segunda-feira, 6 de novembro de 2017

MATILDA

MATILDA
29/08/2017
     Outono. Dama da Noite espalha fragrância.

     Matilda em frente à janela aberta, inspira o adocicado perfume que embriaga a noite solitária. Escuta longe a musiquinha do celular do marido. O som não vem coerente, vem entrecortado, solto, pensamentos se sobrepõem ao sonido, perfazendo caminho entre realidade e tormento. Que merda, porque ele não atende essa droga logo, repete a si mesma, no momento em que a sintonia inicial quebrou-se.

     Lentamente, é como imagina o marido atendendo ao chamado, no andar acima. O jeito insosso do marido, de quem esperava tanto. Quem ele pensa que é? Quem pensa estar enganando com o joguinho idiota? Sou alguma trouxa, me diga, sou? Se perguntava, mente perturbante em descontrole. O plano segue, diz entre dentes.

    Eleva o olhar para o andar de cima. Respira dor. Por instante fogem-lhe pensamentos. Agita o corpo, sente um estremecimento, frio, desconforto, esse perfume enjoativo, ai, vontade de vomitar, agarra a garganta tentando conter a ânsia. Calor descomunal ganha corpo. Ruído das folhas de coqueiro arranhando o vidro. O vento atira frescor. Retoma ideias. Nada pode escapar, é seguir o planejado. Refaz cálculo mental, minuciosamente, cada trajeto, conta minutos, cada detalhe. A hora chegou. Fecha a janela devagarinho, como se fechasse a cortina de um ato teatral.

     Manhã.

      Arruma-se maquinalmente. O compromisso exige roupas sóbrias e confortáveis. Sapato salto médio, rosto com leve maquiagem. Observa-se ao espelho, o rosto cadavérico lhe assomou o semblante. Faz alimentação rápida e sai. Não usa o próprio carro. Nem pretende a facilidade do UBER. Sai à rua e sinaliza a certa distância de casa para o táxi. Calmamente pronuncia o endereço, sem especificar o local exato. Aqui está ótimo. Paga corrida. Desce e sente leve tremor no corpo, ao mesmo tempo, um prazer lhe toma o espírito. Decidida. Caminha alguns quarteirões, até número 369. Continua a caminhar, entra no supermercado.

     Onze horas.

     Compras feitas e postas no armário da loja.

     Meio dia.

     Toca interfone do apartamento 203. A voz pergunta quem é. Ela diz ter encomenda para o local. Prédio simples, portão principal é destravado. Sabe da inexistência de câmera nos arredores. Prefere escadaria. Ainda é tempo de desistir Matilda, voz soando ao ouvido. O plano segue exatamente o traçado, não ouça a voz da desistência, diz o outro lado. Continua a subir decidida.

     Quando a mulher atende ao toque da campainha, vai entrando e o tiro direto ao coração. Fecha a porta. Joga arma em cima do corpo. 

     Uma hora.
     
     O marido entra no apartamento da amante e encontra o corpo sem vida. Não toca a arma. A polícia aparece. O homem é retirado do local como suspeito do crime.

     Matilda chega em casa. Retira pacientemente as compras e coloca na despensa, o velho armário. Ao enfiar a mão no bolso da calça encontra as luvas que usou ao atirar com revólver do marido.

     Volta à janela. Tarde clara. Dama da Noite não transpira. Ainda não!

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