AURA
DE INDEPENDÊNCIA
11/09/2017
De
onde estava meneava cabeça, olhava com atenção a festança que
se fazia ao redor da Praça da Matriz. Eram tantas gentes, negros abanando damas vestidas em bonitos brocados ingleses,
homens de negócios reunidos em discussão sobre novos ares da
Pátria, capitães e comandantes aproveitando para conversar sobre a ordem
do dia após batalha, vendedores de quitutes africanos, nas
barracas armadas para a festa, gesticulando e apontando qual o
interessado desejava comprar, moleques, muitos do seu grupo,
admoestando os passantes, outros observavam o Barão, que lá
vinha com a pança introjetada a frente, espaçoso que só ele,
achando-se maioral, distribuindo moedas aos pobres e mendigos,
forma de angariar, mais e mais vantagens de bonança, respeito e
servidão.
A festa confirmando que o Brasil era dos brasileiros. Bandeirolas, nos
diversos matizes, sacolejando os ares, fechando quarteirão,
faziam conjunto com as sombrinhas coloridas das madames e chapéus
pretos dos homens, somente as cores eram pardas nas
vestes dos negros, camisas e calças largas em algodão cru, a maioria descalço ou com empobrecidas sandálias poeirentas.
Continuou observar para onde caminhava o Barão. Passou a mão no corpo
magro, vestida em floral, com ombros e braços descobertos e joelhos a mostra. Ela se modificava a mulher. Ajeitou-se
provocativamente. Correu os dedos no cabelo sarará e ficou bem à frente do homem.
—
Sai do
caminho moleca, que queres tu, sai?
—
Senhor Barão está procurando mucama?
—
Não tens dono? Olhar
arisco para coxas e bunda quando ela revira o corpo.
—
Não, sou filha de escrava forra.
Livre,
Barão. Faço serviços caseiros, acompanhante e cuido de crianças,
se houver.
Ele
lambeu beiços, acostumado estava às orgias entre as negras de sua
senzala. Aquela ali, cor parda, abrasileirada. Seios saltavam mostrando beleza em pêssego e se emoldurava no
meio da praça.
—
Vem na minha caleça.
Lá no
engenho arrumo bom
serviço para tu na cozinha. Caminhas, sobe!
—
Sim, Senhor Barão, sim! Mostrando-se dócil aos aceites do
grotesco homem que lhe enojava nos gestos, nas
vestes, no tagarelar. Subiu
ligeira e consertou-se no assento ao lado do homem.
Seguiram
viagem. Negros à frente da caleça. Ele aproveitando mão
livre, após guardado lenço que lhe secou suor do rosto,
caminhou-a
vagarosamente sobre o banco até chegar ao colo da moça,
introduzindo-a
entre coxas, bem devagar.
Ela
não se mexeu. Era
moça donzela.
Barão faiscava brilho,
luminosidade, imaginava chegada à fazenda com o
fruto de tentação juvenil. Mão bandeava pela
escuridão.
A calça lhe apertando.
Ardia de felicidade, além dos prestígios na
corte, gozar
da
libertinagem que lhe aprouvesse.
Uns
vinte minutos da chegada, ela reconhecendo o lugar, disse,
necessitava receber antes, em moedas de ouro, para o trabalho
destinado.
Valor
adiantado, pois estava ao dispor do Barão. Que fosse já. Ele considerou
atrevimento da moça, mas
excitado, passou a mão ao
bolso e escorreram dois a três saquinhos de moedas nas
mãozinhas ansiosas.
Então,
em pulo
ágil saltou da caleça e fugiu nos
prados do Recôncavo, saltitante, balançando o dinheiro ao alto.
— Volte aqui com meu dinheiro, atrevida!
Ela
gritando, enquanto corria:
—
Viva a Independência!
Viva o Brasil! Viva a liberdade!