20/06/2022
Temporariamente Dodô e
Osvaldo se deixaram levar por aquele mar de lembranças que com a pandemia
parecia quebrar com força na areia, era premente lembrar, como se restaurasse a
saúde mental que andava aos cangalhos pelas más notícias de um país que se
perdeu na irresponsabilidade. A cada dia más notícias, mau direcionamento, os
estribilhos retornavam com a lenga-lenga do poder em nada resolver quando se
tratava em atender às necessidades da maioria da população. Mas no mar do Sul
com frequência o Jetski e o presidente montado, entre outros brinquedinhos
usados com o dinheiro público.
Tendo chegado a mais de
quinhentas mil mortes em junho de 2021 com coronavírus e vão aumentar pela
lerdeza desse poder público de mão incompetente. Eles conversavam e a cada
pontuação, Dodô e Osvaldo traziam a ira à face, como é possível tudo estar tão
mal e a mídia tradicional concordante e até mesmo incentivando o massacre e
destruição do país, é de dar muito nojo, diziam.
― Tá na hora da gente dormir,
Valdo, o cansaço bateu com força.
― As horas voam, nem dei
por mim, a gente encarna nesses assuntos tão obcecadamente, almejando o fim. E sonhando
outubro. Essa ânsia louca de ver a normalidade de volta nos dá esperança e
força pra lutar. Vai na frente, Dodô, vou limpar a mesinha e levar os
vasilhames.
― Cruz credo, Valdo,
deixa eu te ajudar, eta homem que não sabe pedir, credo.
― Nossa, que noite
passei, Valdo, parece que dormi uma gestação, como se eu estivesse ficado
parada por nove meses. Você botou feitiço naquela canjica porque me vi
completamente entregue ao sono e sonho. Estava num cansaço, esses últimos anos
têm sido estressantes para quem tem a consciência no lugar, viu, ainda bem
fiquei descansada por aqui. Tenho de dar jeito no colchão lá de casa que está
me dando dores nos quartos. ― Dodô confessou a Osvaldo entrando na cozinha, ele
preparava o café.
― Tive um sonho, vou te contar na hora do café. Parecia tão real.
‘Os olhos se fixaram um
no outro. Eles se identificaram em tantas coisas, na rotina da vida, nos
gostos, nos dizeres, nos prazeres simples e se envolveram naquele encontro como
se fossem há muito conhecidos. E tinham sorte. Os dois eram livres para se deixarem
levar. Começaram a se apaixonar. Não conseguiam ficar distantes, a pele os
aproximava na quentura dos desejos e o amor crescia a cada dia. Tinham a exuberância
da idade, pareciam adolescentes, eram românticos natos. Isso em meados do século
XX. O envolvimento fazia que o real lá de fora perdesse importância. A fantasia
e imaginação voavam junto aos carinhos que cresciam em intensidade e vinham tão
transparentes, sem censura, sem jogos. Era tão natural e os olhares se perdiam.
De repente os dois se assustaram enquanto se beijavam timidamente. As mães
gritavam de casa para entrar que já era noite. Ele disse baixinho, nunca fui tão
feliz assim antes. Ela viajou nas palavras a lugares infindos. Eles se despediram
com a certeza de que não conseguiriam parar aquele amor.’
― Poxa, Dodô, que pena
bati à porta te chamando pro café e interrompi o romance. Mas que auge, hem,
quem sabe continua a sonhar.
― Acredito nisso, talvez
da próxima vez que eu comer da sua canjica e dormir no aconchego do seu quarto,
quem sabe. Bom, preciso trabalhar, Valdo, a gente conversa depois, tá.
Os dois se despediram e foram cuidar da vida, vida que exige coragem.