quarta-feira, 31 de agosto de 2016

TÊNUE EXISTÊNCIA

   Assisti o filme nacional "Ela volta na Quinta" , do diretor mineiro André Novais, 2016, na TV Brasil, num domingo desses. Adorei o filme ainda mais ao saber que o cineasta rodou as cenas utilizando a própria casa da família e seus pais e irmão e o próprio diretor eram personagens da história e, particularmente, por ser mineira, feliz de reconhecer o diretor e as cenas externas da minha cidade natal, Belo Horizonte.

   Enquanto as cenas iam se desfilando aos meus olhos eu ficava imaginando onde estavam as câmeras. Achei que a ideia, genial, deu intimidade e aproximação ao universo do cineasta e ainda por cima, seus familiares representando o papel dignos de atores profissionais.

   O filme mostra um casal maduro em crise, um drama apropriado aos casais com muitos anos de convivência para a devida reflexão. Ali se destrincha toda a agonia vivida por todos que pertencem ao núcleo, não salva ninguém, as mágoas, as tristezas, angústia e sofrimento são tão nítidos. Durante a exibição eu sentia a falta, algo se partiu na relação e não era possível resgatar por mais que tentativas houvessem. 

   O filme é triste pois a mulher, após fazer uma viagem, vem no ônibus de turismo conversando com uma amiga decidida a desfazer o casamento. Quando a caminho de casa, andando pelo centro da cidade em direção ao ponto de ônibus que a levaria, sente-se mal e morre.

   Como é tênue a existência, foi o que me perpassou o pensamento, quanto a gente deixa de investir na relação, sempre esperando pelo outro, ou mesmo, já existe tanta mágoa que tanto um quanto outro já não consegue restabelecer o elo partido. E parece que o outro se torna um estranho, e parece impossível juntar os cacos.

   O interessante do filme é que as falas são mínimas, as imagens dizem tanto e vão construindo o arcabouço para as emoções. Os olhos ficam prisioneiros dos sentimentos embargados. O filme simples consegue ser transformado em peça de ourives. O cineasta é jovem e persegue o desejo de redesenhar a vida através da sétima arte.

   A gente nunca sabe se ao sair de casa (ou em casa mesmo) vai voltar...

domingo, 28 de agosto de 2016

MARCA INDELÉVEL DA LEITURA


   Igual anteriormente citei sobre a excelência do escritor, me referindo ao Raduan Nassar, eu senti quando da leitura dos livros de James Joyce, Retrato do artista quando jovem, Os Dublinenses com contos que levam à lembrança da cidade natal do escritor, Dublin, capital da Irlanda, principalmente o conto Os Mortos, que delícia de leitura nos traz, os sentimentos sendo expressos em palavras com tanta tranquilidade e realmente perpassa a sensação emocional e a gente sofre junto com o personagem. Ainda falta ler Finnegans Wake e Ulisses, pois preferi retomar a leitura da Odisseia, de Homero, antes.  

   Aliviada após o professor de literatura ser condescendente com a minha frustração no ato da escrita, onde coloquei que após tais leituras dava vontade de ficar apenas nesta atividade, ele me disse: não se preocupe com os clássicos, o Mário Quintana tem um aforismo batuta: "os clássicos escreviam bem porque não tinham os clássicos para atrapalhar" e deu uma risadinha no final que suavizou minha ansiedade e cobrança.

   Ou então pegar um anticonselho do Carlos  Drumond de Andrade no texto A UM JOVEM, onde no quinto apontamento diz: leia muito e esqueça o mais que puder.

   Voltando ao conto Os Mortos, enquanto lia achava que de hora para a outra iria acontecer alguma fatalidade, a morte de um dos personagens por exemplo, e ficava mais a fim ainda de dar sequência à história, acreditando que o título era sintomático e algum acontecimento inédito ocorreria no processo.

   Quase chegando ao final é que a lembrança de uma das personagens sobre a morte de um amigo ocorrida ainda na adolescência, pois logo que ouviu uma canção tal lembrança lhe trouxe de volta a dor vivenciada é que fez com que finalmente se entendesse o porquê do título.

   O fechamento é digno de beleza "...enquanto ouvia a neve que caía suave por todo o universo e suave caía, como a descida ao derradeiro fim, sobre todos os vivos e os mortos."

   Torcendo que as leituras compulsivas que venho fazendo deixem em mim a marca indelével e me auxiliem na produção da escrita, tomara.   

domingo, 21 de agosto de 2016

ESCRITA INIBINDO A ESCRITA

 
   Assumo a vontade de escrever está esbarrando na necessidade de leitura de textos livros romances contos poesias de escritores tantos que existem que me perco ensimesmada do tanto quanto necessito ler ler ler e a cada escritor que absorta coloco os olhos me deparo com tanta beleza maravilha estupefação assombro que advém a minha ideia ter chegado tarde demais a intenção de tornar "escritível" o que escrevo tamanha a exigência que me importuna após as leituras.

   Leiga na escrita passo a cobrar cada vez mais após deitar os olhos e acompanhar a desenvoltura de tramas enredos diálogos escritos dos mais variados de variados escritores mas a sensação espetacular foi após conhecer a escrita de Raduan Nassar os três livros do autor Lavoura Arcaica Um Copo de Cólera Menina a Caminho os escritos tão perfeitamente colocados em uma teia de entendimento e figuração que me senti o minúsculo ser nas tentativas vis de escrever.

   O aumento de volumes sobre a mesa a escrivaninha a estante a cômoda e por onde caibam livros e o parco tempo a desenvolver a vista os olhos dando seu alheamento à vontade instaurada através de óculos bifocais começando a embaralhar-se frente a cobrança insistente e a capacidade neurótica e mesmo real da pequenez em tal empreitada por vezes assume um cume de cobrança exagerada ao invés de interessante atividade apenas uma delas ao rol.

   A Cobrança vem sub-repticiamente incorporando-se e atrapalha mesmo que pactuado ser tais escritos apenas passatempo agradável e o jogo tornando-se atribulado e ofensivamente exigindo mais e mais desenvoltura e ritmo e potência e quando se vê a paralisia de vãs cobranças fenestrando o recinto.

   Como não entender que um escritor desista de continuar escrevendo após tantas reflexões que o ato da leitura traz ao ser exigente na feitura da escritura se a um leigo tanto questionamento trouxe e a percepção da emboscada colocada no destino do escritor onde as tessituras do texto vão se efetivando a frente dos olhos sem que ele possa dominar sendo apenas o escravo ágil agindo no teclar das letras palavras frases parágrafos textos.

   Tudo se desenvolvendo aos olhos sem o domínio de si mesmo é deveras complicado raciocinar acerca de.   

terça-feira, 16 de agosto de 2016

COISAS DO OLHAR

desenho Ju Martins
   Eu precisava de um lazer que aliviasse o stress do dia na semana passada e acabei encontrando ao assistir a fita Um namorado para minha esposa, filme italiano, de 2014, direção Davide Marengo, e dava boas risadas devido ao gênero, uma comédia leve sobre o complicado relacionamento de um casal. Inicialmente nada havia de amor, pelo contrário, o marido exausto da convivência com a esposa de personalidade forte e que o deixava desconjuntado, tanto que, apelante a um amigo play boy, conhecedor das artimanhas na área, propôs uma trama que envolvesse sua esposa e um amante. Tencionava pedir o divórcio e não sabia proceder um diálogo razoável com ela, e a traição seria um bom argumento para conseguir se livrar do pepino.

   O plano do tal play boy segue com a mulher arranjando um trabalho num programa de rádio, cujo salário o marido financiaria. Ela teria, durante a programação, de falar das coisas que detestava, apenas isso. Ela se mostrou muito divertida no papel, colocando o monte de coisa que a maioria das pessoas também detesta, mas que muitas vezes acaba fazendo, e com isso angariou audiência dos ouvintes. O seu colega de trabalho achando-a interessante convida-a para um café, ela aceita deixando claro que é casada.

   No decorrer ela se envolvendo com o novo trabalho, cada dia tendo compromissos, cada dia se vestindo diferente e melhor aos olhos do marido, e este volta a sentir ciúmes, começa a segui-la, e procura interromper o trato com o play boy. Até que definitivamente se redescobre apaixonado pela esposa, conta pra ela a trama engendrada por ele e a confusão acaba em separação.

   Depois de três anos finalmente chega a hora da assinatura do divórcio, mas o juiz se atrasa e novo horário é marcado para dali uma hora. Os dois vão a um café e sentados em mesas diferentes fazem o pedido. Quando ele pede um sanduíche a garçonete informa que vendera o último a mulher da outra mesa, ele vê a ex-esposa. Ela decide ir até a mesa dele, pergunta se pode se sentar, em seguida se ele quer mear o sanduíche com ela. Ele com a costumeira dificuldade de falar o que tem vontade e precisa ser falado. Ela diz pra ele que ele apenas tem de dizer, eu quero sim, eu vou aceitar, o que finalmente consegue dizer e os dois nunca mais voltaram ao juiz, recomeçando um novo relacionamento mais verdadeiro, onde estão mais a vontade para dizer o que pensam e participando de diversões conjuntas.

   A questão de perspectiva, ver o outro com vida própria e se saindo melhor do que antes mostra como às vezes a gente é enganada nos jogos que  arma sem conhecimento aprofundado dos sentimentos e comportamentos na vida a dois. A mulher é autêntica, enquanto ele, por seu perfil, tinha dificuldade em colocar o que pensava, o que queria, deixando de discutir questões que envolviam os dois.

   Uma boa comédia quando se está fora do plano de filmagem... sempre volta a questão da falta de diálogo, oh trem difícil de entender porque acontece.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

PEDAÇO DO CÉU NA TERRA

   

   Na madrugada veio uma tromba d'água desejada. Tinha um bom tempo que não se via chuva por estas bandas, aparecendo até temperaturas de 27 graus nos últimos dias em pleno inverno em Floripa. Quem veio passar as férias por aqui teve chance de tomar um banho de sol delicioso. Quanto a ficar de maiô ou sunga, aí é outra coisa, afinal estamos no sul e alguns ventos teimosos implicam participar da festa. Eu vi a criançada fazer festa na água gelada desses tempos enquanto os pais permaneciam na observação, todos paramentados de acordo com a estação.

   De todo jeito é sempre bom admirar a beira mar. Deu até para boas caminhadas durante essa confusão climática. Numa dessas caminhadas eu até aproveitei para fazer boa ação. No trajeto, enquanto caminhava, ia abaixando e recolhendo todo o material que eu via ser de plástico. Como eu não levei um saquinho de lixo, assim que a mão enchia ia até a lixeira jogar os detritos encontrados próximo a orla.

   Que triste, copos descartáveis, tampinhas de garrafa de água mineral de tudo quanto é cor, cacos de plástico de vasilhames diversos, canudinhos, e até galão de 7 litros de água mineral vazio e em questão de poucos minutinhos a mão cheia de lixo imprestável. A bem da verdade não deu para eu considerar ter feito caminhada de tanto agacha e levanta à cata de lixo. Percebi que quanto mais próximo um bar ou restaurante da praia, mais infestado estava o local.

   Confesso que eu parecia uma doida varrendo o chão de areia de uma grande extensão de praia, estava engraçada a figura, me veio ao pensamento que se ali estivesse um fotógrafo ia achar um motivo para um click. A constatação principal e que decepciona é que as pessoas, elas próprias que usufruem daquele pedaço do céu na terra, têm o atrevimento, a desfaçatez de jogar restos pelo chão e não catar. Depois reclamam da limpeza, incapazes de exercer a obrigação cidadã. 

   Decepcionada porque muitos gostam de arrotar uma evolução humana que numa situação dessa se observa nem existir, apesar da informação presente em todos os âmbitos, quanto a necessidade de manter limpos os locais públicos.

   Matutando enquanto eu ia e vinha pela orla chequei à conclusão que se todos os dias eu me comprometesse a recolher todo o lixo encontrado eu não ia alcançar meu objetivo de higidez de tanto abaixa e levanta. E olha que toda a manhã a  empresa responsável pelo recolhimento de lixo faz a devida limpeza... será que isso acontece só por aqui... nas terrinhas do Brasil?