terça-feira, 28 de setembro de 2021

o decorrer do tempo (CENA 50)

 


27/09/2021

            ― Quer mais canjica? ― Osvaldo perguntou, e agora era vez de Dodô andar atracada em pensamentos aéreos, voa com certeza, disse Osvaldo em voz amena a si. A mulher arisca, atrevida e que gostava de contar as aventuras com o marido andava longe.

Ele então tascou fogo noutro amaldiçoado cigarro e ambos se alienaram entre cinzas e o acinzentado da fumaça. Acendeu mais outro assim que a bituca se esvaia. Era bom estar em companhia amiga. Lembrou-se de Luiza, do rapaz e da avoada mulher ao seu lado, Dodô. Pessoas que faziam o tempo amenizar-se enquanto lá fora a batalha era a sobrevivência. Alguns minutos que ganhavam tanta importância, o afago de amizades que não imaginaria surgirem em sua vida solitária. Cada uma tinha algo especial e admitia a si que nesse momento de tamanha atormentação para o país, essas pessoas acrescentavam significado à sua existência. Luiza com sua doçura e ao mesmo tempo firmeza nas decisões, uma autêntica mulher que se revelava a ele tão terna. O toque em sua pele lhe trazia lembranças, as quais não soube de que tipo. Dodô, ao contrário, levava-o a suas viagens, especificando cada detalhe, cada trajeto, cada decisão para obter mais adrenalina e com ela seguia energizado e com ânsia de conhecer mais e mais lugares fantásticos e agora estava ali aconchegada com os pezinhos no pilar da sacada, como uma garota selvagem. Dodô trazia aspectos que libertava enquanto falava aos cântaros. Era bom escutar. Interrompeu o pensamento e olhou para ela que ainda ia alhures.

Então veio a figura do rapaz, outro contador de histórias, mas de jeito jocoso nos stand-ups da vida, mostrava ironia, sarcasmo e arrebatava-o em risadas, ah, como a juventude traz alegria aos momentos mais inusitados. Ele fora um jovem com a timidez emperrando sua espontaneidade. O rapaz não, troçava de qualquer simples evento. Tinha um carinho indefinido por aquele rapaz, gostava de não dizer o seu nome, rapaz traduzia sua performance.

Estranhou seu ensimesmamento e riu, isso não era novidade alguma. E quando virou o rosto, Dodô o observava.

― Valdo, você estava longe e sorridente ou é impressão minha?

― Dodô, gostaria de te perguntar a mesma coisa, porque fiquei um tempo te olhando e você navegava.

Os dois riram.

― Tenho de caçar rumo, trabalho amanhã.

― Pra que pressa, Dodô, tem alguém te esperando?

― Até gostaria, às vezes sinto falta de companhia.

― Dorme aqui, tá tarde. O quarto está arrumadinho e é só pegar toalha no armário. Vai, deixa de cerimônia, não é trabalho nenhum. Daqui você vai para o trabalho e não precisa sair e enfrentar a pandemia. O quarto e o apartamento em si são acolhedores, você é bem-vinda.

― Ah, Valdo, convite tentador, bom que a gente pode continuar com um pouco mais de prosa nesse ambiente zen de sua sacada, que delícia. Vou até pegar mais canjica depois.

Osvaldo quase deixou escapulir que Luiza quando dormira por lá considerou isso também, não, não sei se Luiza comentou com Dodô, pensou.

Ambos continuaram em suas epopeias. Viagem ad interim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário