sexta-feira, 29 de março de 2013

REENCONTRO DA PAZ

  


   Eu não consegui dormir à noite após assistir ao filme Reencontrando a Felicidade, de 2010, com Nicole Kidman e Howie Corbett no papel do casal que vive a dor de ter perdido um filho de quatro anos após atropelamento. A dor da perda é tão sofrida, tão imensamente grande, e eles como pais souberam dar vazão a esse sentimento que nos desestrutura totalmente.

   Eles passam a "vegetar" em casa, como dois zumbis, sem expressão, isolados em si mesmos, não dando conta de lidar com a morte do filho. Transmitem para nós as fases da raiva e da negação, pelas quais passam as pessoas que sofrem perdas profundas (morte, separação, perda da saúde, do emprego etc).

   A falta do diálogo entre o casal é fator desencadeante de diversos dissabores, compreensíveis, pois cada um tem o seu tempo para lidar com o sentimento. É claro que se houvesse o diálogo onde cada um expusesse a sua dor, e em contrapartida, alcançar a compreensão do outro, ou mesmo tê-lo como um bom ouvido, a dor poderia ser compartilhada entre ambos com maior leveza, já que estaria presente ali, o companheirismo e o respeito ao limite de cada um. Não é o que acontece, infelizmente. Parece que nesta hora a gente se torna realmente egoísta, a nossa dor é maior do que a de qualquer outra pessoa e nos isolamos em nosso canto.

   Eles tentam diversas alternativas para vivenciar tal dor e apenas o tempo passa a ser o mensageiro possível de uma provável paz. Tentam a terapia de grupo; ela busca entender o acontecido através do diálogo com o causador do acidente, um rapaz (que também sofre e se culpa); entre outras ações.

    Lembrei-me das fases da perda (ou do luto) elaborados pela cientista Elizabeth Kubler Ross, estágios que todos passamos quando sofremos uma perda: a negação, onde a pessoa busca o isolamento; a cólera, raiva de tudo e de todos; a busca por negociação e tentativas de equilíbrio; a depressão e suas nuances diferenciadas em cada pessoa e finalmente, a aceitação. O período de duração de cada estágio é vivenciado de forma única por cada pessoa; algumas mais longas que outras.

   O casal ao final do filme parece estar entrando na fase da aceitação e conseguindo, juntos, travar um diálogo com colocações de suas dores e definições do que darão conta. É tão doloroso ao longo da história que considerei inadequado o título do filme, pois o máximo que se consegue vislumbrar é o reencontro da paz, mas a felicidade como é imaginada...

   Também me fez relembrar quando a minha mãe perdeu uma de suas filhas. Eu nunca tinha acompanhado de perto uma dor tão desesperante. Eu ainda estudava psicologia, jovem ainda, sem experiência, pude vivenciar tudo isso na minha própria casa, não só dessa vez... mas outras vezes que se seguiram e ainda mais trágicas. Eu falo sempre que todos têm que carregar várias cruzes enquanto viver, buscando a coragem para o enfrentamento dessa dor, que em momentos parece impossível vencer. 

   O tempo vai trazendo, resgatando pouco a pouco, as forças de cada um até uma aceitação necessária. Mas ali houve um corte, uma falta que não será reposta. E aprende-se a conviver com ela. Talvez desejando o que imaginou a personagem de Nicole Kidman... Que exista um mundo paralelo onde é possível estar feliz.

segunda-feira, 25 de março de 2013

SER HUMANO!

   
   Ontem assisti ao filme A Hora da Estrela, baseado no livro de mesmo nome da escritora Clarice Lispector. O filme é de 1985, retratando a existência de uma moça pura, ingênua, que nada sabe da vida, além de seguir vivendo; é de Alagoas, está sozinha no mundo (tendo perdido todos os parentes). Não pensa no futuro, nem o sabe se existe; apenas vai na estreiteza da sua visão de mundo, na sua solidão, vivendo.

   Aproveitei e resolvi reler o livro da autora. O filme trouxe com muita proximidade a realidade que a escritora quis focar. A moça simples, nordestina, que vai para o Rio de Janeiro trabalhar como datilógrafa. E no seu vazio existencial, nada questiona, duvida, crê que tudo é assim, pois assim é desde que nasceu.

   As colocações da Clarice Lispector me reconduziram às questões de Tchekhov. Como quando diz "enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas continuarei a escrever."; "Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só."; "A vida é um soco no estômago."; ... Tal qual ele, ela encontra no escrever a forma de buscar o novo através da escrita, já que a rotina, o cotidiano, a cansa. 

   "Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa.", diz através de seu narrador. "Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias."

   A angústia que o homem traz consigo, a sua insatisfação presente, encontra nas falas desses escritores o alívio em nós, leitores, que nos tranquilizamos ao saber que alguns nos entendem e assim prosseguir a vida.

   Eles buscaram ler a alma humana no mais fundo, sempre tão atuais e conhecedores de coisas sobre nós que jamais teríamos a coragem de mencionar. Por isso a leitura traz ao leitor toda a sofreguidão da literatura, que apesar de não ser verdade, é verdadeira! 

domingo, 24 de março de 2013

"O QUE DEVEMOS FAZER?"

  
 " O que devo fazer?" . É com esta pergunta que Thomas Mann nos provoca no ensaio que faz sobre Tchekhov (O escritor e sua missão, Zahar, 2011).É essa a pergunta que faz Tchekhov em quase todos os seus escritos, e que permeia a angústia de nós humanos; seres sempre insatisfeitos e em busca de algo que não sabemos descrever.

   O escritor russo se envolveu com ela de forma instigante e provocadora em seus contos e Thomas Mann exemplifica isso ao analisar um conto onde Kátia pergunta: " O que devo fazer?" e só consegue como resposta: "Eu não sei, Kátia, pela minha consciência, eu não sei."

   E assim, por não saber qual a resposta, o escritor procura, através de seus contos, nos mostrar a vida como ela é, já que "Não damos nenhum passo além disso", disse ele. É no conto Um caso médico que ele parece contornar essa angústia sobre as perguntas sem respostas, quando diz a expressão "insônia honrosa", quando trata da "inteligente e infeliz senhorita, herdeira da fábrica milionária, que chama o Dr. Koroliov porque não consegue dormir e têm crises nervosas." 

   Seja como for, com essa expressão pôde abarcar os sentimentos daqueles que por algum motivo não encontram condições de dormir quando veem este mundo cheio de contradições, onde os pobres trabalhadores sofrem e têm vidas com carências extremas, suas e de suas famílias. De alguma forma este ser humano sofre, existe uma tensão angustiante presente em sua existência que teima em demonstrar que não está tudo bem, já que muitos são oprimidos.
É a questão que não quer calar, nem no inconsciente, e que ronda as noites mal dormidas de muitos.

   Eis a resposta que Tchekhov coloca na boca de seu personagem: "Na condição de dona de fábrica e rica herdeira, você está insatisfeita. Não acredita nos seus direitos e, por isso, não consegue dormir. Claro que isso é melhor do que se estivesse satisfeita, dormisse tranquilamente e pensasse que tudo estaria muito bem. Você sofre de uma insônia honrosa. Seja o que for, ela é um bom sinal."

   E Thomas Mann coloca: "... Devemos admitir que o ser humano é um ser desencontrado. Sua consciência, que é parte do intelecto, jamais poderá ser harmonizada com a sua natureza, sua realidade, sua condição social, e sempre haverá "insônias honrosas" entre aqueles que, por alguma razão obscura, se sentirem responsáveis pela sorte e pela vida humanas. Se houve alguém que sofreu dessa insônia foi o artista Tchekhov, e toda a sua atividade poética foi insônia honrosa, a busca pela palavra correta, salvadora, à pergunta "O que devemos fazer?" Só uma coisa ele sabia com certeza: que o ócio é a pior coisa, que é preciso trabalhar, porque ócio significa mandar trabalhar, explorar e oprimir..."

   O principal para o escritor é transformar a vida, o resto é secundário... No conto A noiva: " Minha querida, viaje! Mostre a todos que está farta dessa vida imóvel, cinzenta, pecadora! Mostre a si mesma!... Juro que não se arrependerá. Você viaja. Vai estudar e se deixar guiar pelo seu destino. No momento em que tiver remodelado a sua vida, tudo se modificará. O principal é transformar a vida, todo o resto é secundário. Então, viajamos amanhã?"

   Neste conto apresenta tranquilidade com relação a morte e a doença, continuando a semear a esperança mesmo à beira do túmulo, conforme relata Thomas Mann, que pergunta: devemos acreditar que a nostalgia e o anseio poético realmente são capazes de transformar a vida?

quarta-feira, 20 de março de 2013

RETRATO DO ENVELHECIMENTO

  
    Leia o poema de Cecília Meireles: 
RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
_ Em que espelho ficou perdida a minha face?

   Não é que ao ler vemos  que o envelhecimento toma conta de nós, assim, repentinamente? De repente, acorda-se e se está velho (a), consciente subitamente desta nova experiência que nos conduzirá a partir de então com toda a sua voracidade e ao mesmo tempo, contraditoriamente, limitante em cada instante.

   A juventude passou tão rápido, aventureiramente e risonha aos nossos olhos que ao nos assustarmos - aqui estamos em novo estágio!

   Mas como diz Soren Kierkegaard: " A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente." 

   Vamos em frente, combativamente até às últimas forças!!!

domingo, 17 de março de 2013

"A VELHICE NÃO É PARA MARICAS"

   
   "A VELHICE NÃO É PARA MARICAS". Gostei tanto da frase que é repetida muitas vezes no filme O QUARTETO, de 2012. Realmente vivenciar a velhice exige muita sabedoria, humildade e aceitação pelos limites de cada estágio que vai aparecendo na janela (que se abre muito rápido! Quando se vê se está velho (a)!

   O filme retrata a vida de anciões (homens e mulheres) que vivem num asilo para músicos aposentados e onde existe um projeto de vida: estão sempre treinando, entoando vozes, instrumentos, elaborando programações,  com o intuito de que aquela casa sobreviva, pois é às graças de doações que permanece de pé.

   Se todo o asilo pelo menos transparecesse alguma semelhança com o filme... mas a realidade... Lá o lugar é lindo, um espaço amplo, frondoso, claro, existem regras básicas a serem seguidas, mas cada um tem seu espaço e intimidade preservados a um grau, digamos, digno.

   Não é que chega uma nova moradora que fazia parte de um quarteto, sendo que lá já estão três deles. Essa chegada vai resgatar dores, mas também novos projetos, tentativas, sentimentos aflorados, esperança no compartilhar do amor. É muito gostoso o filme, pois o diretor (Dustin Hoffman) optou por tiradas cômicas, irônicas, onde não limita a velhice à passividade, à entrega. 

   Vale a pena assistir (aproveite que ainda está em cartaz).E você continua a buscar cultura, exercitar o raciocínio, atitude própria das pessoas que não se entregam à rotina.

   Eu até pude associar a uma fala do cantor Caetano Veloso, na sua canção Minha Mulher, onde ele diz: 
"Quando eu for velho
Quando eu for velhinho
bem velhinho
Como seremos?
Como serei?
Como será?"

   E lançar-me à reflexão deste momento no qual me adentro tão rapidamente... Tentando experienciar as questões levantadas pelo Caetano.

sábado, 16 de março de 2013

TU ÉS PÓ E AO PÓ RETORNARÁS!


               
               Lendo o versículo da Bíblia: “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes a terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás”, capítulo 3 do Gênesis é que tive a ideia de falar sobre ela – A MORTE. Não me veio Pasárgada, tão poeticamente cantada por Manoel Bandeira.

            Antes de enfronhar mais no assunto também gostaria de apresentar outro tipo de experiência que pelo lado irônico e cômico me deliciou. O filme O Encontro Marcado, de 1998, com o Brad Pitt travestido de morte é muito gostoso. A nossa amiga (ou qualquer outro nome que você queira...), Dona Morte, traz uma beleza que sabemos na realidade não tê-la. A morte se apaixona pela filha do homem que foi buscar, e agora tem o intuito de descobrir o que existe de tão belo na vida que as pessoas se assombram tanto com ela (a morte).

             Faz um acordo com o homem; dá-lhe mais tempo com a condição de lhe mostrar o que é felicidade. Contrato feito, a morte vivencia a dor do amor, o medo da separação, a dificuldade em deixar o amor livre e ir; entende finalmente o humano em sua complexidade.

            Mas eu, só consigo ver a nudez da coisa em sua crueza. O versículo da Bíblia serve-me fora de suas entrelinhas. A morte é apenas uma fase natural explicada pela ciência: nasce, cresce e morre! Como todos os seres vivos da natureza... O ser humano não é diferente!

            Por isso lido com a existência como o momento integral do ser. Como diz Marguerite Duras, é na vida que somos imortais; portanto, a vivência em sua verdadeira intensidade é que deve ser perseguida. 

            O bem viver e a busca por bons momentos como um projeto de vida em constante dialética – enquanto não chega a hora de tornar ao pó!

segunda-feira, 11 de março de 2013

AMOR CÃO

  
 Assisti a um filme de 2005 que achei interessante para se discorrer: Procura-se um amor que goste de cachorros, com a Diane Lane e John Cusack. Ela uma professora separada recentemente do homem que achava que amaria até o fim dos dias, trocada por uma mulher mais jovem. Ele também deixado pela mulher que julgava amá-lo. Ambos solteiros e perdidos, desesperançados com a relação a dois, distantes da busca pelo outro devido as decepções envoltas.

   Em ambos os casos, encontram pessoas que os incentivam a buscar, através da internet, sites de relacionamento. Pessoas estas que os cadastram e  os lançam a aventuras com diversos pares. Acontece de tudo. Como eles parecem estar mais interessados em um relacionamento profundo, sério, não dão muita atenção ao fato, mas arriscam-se a alguns encontros, na maioria desastrosos.

   Encontrar alguém especial torna-se uma tarefa difícil, como demonstra uma mulher que está apaixonada pelo pai dela. Relata que os homens estão preferindo as mulheres mais jovens que eles uns vinte anos (sic!) e exemplifica: Os de oitenta, preferem as de 60 anos, os de 60 preferem as de 40 ou menos, os de 40 preferem as de 20 ou até menos, as de 18 anos. Enquanto que as mulheres sequer encontram alguém mais novo ou mais velho - sinal dos tempos!

   O pai da personagem revela que ainda ama o seu primeiro amor, anda fechado a novos amores, aceita apenas ficar na conquista, sem se decidir por alguma das interessadas. 

   E assim vai acontecendo as tais cenas desastradas até que finalmente eles se permitem a tentar juntos uma relação mais intensa e verdadeira, dando nova chance ao amor.

   O especial, às vezes, não está perceptível a nossa intuição, precisa ser burilado, precisa da conversa, do contato, do encontro e do mais importante... estar aberto a novas possibilidades... 

segunda-feira, 4 de março de 2013

QUERER SER!

  
 "O que quer uma mulher? Esta é a pergunta que sempre me faço. Nas construções do fazer, do ser. Onde estou? Posso estar em sonho, devaneio, abduzida, entre castelos de verdadeiras quimeras; mas inteiramente mulher, com seus desejos e queixas, com sua dor e ardor, serena e noutro ansiosa, com risos soltos, fugidia da tristeza herdada de laços ancestrais.

   Esta figura refletida... tão parecida com a mãe, mas que exige de si outra posição: da mulher aguerrida, que luta pelo seu direito e das mulheres em geral; que não aceita o tratamento de objeto, pois sujeito se constitui.

   E o homem? Se parece com quem? Que seja diferente do homem típico narcísico que faz da mulher um uso. Esse homem que desejo, transita entre o cavalheirismo, a cortesia, sem deixar de expressar o grito brucural das  cavernas; o grito do desejo, do gozo, do prazer em seu tênue instante."

   O texto acima eu escrevi na última aula da oficina literária e folheando os papéis, resolvi digitá-lo no blog. Sinceramente! Esta não sou eu... É o meu desejo de ser... que sempre me envolve, me angustia e também me fascina.