MATILDA
29/08/2017
Outono. Dama da
Noite espalha fragrância.
Matilda em frente à janela aberta, inspira o adocicado perfume que
embriaga a noite solitária. Escuta longe a musiquinha do celular do
marido. O som não vem coerente, vem entrecortado, solto, pensamentos se sobrepõem ao sonido, perfazendo caminho entre realidade e tormento. Que merda, porque ele não atende essa droga logo, repete a
si mesma, no momento em que a sintonia inicial quebrou-se.
Lentamente, é como imagina o marido atendendo ao chamado, no andar
acima. O jeito
insosso do marido, de quem esperava tanto. Quem ele pensa que é? Quem pensa estar enganando com o joguinho idiota? Sou alguma trouxa, me diga, sou? Se perguntava,
mente perturbante em descontrole. O plano segue, diz entre dentes.
Eleva o olhar para o andar de cima. Respira dor. Por instante fogem-lhe pensamentos. Agita o corpo, sente um estremecimento, frio, desconforto, esse
perfume enjoativo, ai, vontade de vomitar, agarra a garganta tentando
conter a ânsia. Calor descomunal ganha corpo. Ruído das folhas
de coqueiro arranhando o vidro. O vento atira frescor. Retoma ideias. Nada pode escapar, é seguir o planejado. Refaz cálculo mental,
minuciosamente, cada trajeto, conta minutos, cada detalhe. A hora chegou. Fecha a janela devagarinho, como se fechasse a cortina de um ato teatral.
Manhã.
Arruma-se maquinalmente. O compromisso exige roupas sóbrias e
confortáveis. Sapato salto médio, rosto com leve maquiagem.
Observa-se ao espelho, o rosto cadavérico lhe assomou o semblante. Faz alimentação rápida e sai. Não usa o próprio carro. Nem
pretende a facilidade do UBER. Sai à rua e sinaliza a certa
distância de casa para o táxi. Calmamente pronuncia o endereço,
sem especificar o local exato. Aqui está ótimo. Paga corrida. Desce e
sente leve tremor no corpo, ao mesmo tempo, um prazer lhe toma o
espírito. Decidida. Caminha alguns quarteirões, até número 369. Continua a caminhar, entra no supermercado.
Onze horas.
Compras feitas e postas no armário da loja.
Meio dia.
Toca interfone do apartamento 203. A voz pergunta quem é. Ela
diz ter encomenda para o local. Prédio simples, portão principal é destravado. Sabe da inexistência de câmera nos
arredores. Prefere escadaria. Ainda é tempo de desistir Matilda, voz soando ao ouvido. O plano segue exatamente o traçado, não ouça a voz da desistência, diz o outro lado. Continua a subir decidida.
Quando a mulher atende ao toque da campainha, vai entrando e o tiro direto ao coração. Fecha a porta. Joga arma em cima do
corpo.
Uma hora.
O marido entra no apartamento da amante e encontra o corpo sem
vida. Não toca a arma. A polícia
aparece. O homem é retirado do local
como suspeito do crime.
Matilda chega em casa. Retira pacientemente as compras e coloca na
despensa, o velho armário. Ao enfiar a mão no bolso da calça
encontra as luvas que usou ao atirar com revólver do marido.
Volta à janela. Tarde clara. Dama da Noite não transpira.
Ainda não!
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