segunda-feira, 27 de maio de 2013

DESENOVELAR-SE

   
   Eis a semana findando. Tive tempo de assistir a filmes nos intervalos de obrigações. O filme As faces de Helen, 2009, traz em seu bojo a difícil convivência com o transtorno mental - o transtorno bipolar, o qual a personagem tenta esconder de sua vida familiar, até a um ponto em que eclode uma crise tal que põe em xeque a sua relação entre marido-mulher, mãe-filha, mulher-ela mesma... e nas situações de vida profissional, social, até transpor para o caos, devido a não-aceitação da doença e o considerar-se apta a sair do abismo sozinha, sem ajuda especializada (psiquiatra, psicólogo etc). 

   Vê-se como, num nível extremo, a depender de paciente para paciente, o quanto é devastadora a solidão naquele mundo indizivelmente vivenciado. A atriz Ashey Judd consegue trazer à vida aquela mulher e nos mostra as dolorosas etapas da eclosão, do processo, até a possibilidade de  consciência da devastação da doença e a busca pela vida. É um filme denso, que nos consome durante a sequência de cenas e nos coloca face a face com os segredos da mente, a ânsia por sobreviver, encontrar um sentido. Eu achei a atriz excelente no papel; eu particularmente gosto muito dela, me faz lembrar uma amiga querida em seus gestos, seu jeito e até mesmo suas mãos. 

   Dois mais Dois, filme argentino de 2012, assisti no Usina Belas Artes. Uma comédia deliciosa em que através do riso o diretor enfoca a visão da troca de casais - swing - de forma gostosa, pitoresca e recheada de passagens hilariantes. Como não poderia deixar de ser a coisa fica complicada no decorrer das certas experiências, pois a existência do prazer desvinculado do afeto, traz uma pobreza ao relacionamento ao deixar de se investir na profundidade do verdadeiro amor em troca de vivências de prazer. Lembrei-me do livro que li quando estudante, do Wilhelm Reich, Casamento Indissolúvel ou Relação Sexual Duradoura? nos idos dos anos 80.

   Do Wood Allen, assisti a Setembro, de 1987, com Mia Farrow,  filme  dele que eu não conhecia e posso dizer que adorei este lado do diretor, onde é capaz de traçar o quão é indescritível o sofrer por amor não correspondido, as dores das relações na vivência entre mãe e filha, o não-dito presente durante toda a existência e que não encontra caminho para o diálogo - morre em dores de angústia e que ao cabo de tudo - só resta seguir vivendo e buscando novas chances de ser feliz. É um filme lindo, eu adorei as muitas possibilidades de reflexão.

   E acreditem, ainda vi Hotel Desejo, de 2011, filme alemão de menos de uma hora. Eu gravei o filme após ter lido a legenda e o assunto me interessado, mal sabia das cenas, o que me levou a dúvidas sobre se era um romance ou apenas erotismo. Mas o filme caminha para uma dose, uma pitada de sedução, de forma tão bonita, tão harmônica no desenovelamento da sexualidade entre um homem e uma mulher, o que vem a demonstrar ser possível tratar do tema com conteúdo envolvente e lindamente colocado em sua leveza. 

   Bom já tenho bons argumentos para levar a semana, emanada de sentimentos e ânsia pela segunda feira.   

segunda-feira, 20 de maio de 2013

ONOMATOPEIAS E TEMPO

   
   Já estamos em pleno maio. Quanto menos se espera... É passado cinco meses do ano, assim, que nem uma onomatopeia... VUPT! 

   Quando não se fez nada neste tempo, vem uma enorme nostalgia ou um sentimento tipo niilista. Mas o que é o tempo? Pode ter diversas conotações: estéticas, simbólicas, cronologicamente falando... Esta palavra temperada de diversos sabores, o estar e o ser. Este modo elástico que contempla o infantil, a dócil mocidade, o estatelar concreto da realidade adulta; até que finalmente, vem a plenitude no inspirar de certezas de que a porta está por abrir...

   Calendários. Trazem os dias e as semanas em suas sequências, num demasiado tédio, sempre o mesmo, entra ano sai ano... O que vale são as construções: coerentes, ou incoerentes; estar de modo convencional ou de pernas pro ar. Sentir-se pequeno, grande, a depender do caminhar entre claro e escuro. Pode ser espelho ou olhar convexo: nasceu ... e já é hoje! 

   CARPE DIEM! Aproveite o dia! Não importa se extra. Adianta tempo extra para quem anda perdido em tempo estreito? Adianta horas a mais para transes sonambúlicos?

   Eu e minhas divagações... Bonito mesmo é o tempo do Drumond:


"Chega um tempo em que não se diz mais, meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.

... Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas sem mistificação.

O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
A vida presente.

... Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua."

Carlos Drumond de Andrade, in Reunião.

   A vida é boa demais e o coração continua TUM... TUM... TUM... TUM... PRESENTE!

sábado, 18 de maio de 2013

HUMANIZAR-SE?

   

    Após a última postagem, a angústia pela discussão do tema da perda apenas se prolongou e aguçou-se ainda mais com outro filme; que se eu soubesse, teria adiado um pouco mais.

   Dogville, de 2003, com Nicole Kidman, um filme de Lars Von Trier, dirigido por ele próprio e ele está com a câmera em diversas cenas. Apresenta-se como um tablado teatral. É o primeiro de sua trilogia... Estou para assistir o segundo Manderlay. 

   Eu disse que é angustiante, porque o é a constatação dada pelo autor à visão do ser humano, universalista, mas de uma crueza  que muito custa a nós acreditar que ele esteja assim tão certo. Gostaríamos de negá-lo... A personagem de Nicole Kidman experimenta... A concretização do ato está em cena, destruindo os puristas, é desalentador... Real, intimidador.

   Transcreve o ser humano em sua arrogância, aparecendo em seus meandros, primeiros sutis, depois escancarados, cruéis, inacreditáveis. Nós estamos representados em cena e isso nos leva a refletir sobre nossa mediocridade.

   Eu fiquei extremamente constrangida (não sei bem se esta é a palavra) por estar ali representado o que às vezes vejo entorno - pessoas que usam outras em prol de seus interesses, sem ao menos sentirem qualquer remorso, como algo normal, prático. A insignificância humana retratada exige uma nova reconstrução; ao mesmo tempo desalentadora, na difícil transformação, mudança. 

   Não sei se ao final do filme se possa ter esperanças??? Fica uma grande angústia se ver retratado de forma tão nua. Eis a questão: devemos acreditar que o ser humano é capaz de se tornar humano... Humanizar-se???   

sábado, 11 de maio de 2013

VIVENCIAR DORES HUMANAS

   

   Assisti, o documentário brasileiro de 2012, da cineasta e atriz Petra Costa, ELENA, além de ser seu primeiro longa, ganhou prêmios no Festival de Brasília de Cinema, no Cine Belas Artes. Gosto muito de documentários, pois eles se aproximam à nossa realidade; constatamos histórias que se assemelham às nossas, com suas dores e angústias, como também, seus risos e alegrias.

   Aconteceu algo diferente comigo depois do filme. Eu preciso de um tempo de amadurecimento ao nível do pensamento sobre a película antes de poder discernir sobre ela. Neste documentário eu não consegui reunir de forma rápida, considerações a respeito do tema proposto. A nuance da angústia vivenciada pela narradora, Petra, com relação à história de sua família e especificamente de sua irmã, que teve morte trágica aos 21 anos, me impossibilitou da leitura imediata para descrição aqui.

   A narração traduz uma vivacidade de sentimento à flor da pele, ela é e está presente durante toda a verdade traduzida pela fala, que deixa a cru a dimensão do vivencial. A história de Elena perpassa o período em que vivemos a ditadura (no Brasil) e ela, e sua família, precisam ficar no anonimato para terem chance de sobrevivência, pois os pais são ativistas políticos.

   Do além da hereditariedade, focalizada na história, poderia aquele momento complexo de nossa história ter trazido resultados tão tristes??? Vemos e ouvimos sempre relatos de famílias esfaceladas por aquele momento de nossa história política que foi extremamente cruel. Fica a hipótese...

   Tanto a mãe, quanto Elena, e Petra, demonstram  tendência para a reflexão existencial, e que traduzem em suas crises, aspectos relevantes de cunho intenso, que se eleiam entre angústias, tristezas e depressão. Chegando Elena à percepção desesperadora de não encontrar saída. E a perda vivenciada pela mãe (e por Petra) é sentida no aqui e agora por todos que estão atentos à tela. A dor multiplicada pela perda de um filho é nossa experiência compartilhadora.

   Eis que descobri porque foi tão difícil concatenar sobre os sentimentos que o filme me trouxe. As perdas de minha irmã, aos seus 26 anos (1983), devastada pelo lúpus que agressivamente lhe deu o veredito; a morte trágica por acidente de trânsito sofridos por minha mãe, dois sobrinhos e minha madrinha (1990); além de deixar dois sobrinhos em coma, que felizmente estão bem. Esses momentos de minha história eu senti como uma cruz que teria de carregar por toda a vida. Indizível e devastador.

   Eu saí do filme pensando porque temos que traduzir as nossas dores, seria tão mais simples encerrá-las em um esconderijo, ou algum labirinto,... e tratar apenas das alegrias e felicidades. Mas não vivemos contos de fada e a vida é feita de contradições. Somente ao ser humano é dada a possibilidade de saber que vai morrer e sofrer com a morte de um ente querido. E, com as graças do tempo, conseguir o enfrentamento necessário a cada dia.

   A história é triste, humanamente reconhecida, mas traz a esperança na luta pelo viver o dia após dia, encarnando a coragem necessária, no refazimento de projetos e dialogação com a morte. Valeu a pena ter sentido e revivido tais dores, apesar de doloroso. Boa reflexão!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

SEMPRE É TEMPO DO NOVO!


"FLORAL

É isto. É primavera.
Estou feliz, em febre.
Outros
           politizam suas dores.
Eu
me polenizo
ou polemizo
                   - com as flores."

Affonso Romano de Santanna

   Estou começando a semana - a minha abençoada segunda feira - em tons de primavera... Que já chegou ao meu coração através da linda poesia do Affonso Romano de Santanna, Poesia Reunida 1965-1999, vol.2, L&PM, maio/2004. Eu estava arrumando a bagunça do meu quarto, pois só vou juntando livros que vou lendo e que vão se acumulando à minha confusão (que só eu entendo!). 

   Antes de guardar este livro, folheei-o mais uma vez. Tinha feito anotações nele (agora dei para isso!), os poemas que mais me agradaram, as expressões de emoção que me tocaram à leitura. Eu gosto, pois quando retomo, as recordações voltam à tona. Vejam este sobre o nosso tempo:

"RUGAS

Estou amando tuas rugas, mulher.
Algumas vi surgir, outras aprofundei.

Olho tuas rugas.
Compartilho-as, narciso exposto
no seu rosto.

Ponho os óculos
para melhor ver na tua pele
as minhas/tuas marcas.

Sei que também me lês
quando nas manhãs percebes
em minha face o estranho texto
que restou do sonho.

O que gastou, somou.
Estas rugas são sulcos
onde aramos a messe do possível amor."
Affonso Romano de Santanna

   Nada como um pouco de poesia para aguçar a nossa energia, né! Estava cansada, fisicamente falando, e ler me redinamiza, traz o toque energético que me alimenta para a empreitada do dia a dia, que às vezes, cai num cotidiano reles, sem graça, com poucas motivações. Além do tempo, que na via outonal já vai trazendo mudanças observáveis. Mas eis-me revigorada.

   Reconheço que sou um pouco culpada: invento de fazer inglês, violão etc etc etc... achando que sou ainda aquela adolescente no pico do auge, em êxtase. Eu sempre quis tocar um instrumento e chegou o entusiasmo agora. Como diz uma amiga, com tantos afazeres como ter tempo? Não considero tais opções de lazer como afazeres, a realidade é que vejo o lado interessante em começar a fazer algo novo em tal estágio: imagina, começar a tocar violão na altura dos acontecimentos, um instrumento que eu não sabia nem como pegar, começar do zero, isto me desafia... E pensar que se aprende violão pra valer após treinos prolongados e ampliados lá pelos 20 anos de dedicação. Não importa que eu fique apenas uma eterna aprendiz, pois nem sei o tempo que me resta... Vivo intensamente cada aprendizado hoje! E o novo me impulsiona a novos projetos... Sempre é tempo!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

TÍMIDA PARA SEMPRE

   

   Ontem, em companhia de vinho e macarrão a ragú, apreciei uma ótima comédia francobelga, deliciosa, de 2010. Do diretor Jean-Pierre Améris, os personagens principais são representantes da ala dos tímidos em exagero. A dificuldade em expressar-se, de dar leveza à vida, de deixar o corpo falar, eram a tônica entre aqueles dois, que em certos momentos pareciam paralisados em situações consideradas corriqueiras para quem não sofre do mal. Trazidos pelo diretor de forma cômica, a história é muito divertida e se passa entre o dono de uma fábrica de chocolates e uma chocolatier.

   E entre diversos tipos de chocolate (que só de olhar dão água na boca) os dois vão por tentativas, construindo uma possível relação, num romance meio tosco. Les Émotifs Anonymes, que foi traduzido para o português por Românticos Anônimos constrói uma história interessante a partir das dificuldades daqueles tímidos em excesso, que ficam travados na expressão das emoções e do discurso.

   Os dois personagens trabalham os tais dificultadores em sessões de terapia individual  (ele) e ela frequenta um grupo de tímidos,  onde todos sofrem do mal  e dão suporte emocional um ao outro. Uma delícia, literalmente, o filme  e seus chocolates.

   Eu sou tímida. Mas nunca fui em excesso, de ficar paralisada e não conseguir tomar uma atitude. Me lembro de suar frio, de ficar com a face enrubescida em situações às quais não tinha domínio, como falar em público, apresentar trabalho na frente dos colegas etc. Digo que sou tímida porque se é tímido para sempre, mas hoje em dia isso não me intimida, aprendi a administrar as situações com muita terapia, aulas de teatro, experiências em palco, palestras, isto é, enfrentando as situações, apesar dos medos e tensões.

   Como na vida de qualquer pessoa, o enfrentamento é necessário para possibilitar a diminuição do medo e seguir em frente com a coragem digna dos sobreviventes.