VISITAS
DE TIRAR O FÔLEGO
11/02/2019
Receberam
duas visitas inusitadas. Mãe uruguaia e filha argentina. Figuras que se poderia
nomear estelionatárias, do tipo 171.
Recebiam
hóspedes, competindo com hotéis e pousadas locais.
―
Acorda, tem duas mulheres na porta perguntando se tem vaga para hospedagem. ― O
marido acordou a esposa aos sobressaltos. Assustada levantou de pronto, e foi à
porta.
―
Ficamos sabendo que vocês alugam pelo aplicativo. Estávamos passando e vimos a
casa, minha filha é boa para observações, tinha visto na internet e lembrou-se
da varanda, do estilo, tinha certeza de ser esta. Sabemos que tem outras para
aquele lado e aquele outro ponto, mas preferimos aqui.
―
Alguém indicou vocês?
―
Algumas pessoas comentaram. Na verdade estamos no hotel próximo e gostaríamos
de ficar mais dias mas lá está completamente lotado. O cartão de meu filho não
passou, o outro filho que ficou em casa, por isso não pudemos fazer reserva
pelo aplicativo. A pulseira provando que estamos no hotel ― mostrou a pulseira
vermelha, sendo seguida pela filha. ― Quanto cobra?
Comunicou
o preço para três dias, pagamento antecipado.
A mulher concordou. A filha, tímida,
nada falava, ou concordava com a cabeça.
―
E também que você e o esposo administravam.
―
Os filhos também.
―
Ah, tem os filhos. Pensamos que fossem somente os dois.
Quando
foram buscar a bagagem, a anfitriã comentou com os familiares:
―
Achei alguma coisa estranha.
Retornaram
duas horas depois. Pagaram. A filha falava razoável portunhol e a mãe parecia
ter mais dificuldade. Enquanto entravam a dona da casa começou a hablar español con ellas. Foi explicando
que somente o desayuno estava
incluso, o que ficaram surpreendidas, que bom, oh! e aos sorrisos. Como estavam
sem almoçar, deixaria a explicação do funcionamento da casa quando retornassem, falou a anfitriã.
As
mulheres se apresentaram.
―
Eu sou Luz dos Pilares e minha filha Luz de Nise.
O filho solícito as
acompanhou até o self service próximo
e por lá ficou, retornando com elas. Logo em seguida, levou-as à praia cerca de
quatro quilômetros. Ficaram por lá até fim de tarde. Quando chegaram, as
mulheres solicitaram chá com bolo, disseram ser costume argentino. Elogiaram o
saboroso bolo de chocolate, como era feito, tão fofo, o segredo era bater bem?
Precisava aprender, disse a uruguaia. À noite, o filho ciceroneou até à
pizzaria. Dormiram tranquilas e saciadas.
Pela
manhã, a dona da casa foi orientar sobre o café da manhã, ainda de pijama. Cara
sonolenta. O uso da cafeteira é assim, o fogão desse jeito, o leite aqui,
frutas acolá, a geladeira, utensílios sobre o buffet, pães, bolo e o que mais era oferecido.
―
Desculpe ter te acordado tão cedo. ― Eram oito da manhã, ― mas não sabíamos
como funcionava o café. ― a mãe uruguaia disse educadamente.
―
Sem problema. Ontem não expliquei. Vou aproveitar e tomar café também.
Sentaram-se
à mesa.
―
Não entendi bem como vocês não conseguiram vaga no hotel. Principalmente porque
a porcentagem de hóspedes argentinos caiu muito na cidade.
―
Não avisamos o hotel com antecedência e quando vimos estava lotado.
―
Que ótima notícia para o pessoal do hotel, deve estar bem satisfeito. E por lá,
o que estão achando do Macri?
A
mulher respondeu o que é de conhecimento de todos, a Argentina está na
bancarrota, um presidente que favorece a elite. Pobreza e miseráveis em ascensão.
Hum real equivalente a onze pesos.
―
Não acredito. Quem iria imaginar o real se sobrepor ao peso nesse nível. Lembro
o auge da Argentina, orgulhosa de sua ascendência europeia, agora nessa
miséria. No Brasil não está diferente, muito desemprego.
Fechada
primeira diária. Despediram-se e foram à praia. Chegaram à tarde, quiseram café
e chá, com bolo. Está delicioso.
A anfitriã explicou que
normalmente apenas o café da manhã estava incluído na diária. A mulher pareceu
não gostar da observação:
―
Eu pago o café extra, não tem problema algum.
À noite, a mulher saiu com amigos e a
filha ficou na casa, se não teria problema. Nenhum. A moça, vinte e dois anos,
ficou a tarde inteira e a noite à mesa de refeições e se mostrou completamente
ambientada, respondendo e também perguntando, e comendo, e muito tranquila. A
mãe tinha cinquenta e seis anos, dentista, o irmão também, trabalhavam juntos,
e ela também estudava odonto. E explicava que não gostavam de alimentos muito
doces, e acharam os hábitos da casa saudáveis. E bolos deliciosos. O de amanhã,
essa broa de fubá, como está bonita, e que formato perfeito, só de olhar, agrada.
A
mulher retornou. O amigo a trouxe de carona. Aproximou-se da mesa:
―
Minha filha deu trabalho?
―
Ela é tranquila. E agora entendemos por que vocês não gostam de doces, você é
dentista. ― falou a dona da casa e percebeu um risinho indecifrável na mulher.
Cumprimentaram-se
e foram para o quarto.
O
marido pela manhã:
―
Acorda que deu zebra, a mulher está alegando que foi roubada, que sumiu
dinheiro, passagem, tudo desapareceu. ― no fechamento da segunda diária, aquele
alvoroço. A esposa acordou abrupta e foi ao quarto. Bateu. A mulher abriu a
porta já aos gritos.
―
Fui roubada, alguém entrou no quarto, desapareceram materiais de odonto que eu
tinha comprado, material caro, sumiu dinheiro, passagem aérea, bem que eu não
queria me hospedar em casa de família, tirei fotos ontem à tarde, você entrou
de manhã para a limpeza do quarto com outra chave, por isso tirei as fotos à
tarde e na foto tem o lençol da cama, as malas tinham cadeado, mas a noite
minha filha não quis trancar, deu nisso, ela insistiu em vir para cá, por isso
bato muito nela, ― e exigia todo dinheiro de volta, que iria denunciar, naquela
casa tinha ladrão, e ao mesmo tempo, socava a filha, dava tapas desconexos, ―
para você aprender a não dar palpite, por que fui te escutar, já bati muito
nela, a coxa está roxa, mostra para ela ― a filha mostrava a perna.
A
anfitriã acompanhou com os olhos a confusão do espaço caseiro. Cama desarrumada
com sapatos em cima e badulaques espalhados, a mulher aos berros, em
descontrole, como se tomada pelo demônio.
Manteve controle sobre o
teatro armado, escutou a mulher até que os ânimos se esgotaram e depois,
defendendo-se, informou que em hipótese nenhuma devolveria as diárias
utilizadas, poderia sim, devolver a terceira diária não utilizada, como faria
com qualquer hóspede. E que a polícia já tinha sido acionada. Devolveu o
dinheiro. Pediu para ver a foto e a mulher, nervosa, mostro apenas a polícia.
Que seja. Fechou a porta. Os filhos ficaram atentos até chegada dos policiais. A
anfitriã retornou ao seu quarto, trocou de roupa, lavou o rosto, e foi avisada
que os policiais chegaram. O marido foi atendê-los.
Todos
se encaminharam para fora de casa, inclusive a mãe uruguaia e a filha
argentina, carregando as bagagens e dizendo:
―
Não quero ficar um minuto a mais nesta casa. Vou para um hotel que me sinta
protegida, senhor policial tem algum que possa me indicar.
―
Antes a senhora terá que responder algumas perguntas, pois fomos chamados para
uma ocorrência.
―
Eu estudei muitos anos em Santa Maria, fiz aperfeiçoamento. ― De repente, a
mulher falava idioma bem próximo ao português, compreendendo
perfeitamente as solicitações. ― Sumiram materiais profissionais.
―
Somente isso desapareceu? Inquiriu o policial.
―
Somente. ― Confirmou a mulher.
―
Ela me disse que tinha desaparecido dinheiro e passagem aérea também, ― falou a
dona da casa.
―
Agora vamos fazer as perguntas para ela. Depois será a vez dos donos da casa, ―
o policial.
―
Ela alegou que tirou fotos e aparecia o lençol e também não devolveu a chave da
casa. ― insistiu a anfitriã.
―
A senhora pode mostrar a foto? ― o policial intimou.
―
Pensei que estava no meu celular. Acho que está no de minha filha. Vou falar
com ela. ― Foi até a moça, conversaram, e retornou ― ela diz que apagou, não queria confusão. Vou chamar Uber, quero sair daqui o mais rápido possível.
Quais meus direitos?
―
A senhora pode fazer denúncia se tiver como provar. Tem contrato? ― falou o
policial.
―
Não. Eu sei que as coisas estão difíceis por aqui e na Argentina, eu entendo. ― A
mulher estava amansada, mas aflita para ir para um hotel. ― O senhor não
conhece uma boa pousada ou algum hotel de qualidade, onde se possa ficar bem
instalada? A uruguaia repetia.
―
Por que não vai para a casa do seu amigo. ― A anfitriã atrevida.
―
Não quero amolar. Ele tem as obrigações. Mas a casa dele está disponível, se eu quisesse. ― A uruguaia falou ríspida. O Uber chegou.
―
Ela não devolveu a chave. ― marcou a anfitriã.
―
A senhora devolva a chave. ― Disse o policial. ― Mãe e filha passaram
a revirar roupas a procura.
―
A senhora não poderá ir enquanto não devolver. Assine a ocorrência, falou o
policial.
Finalmente,
foram-se. Os policiais também.
As
visitas deixaram rastros. Foi uma manhã estressante e incomum. À tarde, a
anfitriã foi ao hotel:
―
Sabe informar se o hotel estava lotado na quarta-feira passada?
―
Estávamos com muitas vagas, somente hoje está mais cheio, com oitenta por cento
da capacidade. ― confirmou o recepcionista.
Chegando
em casa, perguntou ao filho:
―
A moça deu em cima de você?
―
Deu, mas eu estava com pensamento longe. Não colou. Além do que, você já tinha
exigido profissionalismo.
A
anfitriã passou a tarde pensativa. Depois disse à família:
― Elas tiveram dois dias de paz e
aconchego, livres de angústia e bem alimentadas.