Nossa, o dia está tão claro, pouquíssimas nuvens, céu de um azul brilhoso, lindo! Fiquei até inspirada a colocar aqui o poema de Fernando Pessoa, quando travestido de Alberto Caeiro, um de seus heterônimos.
Realmente delicioso a gente ir enfronhando na poesia que vai desabrochando de seu lirismo. Veja:
"Guardador de Rebanhos -
Fernando Pessoa (heterônimo Alberto Caeiro)
XLVI
Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha,
Podendo às vezes dizer o que penso,
E outras vezes dizendo-o mal e com
misturas,
Vou escrevendo os meus versos sem
querer,
Como se escrever não fosse uma
cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa
que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à
ideia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras.
Nem sempre consigo sentir o que sei
que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar
atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os
homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de
lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me
pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções
verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não
Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza
produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a
Natureza, nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e
mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero
dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como
um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações
verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo
ele-próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não
veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou
a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe vêem as
pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes
baixos."
Para ele a escrita transcorria com uma delicadeza que mesmo falando de simples acontecimentos, eles acabam por parecer uma grandiosidade. É a emoção falando da verdade do poeta. Lindo demais!