terça-feira, 18 de dezembro de 2018

SAUDADE DE TAIGUARA

   Redescobri Taiguara... Há muito não me empolgava ouvir música enquanto em outra atividade. Mas, nesse dia, o CD duplo do artista entoava as cantigas dos anos setenta. Relembrei Taiguara. Que ótimo retorno! Ele se foi tão jovem ainda. E quem o trouxe a mim foi Eliane Potiguara, de quem estava lendo um texto bem interessante sobre a questão da referência da e do indígena. Empoderar todas e todos indígenas, valorizar a linguagem mãe, dar voz ao verdadeiro idioma brasileiro, não valorizado por nós. 

   Através da feminista, de origem indígena. A novidade, para mim, foi descobrir que Taiguara tinha ascendência indígena também. E que Taiguara e Eliane Potiguara foram casados. A gente que viveu a época da ditadura se recorda de como se incomodavam com a militância desse engajado homem. E ele queria cantar.

  Queria cantar o amor, a liberdade, o direito à palavra. E, constatamos como está atual esse nosso aguerrido cantor, compositor, ativista. Cada estrofe, cada verso, cada palavra, toma força irradiante a quem escuta. Veja bem, a quem escuta! Porque existe diferença muito grande entre ouvir e escutar, não é mesmo!

   Taiguara me fez tão bem. Cantei junto. Energizada, me transformei. Eu tinha vinte anos. Eu queria lutar por direitos e deveres iguais para todas e todos. Eu quero lutar por direitos e deveres iguais. Vou continuar na luta por direitos e deveres iguais para todas e todos. Eliane Potiguara é uma garota! Eu sou uma garota! 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

IDADE DE SENHORA II

IDADE DE SENHORA II
11/12/2018
   Retorno ao ortopedista.

   Aguardo na saleta. De repente o doutor passa apressado por mim e pela secretária e diz, surgiu um imprevisto, aguarde mais alguns minutos e desapareceu.

   — Deve ter acontecido algo grave, ele não é disso. — Disse a secretária.

   Meia hora depois.

   — Fiz a senhora esperar demais, vamos entrando junto comigo. — Fechou a porta do consultório. — Eu nem me lembrava que tinha esquecido o cartão no banco quando o pessoal de lá me telefonou.

   — Esquecimento é algo que tem me acontecido também. Sem problema, Doutor.

   — E como vão os trinta e oito? — Disse após leitura rápida dos dados pelo computador.

   — Achei super interessante este modo de ver. E bem diferente.

   — Eu me preocupo demais com meus pacientes. Quero sempre o melhor para eles e faço de tudo para encontrar soluções que melhorem seu tempo de vida, afinal, velho é quem já morreu, não é mesmo?

   — Verdade! — respondi, enquanto o médico analisava os raios X da coluna cervical e lombar. — Você poderia me explicar o que vê nos exames, onde estão os osteófitos e se terei que operar?

   — Não se preocupe com o diagnóstico do radiologista. O importante mesmo é o que vamos ver aqui nos raios X. — Passou o esquadro, o transferidor, traçou retas que se projetavam em ângulos, calculou e continuou:

   — Calma, calma. Não se preocupe com os osteófitos, quase todo mundo tem e até quem já morreu. Vou explicar para a senhora assim que fizer esses cálculos. Isso que é importante para sabermos o que teremos de fazer. Como anda os preparativos para o Natal?

   — Tranquilo. Não tenho o costume de me preocupar muito com tais preparativos.

   — Realmente não é o mais importante. O importante é saúde.

   — Verdade.

   Solicitou exames complementares. Disse:tenha cuidado até retornar, e continuam as recomendações: trabalho moderado, sem excessos, pois tenho uma paciente que em situação parecida, não respeitou a orientação, carregou mala pesada demais e acabou quebrando a coluna. Não será necessário operação, nem hoje e nem no futuro, mas depois que as dores forem embora, aí sim, inicia realmente o tratamento, e para toda a vida, se a senhora quiser cuidar dos trinta e oito.

   — Trinta e sete, Doutor, porque o aniversário está próximo.

   — Que seja! Cautela até trazer os resultados. Ótimo Natal e ano novo para a senhora. Até 2019!

domingo, 9 de dezembro de 2018

ETA JEITO MINEIRO

ETA JEITO MINEIRO
08/12/2018

    Tô "achano" um "poco" úmida a terra "qui". Eu acho que num vai "pricisá guá" não. E parece que vai "chovê" também, acho que se "guá" e "chovê" é pior ainda. Acho que vai "ficá" muito molhada. De qualquer forma, se "pricisá", e "otra" vir "otra" hora, mais tarde, "vê" que num chove, eu "ven' guá".

   — Menina, pensei que você tinha sido a responsável de aguar a horta hoje? Mas como você disse que a terra está muito úmida e que provavelmente vai chover, você decidiu não aguar as plantas? Quer dizer que uma outra pessoa vai aguar a horta no período da tarde?  E se a pessoa não puder ir à horta mais tarde, e se não chover, você irá à horta e água as plantas?

   Ela ficou zonza com tanta pergunta. Pensou: "Eu sô tão clara c'as palavra, que qu' ela tá queren' dizê pra mim?" (Eu sou tão clara com as palavras, o que ela está querendo me dizer?)



   De longe, escutei o "minerês" e me deu uma saudade danada de grande da minha terra. A sonoridade da frase, o jeito cantado característico e o mais importante, comendo as palavras. Só mineiro para entender. 

   De cá do meu canto, eu observava o diálogo que se travava e a confusão de entendimento de quem recebeu a informação. Mas, para mim, era poesia o que eu escutava.

   Como referência das extravagâncias cometidas por nós, mineiros, das Minas Gerais, na Língua Portuguesa, de "comer" palavras, eis um endereço, ou link, bem interessante, com ótimo senso de humor.

   
https://desciclopedia.org/wiki/Miner%C3%AAs    

sábado, 1 de dezembro de 2018

IDADE DE SENHORA

IDADE DE SENHORA
01/12/2018
      
   Fui ao ortopedista de coluna.

   — O que traz a senhora aqui?

   — Fui passear com meu cachorro e ele me derrubou, me rodou por alguns minutos e, depois disso, a coluna está dando sinais.

   — A senhora não queira saber quantas pessoas chegam aqui e me contam história semelhante. Algumas quebram a coluna, outras deslocam. Vamos ver o que aconteceu no seu caso. A senhora procurou um médico em seguida?

   — Não. Somente hoje consegui consulta com você.

   — Quando aconteceu? A senhora tomou remédio para aliviar a dor?

   — Há três meses. Usei Gelol em aerosol por uma semana. Funcionou.

   — Apenas despistou a dor, o problema continua. Algo mais?

   — Também faço alongamento e sinto melhora, mas a dor parece se intensificar quando faço algum trabalho doméstico longo. Sinto as vértebras, também, se comprimindo, ouço barulho de osso no osso, quando faço movimentos.

   — A senhora não deve fazer nenhum tipo de exercício até que se detecte o problema, pode piorar ainda mais. A senhora faz exercício físico?

   — Tenho hábito de caminhar e musculação, ainda faço o trabalho doméstico, mas desde o tombo tenho evitado.

    — Tem muita diferença entre trabalho doméstico e exercício. Não vem ao caso, no momento. A senhora tem trinta e oito anos. Deve se cuidar para vivê-los bem e com qualidade. Se fizer isso a vida vai fluir melhor. 

   Estranhei o médico dizer tal idade, sendo que ao iniciar a consulta lhe disse minha idade.

   — Eu não tenho esta idade  eu disse confusa.

   — Essa é a idade que a senhora tem para viver. O que já viveu não interessa mais. E deve se cuidar para chegar lá.

   — Ah! Duvido que chegarei aos cem.  Dei uma risadinha.

   — Não duvide, senhora. Atualmente é normal e comum.

   Fez os exames iniciais, apalpou vértebra a vértebra, e finalizou:

   — Parece que houve deslocamento de vértebra, vou pedir um raio X em caráter de urgência. Felizmente, parece que não houve complicação neurológica, mas durante esse período a senhora tenha cuidado, nada de extravagância. Trabalho moderado e descanso entre atividade, nem ficar muito sentada, nem muito deitada, em todas essas situações sentirá dor. Faça revezamentos.

   Saí do consultório me perguntando, o médico parecia mais velho do que eu, porque insistia me chamar de senhora?