quarta-feira, 30 de setembro de 2020

o coração bombeava (CENA 29)

 

22/09/2020

O coração bombeando que nem louco, deixando as pernas sem firmeza. Os dois jovens depois do beijo começaram a correr e sorridentes e aos gritos iam ao meio da rua, dizendo ao mundo que o instante pertencia a eles. Osvaldo se culpava, você é um tonto, o que esperava, achou que as cenas se exprimissem assim, sem a afirmativa do outro, quantas pessoas esquecem que não têm permissão de decidir por outras, mas atrevidamente o fazem. Sem compaixão pelo próprio sentimento, ia chutando o que encontrasse, lata de lixo, pedra, quando viu um cachorro distanciou-se do animal e vociferando, chegou em casa, abrindo a porta ao solavanco e batendo ao fechar. Foi para o quarto e lá se trancou. Nem respondeu a mãe quando ela deu um toque na porta.

Viu-se naquele pedaço e lhe pareceu imenso. Quão diferente de hoje, os jovens ficam sabendo que as pessoas estão namorando, ou desfizeram relação através da rede social. Quantos casos escuto sobre tal situação, a exposição, a ostentação de imagens, mostram apenas o lado felizardo da vida e nunca a tristeza embutida em cada coração. Quando lembro da minha mágoa aquele dia, das emoções e sentimentos vivenciados nos primeiros arremedos da vida amorosa, como em minha ingenuidade sofri como o mais pobre mortal, e me perguntava que fiz eu para merecer o que me acontecia. A juventude tem lado cruel. Não enxerga às vezes o óbvio, obcecado por desejos e fantasias. Vê o que lhe convém e faz planos, traça mapas mentais, atravessa caminhos impensáveis e determina a mais b como se todos os astros favorecessem essa decisão. A onipotência é deveras fantasiosa, mas jovem é imaturo, é normal tanta volúpia de sentimento. Bom que vivi isso, por mais que tenha me machucado aquele momento, o sofrimento me trouxe ganhos. Naquele momento não sabia o que sei hoje.

Na semana se isolou no quarto, nem quis encontrar a turma. Quando foi ao encontro, todos estavam lá e Taquinho de braço nos ombros de Leila. Os outros faziam troça dos dois, olha só os namoradinhos, e vamos parar com esse grude que agora mesmo aparece gente espalhando fofoca. Leila sequer percebeu o acanhamento de Osvaldo.

― Valdo, você sumiu, que que houve?

― Nada não, ocupado com trabalhos. ― Osvaldo compreendeu que ambos eram afim da mesma garota. Estava tão desorientado aquele dia que não percebeu que o rapaz era o irmão. Mais tarde Leila falaria sobre o namoro dos dois e os encontros, Eustáquio a buscava quando terminava as aulas, ela um pouco mais alta que ele, ambos miúdos, sentia o braço de Taquinho lhe escorando pesado o ombro.  Ela dizia, Taquinho não dá a mínima por nada, é sempre gentil e doce.

Leila era assim, sincera e inquieta. O namoro durou meses até que ela se arvorasse a nova conquista. Com o tempo experimentou outros tipos de amor, Mafalda a conquistou. E durante os encontros era notório a tensão entre as duas mulheres e a descoberta da liberdade de Leila. É tão comum nos dias de hoje tanto mulheres quanto homens assumindo a bissexualidade e a homossexualidade, diferentemente daqueles tempos. "O amor na quintaessência das coisas, vai além do sexo, da moral, das regras. Não há mais exigência de gênero. Amor é amor e quando duas pessoas amam o mundo sorri satisfeito". Leila por si só, eu disse, era visionária, à frente dos costumes convencionais da sociedade. Eu a admirava, como estará hoje?


"  " ronaldclaver, escritor

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

tempo tempo tempo (CENA 28)

 

22/09/2020

            Osvaldo terminou de escrever para cada um dos amigos da adolescência. Maria, Mafalda, Aluísio e Leila. Como gostaria de fazer o mesmo com Taquinho, saber que ainda estaria aqui com chances de eu poder abraçar, sentir o calor irmão, o gesto tão amoroso junto à turma, sua expressão de interesse e ao mesmo tempo aquela falta de paciência que às vezes explodia. Meu irmão, quantas lembranças.

Sentado na varanda, fumando seu cigarrinho, Osvaldo a cada esfumaçar à frente, viajava.

― Pessoal, deixa o Valdo entrar, está quase no meio do jogo e ele no cantinho, doido pra bater bola. Vai, dá uma chance pra ele. ― Eustáquio falou enquanto sapecava o drible, afinal não conseguia ficar calado enquanto jogava. Moleque de dez anos, via o irmão mais velho esparramado junto com outros aguardando a vez, sentados num barranco acima do campinho de várzea, de onde tinham visão privilegiada da partida de futebol.

― Daqui a pouco a gente chama ele, tá quase na hora do intervalo. Pega a bola aí, Chavico, cuidado com o ataque, num fica de bobeira não, ― o amigo falou apressado para um dos jogadores enquanto movimentava o corpo, e depois voltou o rosto ― Taquinho, ele é ruim de bola, você sabe, com aquele jeito molengão acaba atrapalhando as jogadas. Deixa ele de bobeira mais um “pouquin”. ― Mas Eustáquio sempre saía na defesa do irmão. Conhecia as limitações, mas não se acomodava e o colocava para jambrar. A turma caía em cima e resmungava durante a partida. ― Prestenção, Jamanta, tão te marcando aí, põe força nessa bola, cara. ― disse o menino que competia com Eustáquio na liderança do time.

Osvaldo entretido com jogadas, balançava o corpo encostando nos meninos ao redor, e no meio deles, Elisabete, a única menina a não dar moleza para os marmanjos do time e gostava de jogar futebol. Descalça, magrela de cabelinho liso feito tigela de cabeça para baixo na cabeça, espevitada vendo os meninos driblando e reclamando aqueles pernas de pau durante a jogada. Enquanto isso, Osvaldo via o irmão correr em campo, sacudindo o corpo como se rebolasse, ou mancasse, com uma perna pouco mais curta e fina que outra por causa da poliomielite, não tinha a menor dificuldade nas brincadeiras e todos acostumados ao jeitão atrevido do menino que até mesmo o protegia, apesar dele ser quatro anos mais velho.

Lembrava de Taquinho nas conversas com a turma Todos por um. A gente se sentava em círculo e naquele ambiente conversava o que desse na telha, como dizíamos, tanta gíria que hoje em dia nem se usa mais, Osvaldo deu uma risadinha. Era muito legal esse tempo. Contestação, rebeldia, atrevimento, cada dia uma novidade, uma pergunta sem resposta se ampliando ao rol imaginário, formando tantos questionamentos ao longo da existência, como agora fico eu, me fazendo tantas questões que ainda não consigo responder. Quanto mais vivo menos tenho resposta, que negócio maluco é viver. Via o olhar caminhando discretamente para Leila, a primeira que fez seu coração balançar acelerado, os comichões no corpo e ruborizava com timidez. Era segredo, não se atrevia mostrar àquela moça quanto ela fazia os encontros se tornarem perfeitos. Taquinho não desconfiava, ele vivia o instante presente com tamanha intensidade, de dar inveja, ah! Gostaria de ter esse jeito mais desmedido, sem se preocupar com o que os outros pensam a respeito de si, sua autenticidade era a marca.

Osvaldo se aproximou cada vez mais de Leila, uma moça à frente de seu tempo, pálida, cabelo misturado de mel e acaju cacheados às pontas, totalmente solta, leve, disponível para escutar a sonoridade de sua voz de menino que se transformava, ela dizia, como gosto de ouvir você contar as aventuras dos livros que lê e eu contar o que achei dos personagens românticos de Machado de Assis, José de Alencar e outros, tão piegas, e rindo, também os romances de Jane Austen que mesmo heroína, se atrevendo, ainda é demasiadamente conservadora nos toques, nos desejos, mulheres fazendo o pouco permitido para tempos de então, sem qualquer protagonismo feminino, tendo inclusive dificuldade de aceitação dos pares da escrita, chegando a escrever com nome masculino. O patriarcado se impondo como algo natural e que sempre existisse quando na verdade foi construído por uma sociedade dominante e oligárquica. Leila, não. Leila surpreendia, nada tinha de moça burguesa, contestava os pais, colegas, amigas, saía com amigos homens e as outras meninas presas em casa.

Osvaldo imaginou que estando o mais perto possível haveria chance dela perceber seu amor, tão doce e pronto a compartilhar. Mas Leila tinha aquele corpo modelado, quanto a ele, cansou de agressões intencionais desde criancinha por causa do peso. Chamado bolota, gorducho, rechonchudo, bochechudo, fofucho, rei momo e muitos outros nomes pejorativos que dificultaram sua expressão no mundo. Desde cedo preferia leituras e solidão, amenizando recalques. Leila foi um lado bom que surgiu em pleno auge adolescente, onde o amor se atrevia a beirar margem e imaginar que o outro aceitaria seus defeitos, aliás, por que veria apenas defeitos, as qualidades entendia que as tinha sim, mas ali bloqueadas, sem possibilidade de expressão. Leila exigia que ele se soltasse tanto quanto ela considerava satisfatório e nessa lida entre duas pessoas passou a se imaginar amado também e no silêncio do outro se percebia aceito e comemorava internamente. Queria convidar Leila para sair, ir ao cinema, tomar sorvete, festas, a coragem faltava, o tempo corria enlouquecido, mas ele sem encontrar palavra que surgisse no momento ideal.

Até que resolveu aquele dia nada tiraria sua coragem, nem mesmo iria fantasiar situações, decidido se abrir completamente àquela menina-mulher tão especial como ele a via. Não tinham marcado encontro. Queria a surpresa e comemorou antecipadamente o sim que ela daria às suas evocações. Arrumou-se naquela sexta feira de fim de tarde, despediu-se dos pais e rumou a casa de Leila, sim, tocaria a campainha e ela sorridente estaria pronta. Distante alguns passos, viu Leila beijando um rapaz.

Quedou-se estarrecido junto ao muro e procurou não ser visto. Em seguida os dois saíram de mãos dadas pela rua.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

carta amiga (CENA 27)

 

11/09/2020

            Querida Leila

         Ando pensando muito nossas vivências adolescentes. E como adolescente quero escrever, esperando encontrar você bem. Sabemos todos que nossa finalidade quase única hoje é a de estar bem, tendo em vista nossa realidade assustadoramente inacreditável. Pois é, quem diria que um vírus dessa proporção iria, ainda mais, nos mostrar o quão ínfimos somos, iria esmagar nossa insignificância. O mundo está de molho, os que podem ficam em casa, a movimentação escasseou, e com isso a natureza (a que o homem não atinge com incêndios propositais) resplandece a olhos vistos. A natureza pede respeito, e quando não escutada responde com catástrofes. Mas a sociedade parece não se emendar.  Todos estamos chocados com decisões descabidas, não vemos atitudes dignas de governantes no mundo. Como esses atores políticos desta época são de uma pobreza, hein, Leila! Aqueles nossos áureos tempos de ativismo e idealismo, em que havia os que realmente pensavam a Nação e seus cidadãos. Os de hoje enxergam cifrões. Chega, interrompo aqui esse assunto áspero, cru, espinhoso, isento de coração, chega de falar disso, não é? afinal o poder de modificar a história está nas nossas mãos. Transformação possível é com povo consciente de seu papel na luta por mudança. Concorda?

         Vamos lá, deixemos o lado adolescente aflorar por pequenos momentos. Lembra nossos encontros com a turma, nossos sonhos e desejos querendo arrebatar todo nosso corpo e nos mostrando o caminho da emoção e sentimento? Ah, tempo bom e difícil, tantos complexos carregávamos e que ainda hoje se escondem nos vãos dentro de nós. Vocês, mulheres, ainda mais que nós homens devido repressões familiares da época. Tenho saudade dos nossos papos sem intenção, o olhar ao outro em aconchego. Você, que com carinho e sensibilidade, dava vazão à entrega e escuta cuidadosas do que feria a gente no mais fundo. Sua atitude para comigo era apaixonante porque meus sentimentos eram tão contraditórios, e muitos ainda o são, mas você me instava ao movimento, a não me acomodar àquelas dores que eu parecia sentir gozo em ter, o lado masoquista do meu jeito tristonho, como ouso dizer a mim. Não ria, por favor, hoje admito sem a vergonha que me amedrontava.

         Segue  um poema:

perder a inocência

como é triste

perceber

que nunca mais

será azul e puro

como mar e céu

música com

outra entonação

as misérias do mundo

os inocentes sempre pagam

pelos pecadores

falar da vida

tantas implicações

quisera eu

continuar criança

 

        Muitos temas a discutir, não é?

        O que pensa você do Brasil de hoje?

Envio carta a todos com essa mesma proposta, a de nos encontrarmos naquela mesma data de sempre dos tempos juvenis, e no mesmo local. Espero que até lá o corona deixe de ser bicho papão.

Abraço forte e fraterno do Osvaldo

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

janelas do tempo (CENA 26)

 

07/09/2020

            Com a saída de Dodô, a solitária vida de Osvaldo retornou. Olhou para a janela e viu a aura fosca com pingos de chuva. Gosto dessa frescura do inverno, esse ventinho na cara me faz tão bem. Também com esse excesso de peso quem suporta calor, minha saúde agradece quando está mais frio. Pena Dodô não ficar mais tempo, queria contar o sonho que tive, que loucura, eu completamente perdido em algum lugar do Brasil, só pode, claro, e de repente, percebi todo mundo andando sem máscara em plena infestação do coronavírus. Num primeiro momento nem atinei que também estava no rol daqueles malucos andando pela cidade desamparados, sem proteção alguma. As pessoas riam, se aglomeravam, estavam tête-à-tête por todo lado sem qualquer preocupação. Quando eu realmente abri os olhos, os de dentro e os de fora, foi que surtei de vez, e me percebi sem proteção no rosto, e nesse mesmo instante, tasquei a mão na boca tentando me proteger, como se isso adiantasse já que o nariz continuava a respirar gotículas no ar que se assomavam à minha frente com aparência do coronavírus, credo viu, que angústia, comecei a fugir para outro lugar que fosse seguro e não encontrava espaço vazio, a dificuldade de respirar, e sufocado, vivi intensa realidade. Deve ser por isso que acordei tão repentinamente, estava uma situação insuportável. Após Osvaldo memorizar o ocorrido, falou a si:

― Nem em sonho mais a gente se permite andar sem máscara, credo!

Lembrou que o dia de hoje é especial para seu grande amigo que aniversaria. Realmente é indesejável a distância quando se quer abraçar amigos. Nem mesmo essa pandemia iria me afastar de comemorar com ele, tomar uma boa dose de cachaça mineira com torresmo crocante. Huuum! Além de palrar por bastante tempo colocando nossa prosa em dia, a gente ia aproveitar e ler poemas que adoramos. Ah, os amigos são insubstituíveis. Quando terminar de escrever a carta que me prometi a dias para a turma, vou ligar pra ele. Caminhou até a escrivaninha, pegou caneta e papel, espero que a turma ainda esteja no endereço que tenho, espero. Sentou-se e deixou o pensamento divagar buscando inspiração. Como a gente adorava escrever carta e nos escritos pontuávamos citações e poemas. Tenho de encontrar alguma coisa original. Vejamos!

O homem e seu silêncio. É quando afloram tantos pensamentos. Seu rosto foi dominado de intensa ação ao lembrar dos tempos de então, a expressividade aflorou. Em algum momento criança, noutro corria atrás da bola e jovem sacava de seu tempo ao redor de assuntos de interesse da turma.  O namoro, procurava quem era a garota e não via o rosto, depois olhou a mão, como passou tão rápido. Como se a vida tivesse corrido feito estalo de dedos.

Quando olhou o relógio passava das dez da noite e ainda as ideias para a carta não vinham. Levantou e pegou o fone. Discou e o som de espera acelerou o coração, consequentemente a respiração. Veio a tosse repentina por ter quase se engasgado. Conheceu a voz do outro lado e aprumando o corpo em alegria, disse:

― Fessor, que dia estupendo hoje. Ouvir sua voz é como arte e nada mais que arte, meu bom amigo, atleticano. Viva você! Viva o Galo! ― A voz do outro lado correspondia em festa. Entre os dois janelas se abriram.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

semelhanças ainda hoje (CENA 25)

 

01/09/2020

            ― Dodô, mas me diga, como está a cidade? ― Osvaldo continuou na cozinha guardando os mantimentos e Dodô na porta, a uma distância, com máscara.

― Meu Bom Jesus da Lapa que o diga, está igual minha cidade em tempo de procissão. Lotada. Como se não houvesse nada. Pessoas andam pelas ruas, compram, bebem, conversam, algumas mascaradas outras não. Uma loucura, por isso o corona cresce assustadoramente. Nós, as trabalhadoras e trabalhadores, trabalhamos. Valdo, está como se fosse dezembro, lembra o dia da nossa festa de confraternização? Pois é, tem tanta gente quanto aquele dia perambulando por lá.

― Meu Jesus Cristinho, esse povo não emenda. Quer dizer que o negacionismo anda à solta. Negam as mortes, que caminham para os duzentos mil, negam o vírus, negam a ciência, negam a evolução humana, meu Deus!

― Vergonha e náusea, bem assim. ― Emendou Dodô.

― Mas parece que o negacionismo anda perdendo, pois o governador e a vice estão sofrendo impeachment, ambos do antigo partido do presidente. Estão administrando tão mal o estado que as forças do poder já estão a mostrar os dentes. Olha que este estado do Centro Sul do país, com mais de setenta por cento de votos dados ao governo atual, mostra que estão acordando e vendo que não estamos em berço esplêndido não. Depois falam mal da sua região, de não saberem votar.

― Pois me orgulho do nosso Nordeste, somos progressistas, votamos melhor que os ditos “estudados”. Meu povo nordestino aprendeu ser resiliente e sobreviver do jeito possível. Dizem aí que melhorou a pontuação do governo, duvi-d-ó-dó.  Essas pesquisas são feitas por nossos lados mesmo e desconhecem aquela região e sua particularidade, sempre vista como a parcela pobre usada para enricar o sudeste e sul do Brasil.

― Como as pessoas são enganadas, hein, é tanta malandragem nessas estatísticas que já ninguém acredita em pesquisas desse tipo. Dodô, mudando de assunto, você relembrou da nossa festa de fim do ano passado e aclarou minha mente, o momento em que me aproximei de vocês, você e as meninas conversavam baixinho, como se estivessem segredando algo. Eu perguntei se havia algum problema, mas vocês desdisseram e deram umas risadinhas. Eu ia aprofundar e insistir, mas um aposentado me puxou para o amigo oculto e não deu. O que aconteceu?

― Ai, Valdo, aconteceram tantas coisas naquele dia tão divertido. Mas recordo de um incômodo durante a festa, um dos seus amigos da esquina estava “dando” em cima de mim e me tocando de forma atrevida, sem meu consentimento. Ah, Valdo, esses homens ainda pensam que têm posse do corpo da mulher, ficam desejosos dos nossos corpos como se não vissem cabeça coração mente. Hoje tem ainda tanta semelhança com o século XIX, credo, homens cobiçosos, deselegantes, vazios, possessos quando veem mulher, como se vê descrito no livro do Tolstói, Ressurreição. Você já leu?

― Sinto tanto que isso tenha acontecido, Dodô. Às vezes as pessoas extrapolam e atravessam fronteiras desconcertantes. Atualmente temos visto muito disso na sociedade, uma regressão que nos coloca em alerta. Não podemos permitir que isso retorne. Um atraso que não faz nenhum bem.

― O que passou passou, vamos em frente e atentos.

Dodô desviou o passo e pegou sacola e bolsa, despedindo-se de Osvaldo enviando um beijo à distância.