Aí passei a conversar com ele como se fossemos velhos conhecidos, disse que entendia bem o que ele queria dizer, a pessoa fica fraquinha, perde a energia, a vontade, pois meu pai tinha diabetes e fazia hemodiálise. A mulher dele não tinha chegado a necessitar de um rim artificial.
Continuando o papo eu disse que na verdade nenhuma doença é boa, pois interfere na nossa disposição para tudo e muda a realidade ao redor, infelizmente. Ele ainda disse que o pior era a esposa ser um pouco difícil, não seguir o tratamento, e ter por hábito ser acumuladora. Emendei um "é difícil mesmo!" Compras guardadas, nos despedimos e desejei que a esposa tivesse boa saúde.
Alguns poderiam registrar a situação como trivial; perguntas, respostas, duas pessoas, sem qualquer vínculo. Mas não consegui tirar da cabeça o acontecido:
Primeiro, talvez uma outra pessoa achasse um atrevimento ele colocar seu ponto de vista a partir da compra feita, sendo ele o embalador.
Segundo, os embaladores podem deduzir, a partir das compras feitas pelas pessoas, o significado daquelas compras: mudança, faxina, festa, churrasco, bebê a vista... a perder de vista as possibilidades.
Terceiro, o que um senhor estaria fazendo, naquela idade (parecia ter mais de setenta), embalando compras de supermercado, aquela hora da noite? Possivelmente complementando renda, parca aposentadoria, e ainda corroída com medicamentos, tratamentos, alimentos com preço nas alturas. Ao invés de estar junto a esposa. Suposições.
Quarto, aquele senhor, apesar da idade, está ali disposto, contribuindo com sua energia, já que a aposentadoria sem atividade também é bem chata. Qualquer trabalho é melhor que trabalho algum. O problema é se é boa a remuneração ou se é explorado. Bom, pode se supor que não tem uma qualificação profissional para exercer outro tipo de trabalho ou que por causa, exatamente da idade, ser relegado pelas empresas.
Quinto, o embalador se apresentou atencioso e demonstrando necessidade de ser escutado.
Sexto, todos necessitam manter a convivência social e a cidade cada vez mais fria e distante. Esquecendo a vivência dos antigos povoados, das vilas, das pequenas localidades, onde ainda existe o elo de vizinhança.
Sétimo, chegando em casa arrependi, podia ter conversado mais com ele, pois no trabalho voluntário com pessoas que estão com diabetes, realizei orientações sobre a convivência com a situação.
Nono, realmente é muito bom um ambiente arejado, cheirando a limpeza. A saúde agradece.
Décimo, aquele diálogo se passou entre duas pessoas que se respeitaram e deram significação ao encontro.
Acabou que as divagações tomaram ideia de mandamento. Afinal, parece que vamos nos esquecendo dele também neste mundo louco e corrido, onde pessoas se tornam cada vez mais individualistas.
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