23/04/2019
Léa tem quatro filhos, meninos
entre três e dez anos. O marido, Paulo, chegou à sala, fazendo a última
arrumação no terno:
―
Estou atrasado para o trabalho e hoje teremos reunião com clientes. ― Mal e mal
engoliu o café da manhã. Paulo mal percebeu Léa, apesar de ter passado por ela
esbaforido. Às crianças sequer dirigiu palavra de bom dia. Léa, hoje, prestou
atenção. Ela tentava apaziguar as crianças que não a ouviam, com os cabelos
pretos desarrumados, suada, cansada, com roupa caseira.
Paulo
chegou ao escritório e viu Nina, sua chefe, conversando com Lia, uma das
funcionárias:
―
Olho no espelho e me vejo envelhecendo, as roupas clássicas de que gosto, já
não me caem bem, me transformam numa velha ultrapassada. E ainda tendo de lidar
com o novo momento de minha filha de dezesseis anos pensando em namoro firme,
querendo que eu conheça o rapaz. Não estou preparada.
―
Você está com inveja e ciúme de sua filha? ― perguntou Lia.
Lia tinha seus problemas. Namorava
Caio, homem casado e a esposa dele, Jane, acabara por descobrir o caso. Jane, revoltada
ao pegá-los em flagrante, informou o fim do casamento, mas que, o filho e a
filha adolescentes ficariam com eles, semana sim, semana não, pois agora a
amante sentiria na pele o que é ser esposa.
Jane, mulher tradicional, leal e
fiel, conhecia o prazer feminino. Sara, sua colega de trabalho que criticara os
chifres, não conhecia tal prazer. Jane ao saber da fofoca espalhada no grupo de
trabalho, num momento de raiva, contou o segredo de Sara, que saiu envergonhada
e chorosa.
Lia,
amante de Caio, tinha uma amiga em comum, Meire, da qual era confidente. Meire
era desajeitada com os homens, não sabia chegar, como se portar, o que falar
durante um encontro, e quando dizia algo, os homens se retraiam até escapulir.
Será que vou ficar sozinha? Lia orientou-a. E Meire encontrou João. Ambos advogados,
estavam trabalhando no caso de uma mulher que matou o marido. Meire considerou
que a mulher agiu em defesa da honra e protegendo a filha de um estupro. Eis o argumento
que sustentaria no tribunal. João envolveu-se com Meire e ambos se descobriram
na intimidade e se gostaram. 'O amor despenteia os cabelos e desarruma as gavetas.'
Enquanto
Paulo caminhava até sua sala, Nina, levantou o olhar:
―
Daqui a pouco os clientes estarão aqui. Tudo preparado, Paulo?
Uma
das clientes era a Susi, mulher bem sucedida. Preocupada com sucesso, poder e
voltada apenas para objetivos empresariais. Naquele momento, ditava à
secretária, Melina, a correspondência. Melina, tímida e desconcertada, obedecia
sob olhares exigentes. Susi fez uma pausa e perguntou à Melina:
―
Você tem amiga? ― A moça negou com a cabeça.
― O
médico insinuou que meu desejo por sucesso desenfreado está elevando a
testosterona, o hormônio masculino, e que nem pareço mulher. Ele deu a entender
que nem devo ter amigas. Isso não é verdade. Claro que não é! Vou provar a ele
que não tem a ver. Vamos nos encontrar amanhã para conversar? como uma reunião
de amigas, como se você fosse minha amiga? quem sabe tem uma amiga e queira
levar? Isso, você leva sua amiga, combinado? na hora e local que eu lhe disse, ―
Susi emendou autoritária.
Melina
somente escutou. Ao sair do escritório, Melina presenciou Leona colidindo de
testa no poste e caindo para trás. Melina socorreu-a e foram para o hospital.
Leona era motorista de ônibus. Depois
de medicada, contou a Melina, meio a trejeitos da face, tiques nervosos que
apareciam quando gesticulava o rosto, que o marido era tradicional, e ela julgava
o sexo tão normal, tão trivial, e ontem tentou ser diferente. Preparou a cena para o sexo selvagem que
imaginara, mas ao fechar a porta com força atingiu a cara do marido. Com nariz
sangrando, ele saiu irritado dizendo que iria embora para a casa da mãe, pois não
estava preparado para aquele tipo de vida, ele desejava uma mulher comum. Melina
escutou.
Noutro dia ao tomar o ônibus, a
motorista era Leona. Leona lembrou-se de Melina assim que abriu a porta do
veículo. O que poderia fazer por você? Qualquer coisa, poderia pedir. Melina lembrou-se
que deveria levar alguém no encontro com Susi, sua chefe, e como não tinha
amiga, perguntou se Leona a ajudaria. Claro, estarei lá. Após o trabalho, Leona
passeava de bicicleta, com delicado vestido tomara que caia florido. Ao parar no
sinal de trânsito, virou-se para o lado direito, e um ciclista imaginou, por
causa dos tiques, que lhe sorrira. Ele gostou de Leona e seguiu-a até um parque.
Um encontro inusitado e maluco. Olhares curiosos somente viam ramagens balançando.
Enquanto
isso em casa de Léa, a campainha tocou. Ana, a babá contratada via fone de
serviços para ficar com as crianças. Ao ver a babá, Paulo, o marido, engoliu a seco e Léa
após observar a moça, retorna o olhar a ele, observando suas reações. A
moça, loura, rosto expressivo e sedutora numa minissaia, aparentava ter a mesma
idade que ela.
Ana
percebeu o desconforto. Paulo se retirou da sala e a moça disse: ― Vocês vão se
divertir. Você é jovem e bonita, quantos anos têm? ― colocando a mão na cintura
de Léa de modo provocador, ― bela cintura, deveria estar bem marcada. ― Léa
respondeu, vinte e sete, surpreendendo-se. Logo Paulo retornou à sala,
perguntando se estava pronta.
―
Vou colocar um cinto.
Na
manhã do outro dia, Léa pediu ao marido que cuidasse das crianças. Não escutou
as desculpas de Paulo e saiu. Encontrou-se com Ana. Logo que a viu, beijou-a
num impulso e foram para um quarto de hotel.
Continuaram a se encontrar e Léa sempre pedindo ao marido que ficasse
com as crianças. Léa envolveu-se de tal maneira que disse para Ana que largaria
o marido. Ana, num tom forte, respondeu que não estava acostumada com rotina,
achava o cotidiano chato e chegaria o momento em que estaria saturada da
relação e dos filhos barulhentos de Léa. E, ainda, completou, eu sou assim, não
me dou com compromissos. Léa ficou desnorteada. A vez em que Paulo seguiu-a, viu as
duas conversando numa praça, aos sussurros. De volta à casa, Paulo já estava lá
e disse-lhe ter descoberto que Ana a estava ajudando a se encontrar com o
amante. Léa deixou o marido falando sozinho e foi para o quarto.
Paulo passou a prestar atenção na
mulher ao descobrir que a perdia. Convidou-a então para sair. Contratou outra
babá, organizou tudo, Léa ficou admirada dele tomar a iniciativa pela primeira
vez.
Ao
chegarem à cerimônia, Paulo subiu ao púlpito e fez a homenagem surpresa pelo
aniversário da esposa, declarando seu amor. 'Uma palavra e tudo está salvo. Uma palavra e tudo está perdido.' Paulo caminhou até Léa e
beijou-lhe.
A
música começou. Léa foi dançar com Paulo.
Ana, estava lá, de flerte com uma
jovem, nem via Léa mais.
Nina conversava com Lia sobre o
tempo, sobre a filha, sobre o sentimento de competição com sua menina-moça. Decidida que iria trocar as roupas por peças cleans
e joviais.
Lia estava distante, exausta de
lidar com os filhos de Caio, que agora moravam com ela semana sim, outra não.
Nina perguntou, que houve Lia, e sua paixão? Lia respondeu que iria mandar Caio
para o inferno junto com os filhos.
Jane e Sara participavam de outro
grupo feminino. Até que Sara aproximou-se de Jane e pediu-lhe desculpas. Jane explicou
então que o ocorrido fez que largasse a vida monótona de dona de casa e deixasse
de ser passiva. Sara, por sua vez, disse que nunca sentira orgasmo e nem sentia
necessidade, estava bem daquele jeito.
Meire dançava com João, apaixonados,
beijavam-se.
Susi conversava com Melina. Pela
primeira vez, Susi se interessara por ela e perguntara-lhe se tinha mãe. Melina contou
que a mãe estava presa por ter matado o pai, e amava demais a mãe que a
protegera.
Leona por sua vez, se empolgava na festa, dançando em grupo com outras mulheres e descobrindo que não queria aceitar a proposta de casamento do ciclista, queria ter experiências com outros homens, não somente com um. Enquanto falava, as amigas notaram que os tiques de Leona desapareciam.
Leona por sua vez, se empolgava na festa, dançando em grupo com outras mulheres e descobrindo que não queria aceitar a proposta de casamento do ciclista, queria ter experiências com outros homens, não somente com um. Enquanto falava, as amigas notaram que os tiques de Leona desapareciam.
Eis
o conto que bolei a partir do filme da diretora francesa, Audrey Dana, O que querem as mulheres.
A
película fez refletir. Lembrei as citações de Freud: "A maioria das pessoas não quer realmente a
liberdade, pois liberdade envolve responsabilidade, e a maioria das pessoas tem
medo de responsabilidade."; " Não somos apenas o que pensamos ser.
Somos mais; somos também, o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos
as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que
cedemos... sem querer."; "O homem é dono do que cala e escravo do que
fala."; "O caráter de um homem é formado pelas pessoas com quem
escolheu conviver."; " Nunca fui capaz de responder à grande
pergunta: o que uma mulher quer?"
'De
longe tudo é igual, já dizia alguém.' Quando a câmera se aproxima...
' ' ― citações do escritor Ronald Claver.
' ' ― citações do escritor Ronald Claver.