27/09/2021
― Quer mais
canjica? ― Osvaldo perguntou, e agora era vez de Dodô andar atracada em
pensamentos aéreos, voa com certeza, disse Osvaldo em voz amena a si. A mulher
arisca, atrevida e que gostava de contar as aventuras com o marido andava longe.
Ele então tascou fogo noutro amaldiçoado
cigarro e ambos se alienaram entre cinzas e o acinzentado da fumaça. Acendeu
mais outro assim que a bituca se esvaia. Era bom estar em companhia amiga.
Lembrou-se de Luiza, do rapaz e da avoada mulher ao seu lado, Dodô. Pessoas que
faziam o tempo amenizar-se enquanto lá fora a batalha era a sobrevivência.
Alguns minutos que ganhavam tanta importância, o afago de amizades que não
imaginaria surgirem em sua vida solitária. Cada uma tinha algo especial e
admitia a si que nesse momento de tamanha atormentação para o país, essas
pessoas acrescentavam significado à sua existência. Luiza com sua doçura e ao
mesmo tempo firmeza nas decisões, uma autêntica mulher que se revelava a ele
tão terna. O toque em sua pele lhe trazia lembranças, as quais não soube de que tipo. Dodô, ao contrário, levava-o a suas viagens,
especificando cada detalhe, cada trajeto, cada decisão para obter mais
adrenalina e com ela seguia energizado e com ânsia de conhecer mais e mais
lugares fantásticos e agora estava ali aconchegada com os pezinhos no pilar da
sacada, como uma garota selvagem. Dodô trazia aspectos que libertava enquanto falava
aos cântaros. Era bom escutar. Interrompeu o pensamento e olhou para ela que
ainda ia alhures.
Então veio a figura do rapaz,
outro contador de histórias, mas de jeito jocoso nos stand-ups da vida, mostrava ironia, sarcasmo e arrebatava-o em
risadas, ah, como a juventude traz alegria aos momentos mais inusitados. Ele
fora um jovem com a timidez emperrando sua espontaneidade. O rapaz não, troçava
de qualquer simples evento. Tinha um carinho indefinido por aquele rapaz,
gostava de não dizer o seu nome, rapaz traduzia sua performance.
Estranhou seu ensimesmamento e
riu, isso não era novidade alguma. E quando virou o rosto, Dodô o observava.
― Valdo, você estava longe e
sorridente ou é impressão minha?
― Dodô, gostaria de te perguntar
a mesma coisa, porque fiquei um tempo te olhando e você navegava.
Os dois riram.
― Tenho de caçar rumo, trabalho
amanhã.
― Pra que pressa, Dodô, tem
alguém te esperando?
― Até gostaria, às vezes
sinto falta de companhia.
― Dorme aqui, tá tarde. O quarto
está arrumadinho e é só pegar toalha no armário. Vai, deixa de cerimônia, não é
trabalho nenhum. Daqui você vai para o trabalho e não precisa sair e enfrentar
a pandemia. O quarto e o apartamento em si são acolhedores, você é bem-vinda.
― Ah, Valdo, convite tentador,
bom que a gente pode continuar com um pouco mais de prosa nesse ambiente zen de
sua sacada, que delícia. Vou até pegar mais canjica depois.
Osvaldo quase deixou escapulir
que Luiza quando dormira por lá considerou isso também, não, não sei se Luiza
comentou com Dodô, pensou.
Ambos continuaram em suas
epopeias. Viagem ad interim.