sexta-feira, 13 de novembro de 2015

SAUDADE DAS VILAS E POVOADOS

   
   Estava auxiliando uma pessoa com a mudança de casa e fomos comprar alguns trecos que sempre faltam na faxina e alimentos de última hora. O guardador de mercadoria do supermercado emitiu suas considerações: Parece que é mudança ou faxina... Emendei um "os dois, a gente tem que faxinar, fazer o que!". O senhor fez outro comentário que não ouço usual: Que benção poder fazer uma faxina. Ter a casa limpinha. Minha mulher não consegue fazer mais nada, devido a diabetes. 

   Aí passei a conversar com ele como se fossemos velhos conhecidos, disse que entendia bem o que ele queria dizer, a pessoa fica fraquinha, perde a energia, a vontade, pois meu pai tinha diabetes e fazia hemodiálise. A mulher dele não tinha chegado a necessitar de um rim artificial.

   Continuando o papo eu disse que na verdade nenhuma doença é boa, pois interfere na nossa disposição para tudo e muda a realidade ao redor, infelizmente. Ele ainda disse que o pior era a esposa ser um pouco difícil, não seguir o tratamento, e ter por hábito ser acumuladora. Emendei um "é difícil mesmo!" Compras guardadas, nos despedimos e desejei que a esposa tivesse boa saúde.

   Alguns poderiam registrar a situação como trivial; perguntas, respostas, duas pessoas, sem qualquer vínculo. Mas não consegui tirar da cabeça o acontecido: 

   Primeiro, talvez uma outra pessoa achasse um atrevimento ele colocar seu ponto de vista a partir da compra feita, sendo ele o embalador.
  
   Segundo, os embaladores podem deduzir, a partir das compras feitas pelas pessoas, o significado daquelas compras: mudança, faxina, festa, churrasco, bebê a vista... a perder de vista as possibilidades.

   Terceiro, o que um senhor estaria fazendo, naquela idade (parecia ter mais de setenta), embalando compras de supermercado, aquela hora da noite? Possivelmente complementando renda, parca aposentadoria, e ainda corroída com medicamentos, tratamentos, alimentos com preço nas alturas. Ao invés de estar junto a esposa. Suposições.

   Quarto, aquele senhor, apesar da idade, está ali disposto, contribuindo com sua energia, já que a aposentadoria sem atividade também é bem chata. Qualquer trabalho é melhor que trabalho algum. O problema é se é boa a remuneração ou se é explorado. Bom, pode se supor que não tem uma qualificação profissional para exercer outro tipo de trabalho ou que por causa, exatamente da idade, ser relegado pelas empresas.

   Quinto, o embalador se apresentou atencioso e demonstrando necessidade de ser escutado. 

   Sexto, todos necessitam manter a convivência social e a cidade cada vez mais fria e distante. Esquecendo a vivência dos antigos povoados, das vilas, das pequenas localidades, onde ainda existe o elo de vizinhança.

   Sétimo, chegando em casa arrependi, podia ter conversado mais com ele, pois no trabalho voluntário com pessoas que estão com diabetes, realizei orientações sobre a convivência com a situação. 

   Oitavo, como uma pessoa pode achar fazer uma faxina uma benção? olha só que linda descrição desse trabalho desgastante e pouco valorizado.

   Nono, realmente é muito bom um ambiente arejado, cheirando a limpeza. A saúde agradece.

   Décimo, aquele diálogo se passou entre duas pessoas que se respeitaram e deram significação ao encontro.

   Acabou que as divagações tomaram ideia de mandamento. Afinal, parece que vamos nos esquecendo dele também neste mundo louco e corrido, onde pessoas se tornam cada vez mais individualistas. 

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