terça-feira, 21 de abril de 2020

MULHER


14/04/2020
Abro a notícia e leio que Mulheres chefes de família foram consideradas secundárias para o recebimento do auxílio emergencial. Enquanto isso, as mulheres que não têm direito ao Bolsa Família e que são verdadeiramente chefes de sua família estão a ver os próprios filhos, a família, passar fome por falta de planejamento governamental.
As mulheres são secundárias – O governo tem afirmado isso frequente e continua com a seleção básica até em momentos de risco.
Quantas Nises, Marílias, Bárbaras, Glauras, Marielles, você, mulher chefe de família vão continuar no sacrifício da eterna luta diária por pão à mesa?
Abro outra notícia e continua na mesma, sem andamento nas casas legislativas, câmara e senado – taxação das grandes fortunas. Existem proposições desde 2015 e continuam no mesmo estágio, nenhum andamento. Enquanto isso existe fome nas casas das Nises, Marílias, Bárbaras, Glauras, Marielles, você, mulher chefe de família, até quando vão continuar no sacrifício da eterna luta diária por pão à mesa?
As mulheres são mais de cinquenta por cento da população brasileira e sua maioria no papel secundário pelo estado patriarcal. A mulher não quer ser secundária. Exige-se a igualdade para ambos os sexos, mas na prática, não sai do papel. As mais de cinquenta por cento das Nises, Marílias, Bárbaras, Glauras, Marielles, você, mulher chefe de família vão continuar no sacrifício da eterna luta diária por pão à mesa?
Fecho o jornal on line e continuo a me perguntar: Mulher é secundária?

sexta-feira, 10 de abril de 2020

carinho que é luz (CENA 14)

07/04/2020
     A filha chegou à casa da mãe e em ânsia, abraçando-a. A mãe, sozinha em quarentena devido à pandemia do coronavírus sentiu o afeto que ficara represado pelas diversas orientações quanto ao afastamento social. Tinha se comunicado com a filha por fone e aplicativo no início da exigência orientando que permanecesse quieta em casa. A filha, com problemas de saúde, deixava a desejar quanto ao fator imunidade, sendo uma das pessoas que fazia parte do grupo de risco, apesar dos vinte e poucos.
           ― Eu já não aguentava mais permanecer sozinha naquele cubículo ―   o quarto onde morava numa área popular. Não havia espaço para banho de sol. Não era permitido sair para aproveitar o pouco tempo de claridade solar por nem existir área para tal.
        ― Que milagre é esse você aparecer? ― a mãe perguntou enquanto abraçava.
           ― Precisava do seu abraço, mãe. Que bom sentir esse calor, esse cheiro de carinho, cheiro de mãe. Eu precisava muito desse abraço. Tenho receio, ou medo ou pavor do que vejo acontecendo. As pessoas falando tempo todo em epidemia, pandemia, dando orientações, muitas fake news que ainda pioram mais, e notícias de que não têm testes nos hospitais públicos, que não existem leitos suficientes para os que chegam lá em estado grave, que não existem respiradores para todos. Aliás, até aconselham a gente a permanecer em casa e somente ir aos serviços públicos de saúde em extrema necessidade, e que tem de usar álcool gel, tem de usar máscara, luvas, e ficar à distância preventiva de mais de metro, se alimentar o melhor possível com frutas, legumes, verduras, como forma de prevenção, de tomar muita água e etc etc etc, não aguentei mais, desabei, comecei a sentir pânico como se o mundo não houvesse mais jeito, estivesse tudo perdido, e o seu colo, eu sabia, eu sabia que me esperava, mamãe.
            ― Filha, o que você está sentindo é muito normal, estamos todos em pânico, eu, você, muita gente. O importante é não se desesperar, você tem lugar para ir, aqui também é sua casa.
           A filha não queria falar mais, sentou na rede armada no alpendre. A mãe caminhou e sentou junto. Em poucos instantes estavam as duas embaladas ao toque da mãe no chão. A filha recostou ao seu ombro, colocou as pernas em seu colo e a mãe sentiu que ninava, que filhos, mesmo grandes sabem onde está.
        ― Do que mais tem medo, filha? É falta de dinheiro, esse emprego precário?
        ― Também assusta. O que vai acontecer? Nem sei se conseguirei ajuda.
        ― Calma, quando acontece crise, as pessoas entram em crises. Elas sempre vão surgir, crise faz parte da vida, a gente precisa aprender a lidar e ser preventiva. A gente não precisa de muito, precisa do necessário e isso você domina bem. Aprendeu a viver com pouco e saberá superar. Mas também é importante exigir melhores serviços de saúde, nós somos o povo, e o povo precisa descobrir seu poder e exigir que o imposto pago por ele seja usado em seu benefício. O povo tem de acordar para muitas coisas!
       ― Mamãe, por favor, morra bem velhinha, por favor. ― E as duas abraçadas sentiram a luz.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

A chama ainda queima (CENA 13)


28/03/2020
 A sala simples, o sofá de três lugares, o piso frio. Bia e Josué assistiam a TV. Durante a propaganda as canções das escolas de samba entravam em vinhetas.
            ― Que foi aquilo? ― Josué perguntou.
            ― Quê?
            ― Que aconteceu ontem no chuveiro?
            ― Não sei.
            ― Estranho.
            ― Vou pesquisar.
       Continuaram assistindo ao filme, um sentindo o calor do outro. Sem necessidade de falar. Ainda em fruição ao acontecido. A paixão desencadeada durante o banho e naquele momento ainda envolvente enquanto a sequência de imagens do drama de ficção História de um casamento aparecia na tela. Ambos se enxergando nas situações, ora envolvendo doces lembranças, ora amargas vivências até a experiência da tragédia no mar. Dali, as cobranças diminuíram. O conforto e aconchego iam retornando, ainda no silêncio, sem comentários da angústia que oprimira o casal guardada em cada um.
            Quando desligaram a TV, Josué estava exausto. Bia abriu o computador de Toninho e digitou “desmaio”, “tonteira” e leu os sintomas.
            No café da manhã.
          ― Li que se chama síncope, vertigem ou desmaio, talvez por causa do ambiente abafado e dificuldade de respirar, ou ter ficado muito tempo de pé, uso de bebida e até forte emoção podem desencadear. ― Entreolharam-se.
             ― Perdeu a memória?
       ― Percebi a mão soltando, por segundos vi um escuro e senti que escorregava, a respiração difícil, mas deitada regularizou.
              ― Vi que ia cair e te segurei, foi tão rápido. Bom ir ao médico.
              ― Vou marcar.
              ― Vai falar que aconteceu?
              ― Sei lá, na hora vejo.
              No consultório.
              ― Doutor, acho que tive uma síncope.
              ― Conta como foi em detalhe.
            ― Estava no banho, muito vapor, não sei se fiquei sem respirar por alguns segundos debaixo do chuveiro, escorei na parede e fui caindo devagar.
          ― Como tem pressão baixa isso pode acontecer. Se voltar a ocorrer, levante rapidamente os braços para o alto.
              ― Quando estava no chão, elevei as pernas.
              ― Muito bem, ajudou a restaurar o fluxo sanguíneo.
         Ainda durante a semana o assunto foi pauta. ‘Aquele momento fica rodeando minha cabeça, está acontecendo com você’ perguntou Josué e Bia balançou a cabeça que sim. 'Aconteceu porque a chama ainda queima’. Bia estranhou a frase vinda do marido. Sorriram.