sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ACUMULADORA

   

   Desapareci da rede e somente agora pude ficar on line. Cuidados médicos com filha após tratamento cirúrgico. Praxe de mãe e como cansa. Nada nada me fazia ter ânimo para produzir postagem. Finalmente a recuperação em andamento e eu livre para olhar outros olhares.

   E já faz um tempo depois da última postagem que queria escrever uma descoberta minha: Também SOU ACUMULADORA! (me lembrando da última postagem).

   É isso mesmo, descobri que sou acumuladora. Livros, livros e mais livros, vou comprando, vou lendo lendo lendo e já fico de olho de novo nas novidades da área literária. Os grandes escritores não saem do meu pensamento, acho que se eu ler vou ficar potencializada, energizada com tal escrita e assim, conseguir elaborar escritos fundamentados.

   No fundo adoro ser leitora. Dizia, no tempo de jovem, que se trabalhasse numa biblioteca, ou numa livraria, não largaria livro para nada... Nem sei se quem trabalha numa livraria pode se dar ao luxo de ler exemplares a espera de potenciais clientes. Mas estar perto da produção, da escrita que amplia horizontes, ah, que sonho.

   Bom, apesar da descoberta, confesso que não tem nenhum livro que eu adquira que não leia. Vão para a estante somente os que forem lidos. Depois de algum tempo, aqueles que consigo abrir mão, doo, ou levo pro sebo e adquiro outros que tenho vontade de ler e estão esgotados.

   E a época em que mais consumo livros é a época do inverno. Quentura do lar, mais interioridade, ou mesmo brigas conjugais me levam a livros. Acho que li isso de Jorge Luis Borges "os livros são os bons companheiros da solidão". E estando bem acompanhada me deixo levar a mundos diferentes desfrutando novidades (nova idade?). É, pode ser, cada hora uma idade diferente, aventuras, fio da navalha, comédias, poesia, mesmo os poucos apetitosos pela aridez do tema, como política.

   Agora, por exemplo, surgiu a fase modernista de minha curiosidade. Oswald de Andrade com Memórias Sentimentais de João Miramar, Raul Bopp com sua Cobra Norato. E ouvi comentário sobre o livro "Angústia" de Graciliano Ramos, escrito no período e que traz conotações dessa fase conhecida como antropofágica. Além de divertir vou ampliando conhecimento da literatura e seu desmembramento na história brasileira.

   Estou abastecida de exemplares para o verão, primavera, outono, até o próximo inverno. Nada de novas aquisições até a leitura destes. Prometo!     

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

SAUDADE DAS VILAS E POVOADOS

   
   Estava auxiliando uma pessoa com a mudança de casa e fomos comprar alguns trecos que sempre faltam na faxina e alimentos de última hora. O guardador de mercadoria do supermercado emitiu suas considerações: Parece que é mudança ou faxina... Emendei um "os dois, a gente tem que faxinar, fazer o que!". O senhor fez outro comentário que não ouço usual: Que benção poder fazer uma faxina. Ter a casa limpinha. Minha mulher não consegue fazer mais nada, devido a diabetes. 

   Aí passei a conversar com ele como se fossemos velhos conhecidos, disse que entendia bem o que ele queria dizer, a pessoa fica fraquinha, perde a energia, a vontade, pois meu pai tinha diabetes e fazia hemodiálise. A mulher dele não tinha chegado a necessitar de um rim artificial.

   Continuando o papo eu disse que na verdade nenhuma doença é boa, pois interfere na nossa disposição para tudo e muda a realidade ao redor, infelizmente. Ele ainda disse que o pior era a esposa ser um pouco difícil, não seguir o tratamento, e ter por hábito ser acumuladora. Emendei um "é difícil mesmo!" Compras guardadas, nos despedimos e desejei que a esposa tivesse boa saúde.

   Alguns poderiam registrar a situação como trivial; perguntas, respostas, duas pessoas, sem qualquer vínculo. Mas não consegui tirar da cabeça o acontecido: 

   Primeiro, talvez uma outra pessoa achasse um atrevimento ele colocar seu ponto de vista a partir da compra feita, sendo ele o embalador.
  
   Segundo, os embaladores podem deduzir, a partir das compras feitas pelas pessoas, o significado daquelas compras: mudança, faxina, festa, churrasco, bebê a vista... a perder de vista as possibilidades.

   Terceiro, o que um senhor estaria fazendo, naquela idade (parecia ter mais de setenta), embalando compras de supermercado, aquela hora da noite? Possivelmente complementando renda, parca aposentadoria, e ainda corroída com medicamentos, tratamentos, alimentos com preço nas alturas. Ao invés de estar junto a esposa. Suposições.

   Quarto, aquele senhor, apesar da idade, está ali disposto, contribuindo com sua energia, já que a aposentadoria sem atividade também é bem chata. Qualquer trabalho é melhor que trabalho algum. O problema é se é boa a remuneração ou se é explorado. Bom, pode se supor que não tem uma qualificação profissional para exercer outro tipo de trabalho ou que por causa, exatamente da idade, ser relegado pelas empresas.

   Quinto, o embalador se apresentou atencioso e demonstrando necessidade de ser escutado. 

   Sexto, todos necessitam manter a convivência social e a cidade cada vez mais fria e distante. Esquecendo a vivência dos antigos povoados, das vilas, das pequenas localidades, onde ainda existe o elo de vizinhança.

   Sétimo, chegando em casa arrependi, podia ter conversado mais com ele, pois no trabalho voluntário com pessoas que estão com diabetes, realizei orientações sobre a convivência com a situação. 

   Oitavo, como uma pessoa pode achar fazer uma faxina uma benção? olha só que linda descrição desse trabalho desgastante e pouco valorizado.

   Nono, realmente é muito bom um ambiente arejado, cheirando a limpeza. A saúde agradece.

   Décimo, aquele diálogo se passou entre duas pessoas que se respeitaram e deram significação ao encontro.

   Acabou que as divagações tomaram ideia de mandamento. Afinal, parece que vamos nos esquecendo dele também neste mundo louco e corrido, onde pessoas se tornam cada vez mais individualistas. 

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A DITA CUJA DIZ PRESENTE

   

   Assisti o filme do Bergman, O Sétimo Selo, de 1957. Mesmo estando a película tão antiga, a voracidade e ânsia ao mostrar a angústia existencial do homem sobre as questões de vida e morte, sobre a existência de Deus e do diabo, dentre outras; o diretor consegue, em pleno século XXI, tornar presente em cada cena, a voracidade e ânsia que persistem hoje, onde fazemos as mesmas perguntas, temos as mesmas dúvidas, sobre religião, sobre a morte, sobre o que estamos a fazer aqui etc.

   O filme é em preto e branco e com isso, a aparição da dona Morte se faz mais tétrica, pavorosa e ameaçadoramente põe sua ferramenta de trabalho a funcionar. A foice branda sem dó. Nada de suave, macia. Fatal e na hora certa... pra ela, claro. A deixar por nossa conta, a terra estaria infestada de gente.

   E continua verdadeira a banalidade da vida, vivida e pretendida. E, ele (Bergman) se pergunta através do guerreiro que volta da cruzada, o que há a se viver, o que se pode fazer pra ter significado aquela existência antes da chamada certeira. Porque é tudo tão frívolo, tão sem consistência, tão empobrecido tudo. Como dar conta da morte, única verdade conhecida por nós e da qual nada sabemos?

   No filme, o guerreiro, nosso herói, tenta veemente encontrar a resposta pra suas angústias e se sacrifica até o último instante sem dar conta delas. Permanecem ipsis literis sem atender o chamado. Parte, contra a vontade, apesar da banalidade de vida que viveu, sem aceitação de que a morte é a verdade.

   Uma família do teatro mambembe consegue escapar da morte até aquele momento, mas a estrada é perigosa, viver é muito perigoso, como diz Guimarães Rosa. A morte estará brejeira, na hora certa. Sem choro nem vela!

   Mesmo assim, o diretor ironicamente consegue nos fazer dar boas risadas numa comicidade que nada tem de engraçada.

   Então saí da sala de cinema bastante leve e satisfeita com a boa noite que Bergman me proporcionou... mesmo em se tratando dela.   

terça-feira, 3 de novembro de 2015

ESTRADA ENTRANHADA EM NÓS

   

   Dia de Finados. E o dia mereceu o sinônimo. Nublado, com chuvinha intermitente e friozinho neste dois de novembro em Floripa. Bem que o relato só mostra o aspecto climático, básico, explicável.

   Noutra vertente, para aqueles que festejam o dia, no sentido da veneração, lembrança, saudade, recordação, dores e outros ais, o que se passa neste dia vai além da contemplação. O extremo do sentimento de perda que perpetua e a cada ano, a conversa com quem partiu ainda traz alentos para quem nesta vida veleja. É preciso navegar.

   Como suportar o fardo da não-presença do outro que significa tanto, e inclusive ainda, a cada dia, e, mais ainda no seu dia? É doloroso o sentimento que domina. O que impera é o respeito a todo e possível clero. A hora é de oração para que aquele que descansa ore por nós que ainda permanecemos até que soe a hora. Amém!

   E neste dia de Finados, feriado, o dia foi discreto nos eventos. As leituras caminham e nada de trabalho por hoje. 

   Por sinal, li o livro que traz o conto do Guimarães Rosa que se refere a questão da morte vista por sua "chapeuzinho vermelho". O livro Fita Verde no Cabelo, nova velha estória, da Editora Nova Fronteira, de 2012. Ah, quanta doçura na escrita de Guimarães Rosa, quanta simplicidade, e delícia no prosear, e do que gostei mais foi quando ele disse "...velhos e velhas que velhavam...".

   A história contada por ele desemboca com a questão da morte vista por uma criança que vê a avozinha dar os últimos suspiros.  Quanta delicadeza ao mostrar a realidade que a partir daí será a constante na vida de toda e qualquer pessoa, mas ao olhar daquela criança parece que nem um lobo. 

   Na verdade, não são só as crianças que veem a morte com tanto pavor. A nós, adultos, ainda é presente a não-aceitação desta condição sine qua non legada a todos os homens e mulheres de boa vontade (e com má vontade também). Amém!