Pintura de Sinval Fonseca |
Florence
me cativou. Deu uma guinada em sua existência e sobreviveu à
terrível sífilis que matava qualquer pessoa em poucos anos. Ela
sobreviveu a mais de 50 anos com as consequências, o que admirou o
médico que a atendeu.
Como conseguiu tão longa vida com problemática tão delicada e dolorosa?
Pois é. Como tinha pouco
tempo de vida, conhecia o ritual da tal doença, resolveu que ia
viver e fazer o que gostava. Ela adquiriu a doença do primeiro
marido, considerado rico e herdou boa soma de dinheiro para sobrevivência. Quando jovem, professora de piano, tinha bom
ouvido para os clássicos e discernia coerentemente quando um
pianista era bom o suficiente. Assim encontra um que vai contribuir
para que ela leve seu sonho adiante.
Com
as mãos paralisadas pela doença, caminha em busca do desejo. Quer cantar. A voz não ajuda, tantos traumas,
mas não se arrefece. Vai adiante, com a contribuição do atual
marido (mais jovem que ela, mas dependente financeiramente) e o
pianista contratado para acompanhar seu desenvolvimento no canto.
Treina, treina, treina. A voz não ajuda. Mas ela tem dinheiro.
Florence
não está voltada somente para si, o que acontece ao redor,
chama-lhe atenção, por exemplo, quando escuta uma família contando
sobre a morte do filho que foi à guerra. Sensível, tem a ideia de
alugar o Carnegie Hall, em Nova York, e convidar mais de mil soldados
para assistir ao show, ela cantando, forma de lazer para jovens
tão estressados.
Ensaia,
ensaia. O pianista vê o fiasco lá na frente, tem medo, afinal,
apresentar-se no imenso teatro, famoso, e se tudo der errado, adeus carreira.
O
grande dia acontece. Ela apresenta-se e ao início, a plateia
manifesta-se de forma jocosa e divertida, visualizando ali uma
comédia. Uma mulher da plateia, que em outra ocasião rira dela em
uma apresentação, nesse momento, toma dores da cantora e exige
respeito durante apresentação. Acontece!
Para
Florence, agora importa as críticas de conhecidos jornais. E o
marido corre atrás das notícias a procura de críticas
positivas. O New York Times solta crítica que destrói a cantora. O
marido compra todos os jornais do NY, de todas as bancas de revistas próximas de casa. E joga no lixo. Retorna a casa e ela feliz com as
notas, e percebendo a falta do jornal do New York. Ele
diz que não encontrou, pois todos foram vendidos.
O
marido atual, é suis generis. Devotado aos desejos da esposa. Ele
tem vida confortável e retribui o tratamento. Cuida dela com
carinho, não deixa que nada a chateie, apenas o que agrada a ela é
levado em consideração. Sempre atento ao seu rosto, se há
desconforto, ele está ali para retirá-lo de perto dela. Ele e a
esposa não têm relações sexuais, já que a doença é contagiosa,
são os carinhos correspondidos e afeto do cotidiano, uma relação
feita há muitos anos, que estão presentes. Ele, numa situação, defende a esposa, quando
riem da apresentação do dia anterior numa mesa de bar. Revolta-se e
vai tirar satisfação. Ele ama a esposa, é leal a ela, isso cativa.
Pois
é. Eis o filme FLORENCE, com a atriz Meryl Streep no papel e o ator Hugh Grant, que me surpreendeu com sua atuação convincente. Vale a
pena assistir. Muito inspirador. Por quê?
Ao
final, Florence sai a cata do New York e acaba lendo a
desastrosa crítica sobre sua apresentação. Isso a abala. Volta
para casa sentindo-se debilitada. O marido a ampara ao chão e ela
diz... " posso não ter cantado bem, mas cantei no Carnegie
Hall...". Isso, por si só, basta!
O
que é a busca por algo que inspira. Inspira desejo, move para ação,
realiza, o cérebro comanda, os sentimentos convergem, uma simbiose
de elementos a favor, já que a mente é poderosa, e a reação. Pode
curar!
Assim
concluí ao final do filme. Florence, muito inteligente, cercou-se
de pessoas devotadas. Soube
conduzir o processo com esperteza e cuidado, conhecia suas limitações
e dos que a serviam. Viveu a vida que desejou. O caso vem
de história verídica.