07/04/2020
A
filha chegou à casa da mãe e em ânsia, abraçando-a. A mãe, sozinha em
quarentena devido à pandemia do coronavírus sentiu o afeto que ficara
represado pelas diversas orientações quanto ao afastamento social. Tinha se
comunicado com a filha por fone e aplicativo no início da exigência orientando
que permanecesse quieta em casa. A filha, com problemas de saúde, deixava a
desejar quanto ao fator imunidade, sendo uma das pessoas que fazia parte do
grupo de risco, apesar dos vinte e poucos.
― Eu já não aguentava mais
permanecer sozinha naquele cubículo ― o quarto onde morava numa área popular. Não
havia espaço para banho de sol. Não era permitido sair para aproveitar o pouco
tempo de claridade solar por nem existir área para tal.
― Que milagre é esse você aparecer? ― a mãe
perguntou enquanto abraçava.
― Precisava do seu abraço, mãe. Que
bom sentir esse calor, esse cheiro de carinho, cheiro de mãe. Eu precisava
muito desse abraço. Tenho receio, ou medo ou pavor do que vejo acontecendo. As
pessoas falando tempo todo em epidemia, pandemia, dando orientações, muitas
fake news que ainda pioram mais, e notícias de que não têm testes nos hospitais
públicos, que não existem leitos suficientes para os que chegam lá em estado
grave, que não existem respiradores para todos. Aliás, até aconselham a gente a permanecer
em casa e somente ir aos serviços públicos de saúde em extrema necessidade, e
que tem de usar álcool gel, tem de usar máscara, luvas, e ficar à distância
preventiva de mais de metro, se alimentar o melhor possível com frutas,
legumes, verduras, como forma de prevenção, de tomar muita água e etc etc etc,
não aguentei mais, desabei, comecei a sentir pânico como se o mundo não
houvesse mais jeito, estivesse tudo perdido, e o seu colo, eu sabia, eu sabia
que me esperava, mamãe.
― Filha, o que você está sentindo é muito
normal, estamos todos em pânico, eu, você, muita gente. O importante é não se
desesperar, você tem lugar para ir, aqui também é sua casa.
A filha não queria falar mais,
sentou na rede armada no alpendre. A mãe caminhou e sentou junto. Em poucos
instantes estavam as duas embaladas ao toque da mãe no chão. A filha recostou
ao seu ombro, colocou as pernas em seu colo e a mãe sentiu que ninava, que filhos,
mesmo grandes sabem onde está.
― Do que mais tem medo, filha? É
falta de dinheiro, esse emprego precário?
― Também assusta. O que vai
acontecer? Nem sei se conseguirei ajuda.
― Calma, quando acontece crise, as
pessoas entram em crises. Elas sempre vão surgir, crise faz parte da vida, a
gente precisa aprender a lidar e ser preventiva. A gente não precisa de muito,
precisa do necessário e isso você domina bem. Aprendeu a viver com pouco e
saberá superar. Mas também é importante exigir melhores serviços de saúde, nós
somos o povo, e o povo precisa descobrir seu poder e exigir que o imposto pago
por ele seja usado em seu benefício. O povo tem de acordar para muitas coisas!
―
Mamãe, por favor, morra bem velhinha, por favor. ― E as duas abraçadas sentiram
a luz.
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