejo muito essa criança. Quero ser mãe.
― Mas então? Eu? Eu! E eu não tenho escolha? Não estou preparado para ser pai.
― Não estou cobrando. Amanhã viajo para contar ao meu marido.
O casamento de Odília acabara. Eu continuava na relação, mas com o passar do tempo, questionando minha posição. Estava me apaixonando e propus que nos conhecêssemos. O outro lado com um clique desapareceu. Tomei consciência tarde demais. Receei do caso vir à tona, com gravação dos encontros. Contei a angústia aos amigos.
― Estamos ao seu lado ― disse Odília. Edil confirmou. Nos abraçamos.

Obs.: Criado a partir do filme Segredo a caminho.

sábado, 10 de agosto de 2019

O MAR COMO EXEMPLO

O MAR COMO EXEMPLO
            06/08/2019
Santiago desconhecia a vida num grande centro urbano. Fechado àquele mundo rural, cercado por mata de inatingível tamanho, o horizonte moldado por imensas montanhas verdes. O caminho disponível apenas à pé e raramente cavalo. Poderia parecer incredulidade que ainda existisse mundo livre da selvageria das grandes cidades, de corruptos, de corruptores, de vaza jato, de tanta bestialidade e fake news. Esse mundo existia sim e ali vivia a família de agricultores, numa vida legítima, respeitosa com a natureza, valorizando a agroecologia como algo natural, o respeito ao que a grande mãe terra dispõe. Por lá nem mesmo chegara luz elétrica.
            
A professora local apresentou aos alunos a disponibilidade de bolsa de estudo para quem escrevesse sobre o mar. A bolsa daria direito ao estudo acadêmico englobando passagem, material e estadia numa universidade social e tal proposta era para os que viviam no interior, uma oportunidade de desenvolvimento da capacidade de gestão na vida do campo. A professora reconhecia, vocês alcançaram condição nas diversas matérias ligadas ao curso de segundo grau, esse não é o problema. Ela soube trabalhar seu método de ensino e encontrou pessoas com ânsia de conhecimento. A professora passou à pergunta:
    
― Sabemos que a tecnologia está presente no mundo contemporâneo, apesar de ainda estarmos distante de acesso. Alguém conhece o mar? ― Ninguém levantou a mão. ― Escrevam sobre isso, temos tempo.

A classe efervescia. Jovens falando ao mesmo tempo. Santiago, ao invés de expressar-se na confusão, passou à proposta feita pela professora.
            
Santiago lembrou-se do Velho e o mar de Hemingway. E a história se tornando vívida em seus pensamentos. O vento que soprava às vezes ao norte outras ao sul na distante ilha. O velho, o menino, ambos, adoravam o mar, o respeitavam, era de onde tiravam a sobrevivência. Reconheciam a potência das águas e habilidade necessária para guiar o remo do barco aos ventos favoráveis. Eram pescadores, o velho de olhos da cor do mar, alegres e indomáveis, tinha a experiência e ligeireza no domínio da embarcação em alto mar. O menino franzino e esperto aos ensinamentos do velho tinha o olhar para o futuro, mas o que mais gostava era da companhia daquele velho diferente de outros pescadores, que sabia respeitar o mar dócil ou voraz, e o menino queria ser bom pescador. Foi através da história do sonho com a África, e o mar visto pelo garoto do sonho, com extensas praias douradas e areias branquinhas que feriam os olhos e que de longe avistava montanhas diferentes da dele, montanhas castanhas, que Santiago imaginou a beleza e a imensidão daquelas águas, tão diferentes dos rios e cachoeiras de sua terra. O velho vivia em outro lugar agora, mas nos sonhos escutava o marulhar das ondas, os barcos singrando as águas, e Santiago sentiu o mesmo aroma que o velho enquanto sonhava. O aroma da África soprada pela brisa. Há tempos somente sonhava com os leões na praia, brincando como gatinhos. E quando acordava, o velho tinha a companhia do menino durante o café. O velho ia pescar sozinho no barco, estava sem sorte, voltava muitos dias sem peixe. O pai do menino não quis o filho vivendo a má sorte do velho, mesmo assim no fim do dia, o menino esperava a volta do velho amigo. Enquanto o velho velejava ia pensando nas tão delicadas aves que precisavam se alimentar e na vida dura que tinham, até mais dura que a dos homens. E o velho falava consigo próprio, às vezes o mar se torna tão bravio e violento, mesmo sendo o mar tão belo e generoso, podia se transformar rapidamente e as frágeis aves sofriam os reveses. Também pensava o mar como la mar, em espanhol mar é feminino, e alguns lhe davam nomes durante o trajeto. Tinham aqueles que preferiam o nome el mar, pois viam o mar como adversário ou inimigo. Mas o velho, o velho sempre via o mar como feminino, ou como coisa que concedesse ou negasse grandes favores, e filosofava, “a lua afeta o mar tal como afeta as mulheres”. Toda aventura do velho na imensidão do mar, os reflexos que o sol produzia na água e ele prestando atenção quando se tornava alto e as nuvens acima. O velho gostava das tartarugas verdes e amigáveis e lembrava-se daquelas que adormeciam na superfície e amanheciam sem pés, comidos pelos peixes. Muitos pescadores não tinham pena delas, mesmo sabendo que o coração das tartarugas continuavam a palpitar muitas horas depois de mortas, e o velho pensava, tenho um coração assim, e mãos e pés. Quando observava andorinhas voando e circulando um trecho, reconhecia, ali tem peixe e singrava para lá. O mar azul se perdendo no horizonte e o velho reconhecia o quanto estava só, olhava a água profunda, a linha à frente do barco, a ondulação calma do mar, e lembrava do medo que muitos pescadores tinham de se afastar da costa. Lembrou-se do ciclone que avisava muitos dias antes, era somente ler os sinais no céu. Sabia as tempestades que viriam, e quando não havia sinal de tempestade ou ciclone. O mar e aquele enorme peixe que o velho sabiamente pescou e que continuou a lutar por sua liberdade naquelas águas oceânicas. O mar salgado que salgava o peixe. O velho exausto de lutar com o peixe, começava a sonhar com as imensas praias amarelas com tantos leões e seu olhar sobre a proa do barco, avistando a brisa da noite, com o imenso peixe ainda puxando, ainda arrastando o barco. O mar às vezes se agitava. O velho precisava defender-se, o peixe arisco lutava, e o mar com mais de milha de profundidade. O peixe saltava da água e depois flutuava ao sabor das ondas. O velho firme, apesar da fraqueza das mãos a sangue vivo e as pernas cedendo à fome, não deixava de lutar, sabia que uma hora o peixe se cansaria e nesse momento lhe lançou o arpão até o coração. O peixe enorme que levaria até a praia da ilha. Mas o sangue jorrando no grande mar atiçou a voracidade dos tubarões, e não deram sossego ao velho pescador, que chegou em terra apenas com a carcaça do peixe ao lado de uma das proas do barco. O menino encontrou o velho exausto e ambos descobriram que o velho vencera o peixe, o problema foi depois do peixe. O velho e o menino decidiram que da próxima vez pescariam juntos.

          A professora informou que o tempo se esgotara. Santiago entregou o trabalho à professora, consciente que ele, tal como o velho e o menino, tinha sonhos e os sonhos dão esperança àqueles que lutam.