sábado, 30 de dezembro de 2017

NELSON


NELSON

23/10/2017

   Lembrou do conto A Felicidade Clandestina, da Clarice Lispector. O conto a levou à sapatilha de cetim vermelho. Sapatilha que lhe trouxe lembrança da amiga da mãe. Da amiga que tinha uma filha, prima de Nelson.

   Conheceu Nelson na festa de família, na casa dele. Barracão espaçoso no Sagrada Família. Ele aos vinte anos. Ela despontando quatorze. Festa animada, hora dançante por todo domingo.

   Nelson, cento e cinquenta quilos naquele enorme corpanzil. Olhava Nelson dançar. Olhava Nelson sorrir. Olhava Nelson cantar. Olhava Nelson na moda. Olhava Nelson.

   Nelson mostrava suingue, sensualidade, animação pela vida e contagiava enquanto cantava samba. Transmitia certeza do gostar-se, segurança de dar inveja. Ela, magrela, corpo por formar-se, sentimento de valer menos misturado a timidez.

   Olhar vibrava.

   O palco, a pequena sala. Sentada no sofá, atenta aos movimentos. Ele joga corpo, balança mão, roda a moça no domínio do salão. Que inveja da namorada!

   Domingo curto a tanta excitação.

   Trinta anos depois.


   Estação Horto Florestal. Ela entra no metrô. Não tem cadeira vaga. Segura a barra de proteção. Ao elevar o olhar, NELSON. O passado em filme rápido. A realidade: Nelson abatido, pálido, magro.

   ― Oi! Sou filha da Dona Santa, lembra? Amiga da Chica, mãe da Sônia, lembra?

   ― Não consigo me lembrar.

   ― Dona Santa, ou Branca, outro apelido dela.

   ― Ah, da Branca! Me lembro, sim. Ela, como vai?

   ― Partiu faz tempo.

   Próxima estação.

   ― Desço aqui. Tchau!, disse Nelson.

   Encontra Sônia seis meses depois. Pergunta por Nelson.

   ― Nelson fez redução do estômago.

   ― Encontrei com ele no metrô faz pouco tempo.

   ― Quando? Ele partiu a seis meses. Não se cuidava. Tinha diabetes. Era rebelde. Sônia continuava falando: se ele tivesse responsabilidade pela saúde, se conhecesse mais sobre a doença, a prevenção, consequências etc etc...

   Sônia movimentando lábio, ela pensando em Nelson, o que vive nela.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

EM NOME DO PAI


EM NOME DO PAI
16/10/2017

   Era um bonito menino. Fez questão tivesse o mesmo nome do pai. Apaixonada por quem lhe dera o fruto do amor maior do mundo. O nome do pai era horrível. O amor é cego, surdo, mudo e a sorridente mulher embala a doce criança nos braços e o esposo nunca de chegar.

  O dia encerrou-se. Sozinha na cidade grande dependia das providências que o marido ficara responsável. Iriam para o quartinho simples de pensão na redondeza. Santa Efigênia era lotada desse tipo de hospedagem. Aguardava. Ansiedade lhe diminuía leite. O bebê, graúdo, exigia em forte choro. Fraca pelo trabalho de parto, se esforçava oferecer ao seu bebê a segurança, amor, carinho incondicional, leite...

   O hospital público sem mordomia. As precariedades velhas conhecidas dos que vinham do interior das Minas Gerais. A cidadezinha não oferecia condições para mães terem o parto seguro. Faltava de um tudo até para atendimentos triviais. Não quis arriscar e viajar mais 400 km até cidade mais próxima, pois lá estava na mesma condição. A van da prefeitura sacolejando os passageiros em tratamento de saúde na Capital. Quase 800 km depois, chegavam a Belo Horizonte. O trabalho de parto iniciara antes de adentrar a cidade com dores se intensificando.

   Mãe e criança se apagaram na noite iluminada,  que num vago olhar a mulher admirara antes de se entregar. Filho chegando, saindo-lhe das entranhas e emanando ar santíssimo, cabelos encaracolados, ao redor da cabeça aura iluminando-lhe bochechas rosadas. O pai, santo companheiro, atento às solicitações, segurava trapos de algodão aconchegando criança. Ao lado, improvisado berço forrado de palha. Estavam na cocheira onde o patrão protegia animais da fazenda. Aos sons, como sinos, animais bendiziam o dia e movimentavam patas ajoelhando e dando graça à bem-aventurança. Cabras, burricos, galinhas, marrecos, patinhos, companheiros da lida se aproximando, movimentavam mãos em sinal da cruz. Sentiam o bendito presente. Maria. Era Maria e sentia-se segura. Fechou os olhos frente a exaustão. 

   Estrelas iluminando a noite.

   A enfermeira a acorda. A criança tem fome. Oferta-lhe alimento e mãozinhas acariciam. Em seguida, a enfermeira diz que não poderá mais ocupar o leito, outra mulher aguarda na grande fila do dia. Enrola a criança na única manta que levara e desce para aguardar o marido. 

   Obtém alta do hospital. Não tem dinheiro. A van só retornará dois dias depois. O celular ficou com o marido que nunca mais apareceu.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A PRIMAVERA COMPENSA

A PRIMAVERA COMPENSA
09/10/2017

          Colocou os pés sobre a areia da Ilha de Santa Cruz e a suavidade da água fez que acordasse do cansaço da viagem que durou cinquenta dias. A mão forte do sujeito mal encarado lhe apertou o pulso jogando-a no cercado onde estavam outros recolhidos para a fazenda do Visconde Primavel.

      No outro dia, conduzida à roça com escravas antigas que depositavam sementes sob olhar do responsável de prontidão ao que se negasse a trabalhar. Com trejeito, coçava couro cabeludo, vinha-lhe caroço a mão, enterrava na terra.

       Sementes presas aos cabelos, lembrança da mãe África.

       Chuvas vieram.

      Aos primeiros meses do ano seguinte farta colheita de feijão pôde abrandar dor da pátria. Através do paladar, o guisado acompanhado da carne desprezada pela casa grande e  ao ritmo de danças e cantos africanos. 

       Sons ecoavam nas noites e a senzala em festa agradecendo a fartura através de batuque. Os fazendeiros ouviam sussurros tristes embalando canções e comentavam, como pode, esse povo feito para o trabalho suado e mandado obediente, ainda entoar canções?

        O grito da alma fora da casa grande.

        Ana dançava na roda. Comemorava o milagre da semeadura na primavera e agora, a colheita que alimentará seu povo esperançoso de melhores ventos. A gamela, no tamborete ao canto, recheada de flores, amor-perfeito e violeta, servia de iguarias comestíveis lançadas à boca, suavizando marcas.


         O aroma rescendia a canela, cravo e perfumes da floresta nativa.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

MODELO DE VAN GOGH

   O dia continuou em bonança. Assisti o filme Com Amor Van Gogh. Lindo e triste ao mesmo tempo. Incrível como o diretor conseguiu captar através das pinturas, história de vida do grande mestre Van Gogh. 

   Durante o filme, pude reconhecer a história lida sobre o pintor. A expressividade de seus quadros tiveram mais a contar. Sobre esse ponto de vista possibilitou releitura dos sentimentos vivenciados por aquele homem intenso.

   Saí do cinema com a certeza de que iria assistir mais de uma vez. Rever com calma as imagens, já que a busca por compreender os diálogos interferiam nos lances importantes.

  Nem sei o que expressar daquele momento. Tão empolgada com desenrolar da história e técnica utilizada que quase não sentia a respiração. Afinal, desde a primeira postagem do blog, Van Gogh faz parte do roteiro de inspiração. Gênio reconhecido somente após morte, continua vivo nas mais de 800 pinturas que expressam a visão de mundo nos lugares em que passou os poucos anos de vida, contando a história com intensidade de cores e movimentos de pincel.

   Pura emoção.

   Chego imaginar que era mentira, tudo o que eu sentia ontem. Nenhum desânimo e cansaço me ronda! 

   Sinto a melodia do final do filme. Por pouco tempo fantasiei estar em Paris, em Arles, nos Campos de Trigo, sentada conversando com Dr. Gachet enquanto ouvia ao piano a jovem filha e em frente, VAN GOGH pintando.   

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

BONANÇA COM A LEITURA


   Bastante tempo não posto novidades. Estão rareando. A gente se torna tão seletiva que poucas coisas se tornam excepcionais. Característica de quem passou da idade. Os tempos se servem de maturidade demais.

   É até chato. Maturidade. Porque se associa tal característica, fundamental ao processo do tornar-se adulto, a seriedade, compenetração, responsabilidade exagerada, não cometer deslizes. Que tolice! Agindo assim o que se perde, além da juventude, é espontaneidade, o que realmente é uma pena. É bom ser natural, se abrir sem medo e resistência.

   É mais fácil escrever do que exercitar. Essa é a verdade. Situações vão te pegando pelo cabelo (apesar de curtíssimo ou mesmo sem ele) e quando se vê, o redemoinho do cotidiano te puxa acima e abaixo, subindo e descendo montanha. Sem pausa para descanso e reflexão. E olha que nem força se tem para isso. Quem tem a idade se reconhece.

   Bem, depois da expiação a bonança. Tenho lido excelentes livros no pouco tempo que resta durante a semana. Um dos que me tomou o juízo, de nem conseguir fechar para outras atividades, foi KINDRED Laços de Sangue, da escritora norte-americana Octavia E. Butler, , Editora Morro Branco, 2017. Considerada a grande dama da ficção científica. A leveza da escrita faz que a gente sinta a personagem principal e caminhe junto com ela em todo processo. A personagem é negra e volta no tempo onde o processo de escravidão está vivo e acompanha o horror das atrocidades. Apesar das dores, a personagem transmite esperança, tem consciência de seus direitos, o empoderamento feminino presente, etc. Em dois dias terminei a leitura. Cada escritor tem seu estilo, mas o jeito de escrever dela me fez associar ao livro O Velho e o Mar, do Hemingway. Nenhum rebuscamento de linguagem, sem excessos e direto ao que interessa. 

   Deliciosa experiência. E ainda, a dica da escritora: "Primeiro, esqueça inspiração. Hábito é algo mais confiável. Ele irá sustentá-lo, caso esteja inspirado, ou não. Irá ajudá-lo a terminar e polir suas histórias. Inspiração, não. Hábito é a persistência na prática." (pág.436).      

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

TRADUÇÃO


TRADUÇÃO
02/10/2017

     Ele estava a curta distância. Não mais que cinquenta passos. A moça, mão a cintura, olhava para ele. Ele tentou traduzir o significado do gesto. Ele não enxergava nítido o rosto. Mas sabia quem era. Porte inegável. O cabelo lhe descia em leve cacheado negro brilhante. Jeito de espanhola, ombros nus, vestido em simples rodado e estampado em flores vermelho vivo, calçado para sapateado.

     Piscou forçosamente. Olhos iam da languidez à nitidez. O fluir de sentimentos em línguas de fogo. Face queimando, suor a descer a testa. Mãos ao alto, em performance, esperando outras se juntarem as dela.
     
     O comando inundou a moça de música e ela iniciou o gingado. Primeiramente o ritmado dos pés. Aos poucos, incorporando-se, a melodia do flamenco. Dominada pelo espírito que luta, tem esperança, pede passagem, as castanholas em delírio. Vibração cigana ao comando da alma.

     Ele a alcança e toca-lhe firme a cintura e ao compasso, rodopiam harmonicamente. No giro final, ela cai em seus braços emitindo um suspiro. Ao canto da boca o líquido avermelhado.

sábado, 25 de novembro de 2017

O “NÓ” DA RELAÇÃO

O “NÓ” DA RELAÇÃO
20/06/2017
   Amavam-se de paixão, dessa que não fica velha, mesmo convivendo muitos anos. Acontece de revelar o segredo:

― Fulano quis ir para cama comigo.
― Quando foi isso?
― Faz tempo.
― Por quê me contou?
― Você me provocou.
― Não entendi?
― Ficou jogando indireta de casos antigos.

     A partir de então:

   Ele “Se recebeu cantada é porque seduziu e colaborou a tal situação. Mulheres são todas iguais. Aposto que gostou e ainda tem coisa em mente. Vou descobrir detalhes. Não fica assim.”

   Ela “Quer dizer que ele tem casos antigos. Acha que só ele tem admiradoras? Quer guerra, terá guerra. Eu me dedico, e é o que recebo.”

   A paixão esmaeceu. A convivência árida. O amor esquecido. Não mais se escuta palavra adocicada. Sem risos e contato pele a pele e mormente, boca amarga e fel no estômago e coração.
   
   Nenhum dos dois dispostos a largar o casamento, mesmo ilusão morta. Guerrilha tenebrosa construída em mentes férteis. Alfinetadas diárias, instável humor, monotonia. Tempo passando.

    A vida antes “nós”, transforma-se em “nó”. 

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

IRONIA DUZENTOS ANOS DEPOIS

IRONIA DUZENTOS ANOS DEPOIS


25/09/2017

     Quem diria há duzentos e oito anos Brasil teria principado português com mudança da corte para cá.

     Acontece que Portugal, entre os países europeus, era o mais atrasado quanto às ideias e reformas políticas, mesmo tendo sido um dos descobridores de mares e terras. Pouca organização e muito imediatismo vêm como herança com a vinda de D. João e sua corte, em mais de 10 navios abarrotados de portugueses, e cada navio, em torno de mil pessoas sem conforto e segurança. Não fosse a mãozinha interesseira da Inglaterra, que protegeu a viagem do rei, talvez a empreitada estaria ameaçada.

     Sem planejamento, D. João resolve aportar em Salvador, fugindo ao definido em terra. Tinha lá as suas razões, além de Salvador ser uma das mais lindas cidades, os baianos estavam revoltosos da capital ser Rio de Janeiro (com 60.000 habitantes), perdendo prestígio e dinheiro que jorravam no comércio de mercadorias com países amigos da onça. A estratégia deu certo, o rei conseguiu aportar para seu lado os manda-chuvas da Bahia, ganhou apoio para governar. A população de Salvador era de 46.000 habitantes.

     Descobrimos: tínhamos um príncipe indeciso e medroso, a princesa espanhola, Carlota Joaquina, de gênio forte e mandona, a mãe do regente, maluca que só ela, e mais as confusões que reinavam nas orlas do poder, era cada um buscando amealhar apenas ao seu interesse e de sua prole.

     A corte era esperada na primavera. A maioria tinha ouvido sobre o país tropical, que com sua riqueza originária, sustentava Portugal, e além disso, também exercia curiosidade, a dita beleza da flora, fauna, lugares. Ainda não havia tecnologia e os navios demoraram quase 60 dias. Aportaram no verão de janeiro de 1808.

     D. João estupefato não acreditou que esqueceram de recebê-lo com festa, pétalas de flores, salvas de palma próprias do povo. O perfume das flores de diversas espécies embelezavam os jardins, mas que bagunça a convivência, era mesmo de assustar. Despacharam para cá, nos trezentos anos de colônia, muitos portugueses acostumados ao cambalacho e também estes jorraram no nosso sangue a característica que perdura: o jeitinho brasileiro de levar vantagem em toda e qualquer área.

     Hoje, 25 de setembro de 2017. Duzentos e oito anos depois. As cores que embalam o Brasil, não são as da primaveril época. As cores em vermelho representam o sangrante Brasil de ainda hoje, com artimanhas de causar estrago no caminhar dos séculos.

    O Brasil tem jeito, gente?



(Consulta: 1808, Laurentino Gomes)

sábado, 11 de novembro de 2017

AURA DE INDEPENDÊNCIA

AURA DE INDEPENDÊNCIA
11/09/2017
      De onde estava meneava cabeça, olhava com atenção a festança que se fazia ao redor da Praça da Matriz. Eram tantas gentes, negros abanando damas vestidas em bonitos brocados ingleses, homens de negócios reunidos em discussão sobre novos ares da Pátria, capitães e comandantes aproveitando para conversar sobre a ordem do dia após batalha, vendedores de quitutes africanos, nas barracas armadas para a festa, gesticulando e apontando qual o interessado desejava comprar, moleques, muitos do seu grupo, admoestando os passantes, outros observavam o Barão, que lá vinha com a pança introjetada a frente, espaçoso que só ele, achando-se maioral, distribuindo moedas aos pobres e mendigos, forma de angariar, mais e mais vantagens de bonança, respeito e servidão.

    A festa confirmando que o Brasil era dos brasileiros. Bandeirolas, nos diversos matizes, sacolejando os ares, fechando quarteirão, faziam conjunto com as sombrinhas coloridas das madames e chapéus pretos dos homens, somente  as cores eram pardas nas vestes dos negros, camisas e calças largas em algodão cru, a maioria descalço ou com empobrecidas sandálias poeirentas.

      Continuou observar para onde caminhava o Barão. Passou a mão no corpo magro, vestida em floral, com ombros e braços descobertos e joelhos a mostra. Ela se modificava a mulher. Ajeitou-se provocativamente. Correu os dedos no cabelo sarará e ficou bem à frente do homem.

      — Sai do caminho moleca, que queres tu, sai?

      — Senhor Barão está procurando mucama?

      — Não tens dono? Olhar arisco para coxas e bunda quando ela revira o corpo.

    — Não, sou filha de escrava forra. Livre, Barão. Faço serviços caseiros, acompanhante e cuido de crianças, se houver.

      Ele lambeu beiços, acostumado estava às orgias entre as negras de sua senzala. Aquela ali, cor parda, abrasileirada. Seios saltavam mostrando beleza em pêssego e se emoldurava no meio da praça.

     — Vem na minha caleça. Lá no engenho arrumo bom serviço para tu na cozinha. Caminhas, sobe!

    — Sim, Senhor Barão, sim! Mostrando-se dócil aos aceites do grotesco homem que lhe enojava nos gestos, nas vestes, no tagarelar. Subiu ligeira e consertou-se no assento ao lado do homem.

     Seguiram viagem. Negros à frente da caleça. Ele aproveitando mão livre, após guardado lenço que lhe secou suor do rosto, caminhou-a vagarosamente sobre o banco até chegar ao colo da moça, introduzindo-a entre coxas, bem devagar. Ela não se mexeu. Era moça donzela.

     Barão faiscava brilho, luminosidade, imaginava chegada à fazenda com o fruto de tentação juvenil. Mão bandeava pela escuridão. A calça lhe apertando. Ardia de felicidade, além dos prestígios na corte, gozar da libertinagem que lhe aprouvesse.

     Uns vinte minutos da chegada, ela reconhecendo o lugar, disse, necessitava receber antes, em moedas de ouro, para o trabalho destinado. Valor adiantado, pois estava ao dispor do Barão. Que fosse já. Ele considerou atrevimento da moça, mas excitado, passou a mão ao bolso e escorreram dois a três saquinhos de moedas nas mãozinhas ansiosas.

   Então, em pulo ágil saltou da caleça e fugiu nos prados do Recôncavo, saltitante, balançando o dinheiro ao alto.

     — Volte aqui com meu dinheiro, atrevida!

     Ela gritando, enquanto corria:

     — Viva a Independência! Viva o Brasil! Viva a liberdade!

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

MATILDA

MATILDA
29/08/2017
     Outono. Dama da Noite espalha fragrância.

     Matilda em frente à janela aberta, inspira o adocicado perfume que embriaga a noite solitária. Escuta longe a musiquinha do celular do marido. O som não vem coerente, vem entrecortado, solto, pensamentos se sobrepõem ao sonido, perfazendo caminho entre realidade e tormento. Que merda, porque ele não atende essa droga logo, repete a si mesma, no momento em que a sintonia inicial quebrou-se.

     Lentamente, é como imagina o marido atendendo ao chamado, no andar acima. O jeito insosso do marido, de quem esperava tanto. Quem ele pensa que é? Quem pensa estar enganando com o joguinho idiota? Sou alguma trouxa, me diga, sou? Se perguntava, mente perturbante em descontrole. O plano segue, diz entre dentes.

    Eleva o olhar para o andar de cima. Respira dor. Por instante fogem-lhe pensamentos. Agita o corpo, sente um estremecimento, frio, desconforto, esse perfume enjoativo, ai, vontade de vomitar, agarra a garganta tentando conter a ânsia. Calor descomunal ganha corpo. Ruído das folhas de coqueiro arranhando o vidro. O vento atira frescor. Retoma ideias. Nada pode escapar, é seguir o planejado. Refaz cálculo mental, minuciosamente, cada trajeto, conta minutos, cada detalhe. A hora chegou. Fecha a janela devagarinho, como se fechasse a cortina de um ato teatral.

     Manhã.

      Arruma-se maquinalmente. O compromisso exige roupas sóbrias e confortáveis. Sapato salto médio, rosto com leve maquiagem. Observa-se ao espelho, o rosto cadavérico lhe assomou o semblante. Faz alimentação rápida e sai. Não usa o próprio carro. Nem pretende a facilidade do UBER. Sai à rua e sinaliza a certa distância de casa para o táxi. Calmamente pronuncia o endereço, sem especificar o local exato. Aqui está ótimo. Paga corrida. Desce e sente leve tremor no corpo, ao mesmo tempo, um prazer lhe toma o espírito. Decidida. Caminha alguns quarteirões, até número 369. Continua a caminhar, entra no supermercado.

     Onze horas.

     Compras feitas e postas no armário da loja.

     Meio dia.

     Toca interfone do apartamento 203. A voz pergunta quem é. Ela diz ter encomenda para o local. Prédio simples, portão principal é destravado. Sabe da inexistência de câmera nos arredores. Prefere escadaria. Ainda é tempo de desistir Matilda, voz soando ao ouvido. O plano segue exatamente o traçado, não ouça a voz da desistência, diz o outro lado. Continua a subir decidida.

     Quando a mulher atende ao toque da campainha, vai entrando e o tiro direto ao coração. Fecha a porta. Joga arma em cima do corpo. 

     Uma hora.
     
     O marido entra no apartamento da amante e encontra o corpo sem vida. Não toca a arma. A polícia aparece. O homem é retirado do local como suspeito do crime.

     Matilda chega em casa. Retira pacientemente as compras e coloca na despensa, o velho armário. Ao enfiar a mão no bolso da calça encontra as luvas que usou ao atirar com revólver do marido.

     Volta à janela. Tarde clara. Dama da Noite não transpira. Ainda não!

domingo, 29 de outubro de 2017

DE ONDE VIM

DE ONDE VIM
04/09/2017

      A menina recebeu o livrinho. Tinha cinco anos quando mãe leu livro explicando origem da vida. Desenhado e escrito de forma pedagógica para entendimento dos pequenos, feito por aqueles que se dizem especialistas de desenvolvimento.

     Minutos entretida com cores, desenhos de criança, de mãe, de pai e muita letra que não discernia significado. Como qualquer criança, em pouco tempo estímulos caminhados a outras atividades e, esquece livro.

     Dias depois durante festa em família, todos contando peripécias de seus pequenos e sempre inteligentes moleques, cada qual soltava última que fazia rir grandes e embobados papais e mamães.

     — Que gracinha! Ele é muito inteligente!

     — É uma fofura.

     — É muito engraçadinha!

     — Como arranjam cabeça para tantas perguntas?

     — Pois é.

     — Puxou papai aqui, claro.

     — Hum!

     Crianças brincavam soltas no emaranhado de primos, primas, tios, tias, pais e mães corujas e outros que preferiam cervejas geladíssimas, mesmo em festa de criança não falta.

     A mãe conta que lera o livrinho "De onde vem as crianças?" A filhinha ao lado, espiando e escutando, levantando cabecinha curiosa, observando lábios da mãe remexerem.

     A menininha atinou. Falavam dela. Olhares voltados a seu redor, ela no auge:

     — Eh, pai, você e a mamãe, junto na banheira.

     — Que isso menina, doideira essa?

     — Eu vi no livro, quando vocês me fizeram, você e mamãe na banheira, hein!

domingo, 15 de outubro de 2017

NOITE DE SONO PROFUNDO

NOITE DE SONO PROFUNDO
16/08/2017
       Deitada. Buscando meditar para que cérebro interrompesse pensamentos desenfreados e desobedientes, que atrevendo vencer, não cessavam de entreabrir imagens à frente. Tudo queriam, de pequenas intromissões a exigências intermináveis.
       Partiu para ataque. Forçou respiração. Buscando resgatar ar possível. Prestando atenção a cada movimento. Da inspiração pausada, parada de 10 segundos estratégicos. Em seguida expiração, pausada mais 10 segundos antes de novamente inspirar. Precisava de cinco minutos efetivos de tal processo para alcançar benesses do exercício aumentar massa do córtex pré-frontal e sentir energia fortalecida.
       Quando no processo respiratório e já caminhando para relaxamento, sentiu corpo estremecer tão levemente como uma sonolência se aproximando.
       Saiu do corpo. Em vulto rápido, urgente. Negra, rica vestimenta branca envolta de anáguas, se assemelhando às roupas das baianas de Salvador. Dançando à volta do corpo inerte, ao ritmo de tambores, dizendo:Umhum, Umhum, misinfi, misinfi, que suncê quê di mim, fala, oh misinfi?”.
       A dançarina bailava com braços e mãos para cima e para baixo, em ondas, para os lados, para frente, ao ritmo do Candomblé, pés na batida harmônica. Após isso, impacto do corpo ao receber de volta a energia, emitindo profundo respiro.
       Nova onda vem envolver. Que se passa? Emanto laranja, à Lobsang Rampa, monge tibetano em oração silenciosa se eleva sentado na posição de lótus.
      Acordei e senti sopro vital. A coriza da noite e que exigiu uso de xarope, desaparecida. Sono reparador.

sábado, 14 de outubro de 2017

ESCOLHA ALIMENTO ORGÂNICO

   

   Passei a semana On Line literalmente. Fiz um curso via Web. Eh, a velha aqui não quer esquentar no bem bom de não fazer nada e vive a procura de preencher o tempo de forma saudável. Afinal, o tempo corre a todo vapor e, se não aproveitamos, passam-se 365 dias do ano sem objetivos concretos e interessantes.

   O Curso Internacional de Agroecologia via Web (http://www.agroecoweb.com.br) aconteceu durante uma semana, bem puxado, com palestras, cursos, dicas, experiências, tudo, tudo que se pode obter, não somente por curiosidade, mas obtenção de conhecimentos básicos para cultivar sistema agro-eco-orgânico-ambiental-humano ... Uma visão do sistema holístico da natureza do qual fazemos parte, como um dos seres vivos.

   Muito legal saber que o interesse por comida orgânica cresce em nosso meio ocidental. Que a valorização das florestas integradas ao ambiente bio diversificado é fundamental para se evitar a erosão, recuperar áreas degradadas, ampliar capacidade de resiliência do ambiente às pragas, ao desenvolvimento das plantações, etc etc etc, são tantos itens.

   Muito importante evitar o uso de pesticidas e agrotóxicos no uso das culturas, principalmente nas grandes monoculturas. Estas, preocupadas com o lucro advindo da alimentação, e não em levar saúde aos que dela necessitam. Temos que tomar muito cuidado com as mãos que não são santas... e que destroem o espaço e o solo com agrotóxicos e sementes geneticamente modificadas.

   Maravilhei-me com a dimensão de possibilidades nos casos práticos de recuperação de florestas degradadas, onde o solo, as árvores, as nascentes, os riachos, rios, lagos, passaram do estado lastimável e mesmo desaparecido para floresta densa, de muito verde, com retorno de nascentes... etc etc etc não tenho palavras para descrever o quanto é magnífico o trabalho das pessoas envolvidas.

   Valorizo muito quem trabalha a terra, disponibiliza a comida para a área urbana àqueles que dela precisam para viver. Ainda mais agora, pessoas que trabalham o campo, dos pequenos aos médios agricultores, estão de parabéns no envolvimento de desafio tão imenso, que é o retorno de práticas salutares ancestrais(indígenas, ...) que foram sendo renegadas pela industrialização massiva e irresponsável dos que optaram pela cobiça do alimento visando lucro.

   Com conhecimento se pode questionar, refletir, escolher o que comer e exigir o melhor! E com isso, cada cantinho de terra, mesmo no espaço urbano, se pode dar contribuição e ter os próprios condimentos e verduras orgânicas para consumo próprio. É possível!

   E as plantas comestíveis, então, quanta novidade...     

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

O BALANÇAR DA GANGORRA

O BALANÇAR DA GANGORRA
15/08/2017

    “Ande devagar, se você quiser chegar mais cedo para um trabalho bem feito”. Foi beliscando a frase do Imperador Júlio César, lida no suplemento do jornal, enquanto passeava pela vizinhança.

    No meio do quarteirão, observou que o lote vago de estilo excêntrico — sem nenhuma construção, mas bem cuidado, com gramíneas cobrindo todo espaço e ao entorno da frondosa árvore de onde descia gangorra em corda e assento em madeira, um arrendondado em brita fina — recebera visita.

    Estranhou, pleno agosto, visse e ouvisse algo oriundo do lugar. É tempo de boas novas, pensou. Gostosa risada se punha ora ao alto, ora abaixo com o desenvolver do balanço. A mocinha completava, Mais alto, pai, mais alto. O pai obediente e o corpinho ascendendo e baixando.

    O som do riso e o matraquear entre pai e filha fez que desanuviasse pensamentos.

    Aposentado, com dificuldade de libertar-se ao doce sabor do ócio, não se tranquilizava com a brandura e flexibilidade do novo tempo. Acostumado, ainda, à agitação, à ansiedade, às cobranças que a vida produtiva lhe exigiu.

    Iniciava o anoitecer, quando se recordou da cena da manhã entre pai e filha. Caminhou até o lote. Ia se aproximando e o som audível. À gangorra, o esqueleto de ralos cabelos esvoaçantes ia ao alto e abaixo em forte gargalhada.

domingo, 1 de outubro de 2017

IMAGINAÇÃO NA VELHICE!


   Último dia de setembro. Eu digo, quando chega outubro... Todos já conhecem este lema de outras postagens. Mas até que finde o ano, vamos lá, viver o trimestre.

   Recordam quando eu disse que estava devagar com postagens por estar com novo projeto. Pois pensei que os seis meses seriam suficientes para executá-lo, mas não, apenas foi arrancada, início. Dependerá de mim aprofundar ou não, eis outro projeto a ser desenvolvido.

   Estudei inglês on line, via Curso Mairo Vergara (www.mairovergara.com), que descobri na rede. E resolvi testar. Afinal, quantas e quantas vezes estudei por anos e anos esse tal idioma e nada de largar o português na entonação. Tinha desistido de continuar tentando quando...

   Viajei para a África do Sul. A limitação na expressão das frases com a lembrança apenas de palavras necessárias à sobrevivência em país que adota o inglês, me fez ver que eu deveria, ao contrário, aprofundar conhecimentos.

   Literalmente, hibernei por seis meses, seguindo à risca, as orientações do professor, que considerei muito reais, pois na idade que tenho, posso atestar, todas as dicas são coerentes com minha vivência em relação à língua.

   Agora sim, mais liberada para outras atividades. Com a obrigação, apenas, de estudar, pelo menos uma hora todos os dias enquanto viver. Olha só que magnífico! Eu, depois dos sessenta, com meta a executar. Aliás, exigir do raciocínio faz bem, além de corroborar na extensão do vocabulário que expande não somente no inglês, se reflete também na aquisição de palavras em português. É o que está acontecendo.

   Adulto tem muita dificuldade de fazer um idioma, pois exige uma andragogia diferenciada.  O Mairo Vergara achou isso com o método. Posso afirmar. É que a gente, o adulto, gosta de saber o significado das palavras para conseguir caminhar. Nos métodos tradicionais isso é considerado ruim. Não se pode falar português e nem ter tradução. Mas no curso, a etapa em que isso é feito, considero ser o pulo do gato desse professor atrevido e empreendedor.

   Agora não mais nessa etapa, fico no "listening" sem a necessidade de tradução, uma vez que incorporei vocabulário suficiente para o treinamento do ouvido. 

      Estando liberada, tantas as novidades com leituras em agosto e setembro. Consegui encerrar: Acre de Lucrécia Zappi; a HQ, O Bulevar dos Sonhos Partidos, Kim Deitch; O crime de Sylvestre Bonnard, Anatole France; O Sobrinho de Wittgenstein, Thomas Bernhard; Respiração Artificial, Ricardo Piglia; Autobiografia de um Ex-Negro, James Wedon Johnson.

   Em andamento, Ivanhoé, Walter Scott; Viva o Povo Brasileiro, João Ubaldo Ribeiro; 1808, Laurentino Gomes; A Capital, Eça de Queirós; Ilusões Perdidas, Balzac; Vinte e Quatro Horas na Vida de Uma Mulher, Stefan Zweig; Contos Gauchescos, João Simões Lopes Neto.

   Fiquei louca, né! Pois é,  depois de enfronhar por seis meses exclusivamente no inglês, veio a ansiedade e, tirei o atraso. E que rica experiência. Lendo a era vitoriana, com Walter Scott - dica que o Anatole France deu através do personagem - disse não existir ninguém para contar melhor uma história, agregando fatos históricos. A era moderna, com Anatole, Bernhard, Wedon Johnson. Os contemporâneos... A visão literária clara em mente quanto às escolas e a escolha do narrador por cada um. Muito interessante para um "up grade" na escrita.

   Idade não é limite para sonhos. Enquanto viver projetos fazem parte da dinâmica. A próxima etapa - Intercâmbio, quem sabe. Não sei quando e nem se, mas é projeto. Isso me impulsiona imaginar!

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

SALCHICHA SHUSHI...

Pois é! A página Contos... Crônicas... chegou ao fim. A quantidade de espaço (não sei se o nome é este!)  que dispunha parece ter se esgotado. A solução é colocar agora como postagem, como forma de continuidade. Vamos lá!


SALCHICHA SHUSHI...
09/07/2017
— Tem “salchicha” moço?

— Salsicha?

— Tem?

— Temos sim. Salsicha, sushi e muito mais opções.

— Nossa, tem “Shushi” também?

— Temos sushi sim.

Vamos querer uma porção de ambos e refrigerante. Embala por favor, vamos levar para o Parque das Aves. O parque em Foz do Iguaçu, nas Cataratas.

   Sentados na área de lanche é possível ver parte da área. A ave chama atenção pela coloração em tons do alaranjado, chegando ao bege e cinza, e de pernas finas e compridas, a ave caminha no lago.

— Tem “siriguela” aqui.
— Siriema.

— Siriema, isso, rindo.

   Ele contando para a amiga da esposa os deslizes dela.

— Muito próprio dela isso. Sempre que saía com ela, pagava mico. Encontrava alguém a certa distância, dizia, Parecendo amigo meu. Quando a gente chegava perto, mexia com a pessoa, e saía se desculpando. Eu avexada com a situação.

— Tem mais coisas que ela faz e não me lembro no momento.


— Qual o “poblema”, diz a esposa. 

domingo, 24 de setembro de 2017

COLORAÇÃO COTIDIANA

Estampando as cores na Tatoo em andamento

   Amarelo. É chamado Amarelo durante a semana. No horário do almoço, de segunda a sexta, aparece, por alguns minutos, no jornal destinado a noticiar últimos acontecimentos. Vem sempre jeitoso, andar tranquilo, típico do estilo meio malandro, meio burguês, um sessentão, boa pinta, estiloso na vestimenta que acompanhou a evolução dos tempos. Apenas vê-se que envelheceu pelos cabelos brancos que ostenta. Magrelo, brinco na orelha, cabelo em corte rente ... joga as notícias da cidade ... “... fulana casou-se com ciclano, olha que linda a tal…. De biquini, curtindo a Joaquina, ... “põe na tela, Amarelo” … A foto do encontro da família…, eles pediram que eu desse um alô para a cidade, olá Turma de ...!” … trivialidades da society florianopolitana… 

   Entre uma reportagem e outra, ficamos sabendo, que conheceu o auge das praias sem poluição do centro de Floripa, que curtiu o trapiche que existia em Coqueiros na sua juventude... Que andou afastado do noticiário por motivo de saúde… Que bom! Está restabelecido… Que foi tomar um chopp bem gelado na Cervejaria…, que agora não existe mais, fechou as portas. … Que muitos o acham controverso e suas reportagens idem, mas continua com ibope dos ouvintes… Vaidoso se expõe na expressão do corpo e o colorido das faces de confiança...

   Eu assistia atenta ao seu jeito de andar. Eu, que gosto do vermelho, que gosto das segundas, que também procuro roupas contemporâneas, que descobri, por acaso, temos a mesma idade … E não é que o Amarelo estava na poltrona da frente, no mesmo voo que eu, retornando para Floripa. E falei para meu acompanhante:

   — O Amarelo está aí na nossa frente! Falo com ele?

   Pois é! Coisa chata não respeitar a individualidade de uma celebridade, apesar de que não sei se jornalista, repórter, melhor dizendo, é celebridade. 

   No caso dele, é! Todo mundo conhece o Amarelo. Febre em audiência para o horário e apesar de não aprofundar bulhufas em suas reportagens, chama ao popular e este se sente presente e homenageado.

   Eu respeitei. A racionalidade bateu forte. Peguei o livro Vinte quatro horas na vida de uma mulher e parti para outra. O rapaz ao lado do Amarelo não fez o mesmo e, encheu-lhe de perguntas ao perceber com quem estava viajando.

   Ser celebridade, tem hora, deve ser um saco! Via-se isso na forma como ele respondia, educadamente, ao vizinho. Quando o que parecia querer era boa soneca.

   A verdade é que eu queria mesmo é discernir sobre cores e suas vinculações com o dia da semana e a forma como elas podem potencializar energias e fluir o astral. Cromoterapia. Na segunda convém eleger Amarelo, um retorno à vida social e aos encontros, às terças fica especial se usamos Rosa, significado do amor, para a quarta prefira Branco, sobriedade no meio para amenizar, quinta que se preze tem Verde, sempre divino, na sua esperança, tranquiliza, na sexta a energia exige, pede Vermelho, intenso nas paixões, como deve ser a entrada aos fins de semana, no pique, o sábado, vista Azul, ameno, calmo, relaxante e o domingo, pronto para turbinar a segunda que vem por aí, Lilás pede passagem com mais fluidos de amor e desejos de paz.

   Mania de colorir o cotidiano. Mania de ser comum. Mania de adoçar a vida. Manias.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

MUITO BOM MESMO OS AMIGOS... ESSENCIAIS!

   Sábado foi dia de namoro. A noite tão bonita de Floripa fazia que a gente tivesse vontade de respirar fundo. O ventinho continuando a soprar na sua ânsia naturalística. Pedi uma pizza, com preguiça de arredar pé de casa. Um dos perigos do envelhecimento, gostar cada vez mais do aconchego do lar, ao invés de sair e aguardar chamada de mesa disponível.

   E bem à vontade, comemos a saborosa italiana aos olhares para o filme que começava, Padrinhos Ltda, 2015, comédia. O filme me surpreendeu para além de boas risadas, porque tem uma pegada interessante voltada à amizade.

   Um noivo, pouco tempo antes do casório, não tem um padrinho sequer para convidar. A noiva cobrando. Ele enrolando, com escapadelas e inventando nomes de amigos, de profissões dos amigos, de viagens com amigos etc etc, mas os amigos nada de aparecer.

   Até que obtém ajuda do organizador da festa. Existe empresa que aluga padrinhos. A tal empresa nunca tinha organizado uma empreitada do nível, pois o noivo necessitava de muito além do que ela supunha conseguir, sete padrinhos. Consegue. Todos começam o treinamento porque o lema da empresa é a excelência no atendimento.

   E o tempo correndo e as descobertas acontecendo, tanto em relação ao noivo, quanto ao dono da empresa de padrinhos, muito versátil por sinal e que dá a conotação interessante ao contexto. Na verdade, os dois descobrem que ambos são muito parecidos. Não têm amigos. Vida solitária. Desejo de casar e formar família. Falta de tempo...

   As circunstâncias vão fazer que os dois se tornem aliados e ao final amigos de verdade. O noivo nunca teve tempo para a amizade, tímido, estudava muito, viajava muito e não se envolvia nesse tipo de relacionamento por saber que provavelmente ia viajar de novo, e mudar-se e sempre uma desculpa para não lidar com a dificuldade maior, achar-se feio e sem graça. Inclusive com as mulheres. Tanto é que estava se casando com a única que o enxergou. O dono da empresa por sua vez, de tão ocupado para tais eventos, largou de lado a vida pessoal e investia somente nos negócios. Tudo começou quando alguém falou que pagaria para ele ir a uma festa como padrinho. Viu um nicho interessante no mercado.

   Amizade, um nicho interessante no mercado?

   E não é que descobrimos que, ninguém ou poucas pessoas têm amigos VERDADEIROS. Uau! A realidade estampada na tela da minha TV. A vida real em sua catastrófica verossimilhança a sétima arte ou é o contrário?

   Eles vivenciam as etapas do treinamento. O dono da empresa sempre informando que aquilo é apenas um negócio, para o noivo não se empolgar e achar que são amigos de verdade. Todos dois, querem, precisam, necessitam, desejam, sonham, ... com amigo de verdade. A coragem de assumir tal relação ali, na ponta da tábua para o pulo na piscina, para salto magnífico e, o salto não se dá. 

   Frustrante como se vai vivendo a mesquinha vida, voltada a si mesmo, olhar para o umbigo, a complexa e distorcida visão de si mesmo e, de repente, se está só no mundo, sem a salvaguarda de um amigo de verdade.

   Mas no filme as coisas deram certo. O noivo descobre que a moça só estava interessada na grana dele. E durante a cerimônia resolve assumir a sua verdade, que não a amava e que não queria a vida que via junto a ela. Os dois e os outros seis amigos alugados, mais os empregados da Padrinhos Ltda saem para a viagem que seria a lua de mel. Eles em lua de mel com a amizade!

   Quiça a vida real tivesse esses ingredientes para a descoberta de tal maravilha essencial à nossa saúde mental, espiritual e física - AMIZADE!