quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

IDADE DE SENHORA IV

IDADE DE SENHORA IV
13/02/2019

       Tentei marcar um fisioterapeuta pelo plano de saúde, que dificuldade. Não se acha. A maioria dizia, somente atendimento particular. Atendimento particular marcado.

    ― O doutor já irá atendê-la. Aguarde um instante, ― gentilmente a secretária falou.

     ― Vamos senhora, ― o fisioterapeuta chamando à porta e me conduzindo ao estúdio com aparelhagem apropriada, amparando minha mão com todo cuidado. ― O que posso fazer pela senhora, está com dores?

   O senhora me soou familiar e a forma como me conduziu ao consultório considerei exagero. O fisioterapeuta realmente era bem jovem. 


   ― Sou Marcus, o fisioterapeuta, ― ainda disse.


   ― O ortopedista fez uma recomendação para sessões de fisioterapia, eis o pedido e os exames. ― Contei todo o ocorrido.


   ― Deixa eu ver os exames primeiro. A partir deles saberei se a senhora precisará de sessões. Hum, esse médico gosta de rabiscar exames, hein.


   ― Ele fez umas medições, disse ser importantes.


   ― Pelo que vejo aqui, a senhora teve sorte, um disco foi lesado, mas já estabilizado. Tem realmente a curvatura muito intensa da coluna lombar e pessoas com tal fisiologia sentem mais dores. Está doendo muito?


   ― Não mais. Melhorou bastante. Vim porque ele exigiu que fizesse fisioterapia.


   ― A senhora está fazendo exercícios?

   Expliquei pausado o que me atrevi a fazer, e que interrompi após pedido do ortopedista.


   ― Pelo que vejo aqui, a senhora não necessitará de sessões de fisioterapia. Somente esta será suficiente. Toda consulta já é em si uma sessão e a senhora sairá daqui após os exercícios necessários.


   ― Tem certeza de que não preciso? o ortopedista insistiu que fizesse dez sessões. Bem disse que provavelmente o fisioterapeuta iria modificar a prescrição dele.


   ― Médicos não entendem de fisioterapia. Os pacientes estariam perdidos se dependessem deles. Não estudaram essa parte da medicina, para isso existe o fisioterapeuta.


   ― Realmente médico se considera com domínio do "saber médico" para definir diagnósticos. ― eu disse.


   ― Bem, a senhora terá de fazer exercícios para fortalecer a musculatura que protege a coluna por toda a vida. Aqui mostra, está flácida. Isso não pode ocorrer, com a idade vem também problemas de osteoporose. Gosta de academia? Musculação?


   ― O ortopedista me orientou fazer Pilates, disse ser o adequado para a idade. Não gosto de Pilates, prefiro musculação, mas ele disse que era proibitivo. Não quero saber de academias também, prefiro academia da cidade. 


   ― Não adianta fazer Pilates se não gosta. Existe vários tipos de musculação. Você pode fazer sim. Não tem nada aqui que a contraindique. Se não quer academia de ginástica, pode fazer a musculação terapêutica ou a da cidade. Vou te encaminhar, e você decide. 


   Após exercícios de alongamento saí da sessão satisfeita, me sentindo outra e decidida a conhecer o tal método terapêutico. E, à saída, eu ainda disse ser ele a segunda pessoa que eu conhecia com aquele nome, com "U", o outro foi o primeiro namorado.


   ― Agora a senhora conhece dois. ― Despediu-se o fisioterapeuta. 
 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

VISITAS DE TIRAR O FÔLEGO

VISITAS DE TIRAR O FÔLEGO
11/02/2019

       Receberam duas visitas inusitadas. Mãe uruguaia e filha argentina. Figuras que se poderia nomear estelionatárias, do tipo 171.
            Recebiam hóspedes, competindo com hotéis e pousadas locais.
            ― Acorda, tem duas mulheres na porta perguntando se tem vaga para hospedagem. ― O marido acordou a esposa aos sobressaltos. Assustada levantou de pronto, e foi à porta.
            ― Ficamos sabendo que vocês alugam pelo aplicativo. Estávamos passando e vimos a casa, minha filha é boa para observações, tinha visto na internet e lembrou-se da varanda, do estilo, tinha certeza de ser esta. Sabemos que tem outras para aquele lado e aquele outro ponto, mas preferimos aqui.
            ― Alguém indicou vocês?
           ― Algumas pessoas comentaram. Na verdade estamos no hotel próximo e gostaríamos de ficar mais dias mas lá está completamente lotado. O cartão de meu filho não passou, o outro filho que ficou em casa, por isso não pudemos fazer reserva pelo aplicativo. A pulseira provando que estamos no hotel ― mostrou a pulseira vermelha, sendo seguida pela filha. ― Quanto cobra?
            Comunicou o preço para três dias, pagamento antecipado.
A mulher concordou. A filha, tímida, nada falava, ou concordava com a cabeça.
            ― E também que você e o esposo administravam.
            ― Os filhos também.
            ― Ah, tem os filhos. Pensamos que fossem somente os dois.
            Quando foram buscar a bagagem, a anfitriã comentou com os familiares:
            ― Achei alguma coisa estranha.
            Retornaram duas horas depois. Pagaram. A filha falava razoável portunhol e a mãe parecia ter mais dificuldade. Enquanto entravam a dona da casa começou a hablar español con ellas. Foi explicando que somente o desayuno estava incluso, o que ficaram surpreendidas, que bom, oh! e aos sorrisos. Como estavam sem almoçar, deixaria a explicação do funcionamento da casa quando retornassem, falou a anfitriã.
            As mulheres se apresentaram.
            ― Eu sou Luz dos Pilares e minha filha Luz de Nise.
O filho solícito as acompanhou até o self service próximo e por lá ficou, retornando com elas. Logo em seguida, levou-as à praia cerca de quatro quilômetros. Ficaram por lá até fim de tarde. Quando chegaram, as mulheres solicitaram chá com bolo, disseram ser costume argentino. Elogiaram o saboroso bolo de chocolate, como era feito, tão fofo, o segredo era bater bem? Precisava aprender, disse a uruguaia. À noite, o filho ciceroneou até à pizzaria. Dormiram tranquilas e saciadas.
            Pela manhã, a dona da casa foi orientar sobre o café da manhã, ainda de pijama. Cara sonolenta. O uso da cafeteira é assim, o fogão desse jeito, o leite aqui, frutas acolá, a geladeira, utensílios sobre o buffet, pães, bolo e o que mais era oferecido.
         ― Desculpe ter te acordado tão cedo. ― Eram oito da manhã, ― mas não sabíamos como funcionava o café. ― a mãe uruguaia disse educadamente.
            ― Sem problema. Ontem não expliquei. Vou aproveitar e tomar café também.
            Sentaram-se à mesa.
            ― Não entendi bem como vocês não conseguiram vaga no hotel. Principalmente porque a porcentagem de hóspedes argentinos caiu muito na cidade.
            ― Não avisamos o hotel com antecedência e quando vimos estava lotado.
          ― Que ótima notícia para o pessoal do hotel, deve estar bem satisfeito. E por lá, o que estão achando do Macri?
            A mulher respondeu o que é de conhecimento de todos, a Argentina está na bancarrota, um presidente que favorece a elite. Pobreza e miseráveis em ascensão. Hum real equivalente a onze pesos.
            ― Não acredito. Quem iria imaginar o real se sobrepor ao peso nesse nível. Lembro o auge da Argentina, orgulhosa de sua ascendência europeia, agora nessa miséria. No Brasil não está diferente, muito desemprego.
            Fechada primeira diária. Despediram-se e foram à praia. Chegaram à tarde, quiseram café e chá, com bolo. Está delicioso.
A anfitriã explicou que normalmente apenas o café da manhã estava incluído na diária. A mulher pareceu não gostar da observação:
            ― Eu pago o café extra, não tem problema algum.
            À noite, a mulher saiu com amigos e a filha ficou na casa, se não teria problema. Nenhum. A moça, vinte e dois anos, ficou a tarde inteira e a noite à mesa de refeições e se mostrou completamente ambientada, respondendo e também perguntando, e comendo, e muito tranquila. A mãe tinha cinquenta e seis anos, dentista, o irmão também, trabalhavam juntos, e ela também estudava odonto. E explicava que não gostavam de alimentos muito doces, e acharam os hábitos da casa saudáveis. E bolos deliciosos. O de amanhã, essa broa de fubá, como está bonita, e que formato perfeito, só de olhar, agrada.
            A mulher retornou. O amigo a trouxe de carona. Aproximou-se da mesa:
            ― Minha filha deu trabalho?
           ― Ela é tranquila. E agora entendemos por que vocês não gostam de doces, você é dentista. ― falou a dona da casa e percebeu um risinho indecifrável na mulher.
            Cumprimentaram-se e foram para o quarto.
            O marido pela manhã:
        ― Acorda que deu zebra, a mulher está alegando que foi roubada, que sumiu dinheiro, passagem, tudo desapareceu. ― no fechamento da segunda diária, aquele alvoroço. A esposa acordou abrupta e foi ao quarto. Bateu. A mulher abriu a porta já aos gritos.
            ― Fui roubada, alguém entrou no quarto, desapareceram materiais de odonto que eu tinha comprado, material caro, sumiu dinheiro, passagem aérea, bem que eu não queria me hospedar em casa de família, tirei fotos ontem à tarde, você entrou de manhã para a limpeza do quarto com outra chave, por isso tirei as fotos à tarde e na foto tem o lençol da cama, as malas tinham cadeado, mas a noite minha filha não quis trancar, deu nisso, ela insistiu em vir para cá, por isso bato muito nela, ― e exigia todo dinheiro de volta, que iria denunciar, naquela casa tinha ladrão, e ao mesmo tempo, socava a filha, dava tapas desconexos, ― para você aprender a não dar palpite, por que fui te escutar, já bati muito nela, a coxa está roxa, mostra para ela ― a filha mostrava a perna.
            A anfitriã acompanhou com os olhos a confusão do espaço caseiro. Cama desarrumada com sapatos em cima e badulaques espalhados, a mulher aos berros, em descontrole, como se tomada pelo demônio.
Manteve controle sobre o teatro armado, escutou a mulher até que os ânimos se esgotaram e depois, defendendo-se, informou que em hipótese nenhuma devolveria as diárias utilizadas, poderia sim, devolver a terceira diária não utilizada, como faria com qualquer hóspede. E que a polícia já tinha sido acionada. Devolveu o dinheiro. Pediu para ver a foto e a mulher, nervosa, mostro apenas a polícia. Que seja. Fechou a porta. Os filhos ficaram atentos até chegada dos policiais. A anfitriã retornou ao seu quarto, trocou de roupa, lavou o rosto, e foi avisada que os policiais chegaram. O marido foi atendê-los.
        Todos se encaminharam para fora de casa, inclusive a mãe uruguaia e a filha argentina, carregando as bagagens e dizendo:
            ― Não quero ficar um minuto a mais nesta casa. Vou para um hotel que me sinta protegida, senhor policial tem algum que possa me indicar.
            ― Antes a senhora terá que responder algumas perguntas, pois fomos chamados para uma ocorrência.
            ― Eu estudei muitos anos em Santa Maria, fiz aperfeiçoamento. ― De repente, a mulher falava idioma bem próximo ao português, compreendendo perfeitamente as solicitações. ― Sumiram materiais profissionais.
            ― Somente isso desapareceu? Inquiriu o policial.
            ― Somente. ― Confirmou a mulher.
           ― Ela me disse que tinha desaparecido dinheiro e passagem aérea também, ― falou a dona da casa.
          ― Agora vamos fazer as perguntas para ela. Depois será a vez dos donos da casa, ― o policial.
            ― Ela alegou que tirou fotos e aparecia o lençol e também não devolveu a chave da casa. ― insistiu a anfitriã.
            ― A senhora pode mostrar a foto? ― o policial intimou.
            ― Pensei que estava no meu celular. Acho que está no de minha filha. Vou falar com ela. ― Foi até a moça, conversaram, e retornou ― ela diz que apagou, não queria confusão. Vou chamar Uber, quero sair daqui o mais rápido possível. Quais meus direitos?
            ― A senhora pode fazer denúncia se tiver como provar. Tem contrato? ― falou o policial.
            ― Não. Eu sei que as coisas estão difíceis por aqui e na Argentina, eu entendo. ― A mulher estava amansada, mas aflita para ir para um hotel. ― O senhor não conhece uma boa pousada ou algum hotel de qualidade, onde se possa ficar bem instalada? A uruguaia repetia.
            ― Por que não vai para a casa do seu amigo. ― A anfitriã atrevida.
            ― Não quero amolar. Ele tem as obrigações. Mas a casa dele está disponível, se eu quisesse. ― A uruguaia falou ríspida. O Uber chegou.
            ― Ela não devolveu a chave. ― marcou a anfitriã.
            ― A senhora devolva a chave.  Disse o policial. ― Mãe e filha passaram a revirar roupas a procura.
            ― A senhora não poderá ir enquanto não devolver. Assine a ocorrência, falou o policial.
            Finalmente, foram-se. Os policiais também.
            As visitas deixaram rastros. Foi uma manhã estressante e incomum. À tarde, a anfitriã foi ao hotel:
            ― Sabe informar se o hotel estava lotado na quarta-feira passada?
            ― Estávamos com muitas vagas, somente hoje está mais cheio, com oitenta por cento da capacidade. ― confirmou o recepcionista.
            Chegando em casa, perguntou ao filho:
            ― A moça deu em cima de você?
            ― Deu, mas eu estava com pensamento longe. Não colou. Além do que, você já tinha exigido profissionalismo.
            A anfitriã passou a tarde pensativa. Depois disse à família:
            ― Elas tiveram dois dias de paz e aconchego, livres de angústia e bem alimentadas.