quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

ÓTIMAS ESCOLHAS EM 2017


   Finalzinho da reta. 2016 findou trazendo uma constrangedora certeza, que as certezas estão embargadas nas mãos de maus políticos e quanto a nós, o povo, desanimados com tamanho desplante.

   Reconheço que a política andou queimando o astral poético de qualquer um que seja, quando se trata de realidade.

   Quando a questão é ficção  a gente pode voar pra outros tipos de verdade, a da ficção. E assim, as leituras deram um up grade interessante no dia a dia, por que senão, teria passado sem aspectos positivos.

   Kafka retornou aos meus interesses. Li e reli os livros dele. Carta ao pai, Diários, O artista da fome, Metamorfose, O processo, Descrição de uma luta.

   Depois a biografia da Frida Kahlo, de Ayden Herrera, 2011, me caiu às mãos e estou ainda achando bem interessante, a leitura, via on line, Kindle. A escritora trata o relato de forma a satisfazer a curiosidade, temas que eram relatados pela pintora em seu diário.

   Outro livro que li via kindle foi Arroz de Palma, 4ª ed. 2014, Record. Na verdade descobri o livro através do professor de literatura, após ele usar um exemplo nos exercícios e o trecho ter me entusiasmado. Não encontrei o livro físico, esgotado, mas on line. Não gostei nada da experiência de livro assim... deve ser a idade... achei que força a visão... pouco domínio das tecnologias que chegam e não pedem licença. Pelo computador é bem chato, porque gosto de carregar o livro pra todo lado e desse jeito não dá. Vão falar, do outro jeito também, mas não sinto a mesma tesão, ainda não.

   O livro Arroz de Palma não tem culpa nenhuma, deixa eu parar de vomitar essas desculpas, apesar de o personagem do livro dizer: "o que o corpo põe pra fora é sinal de purificação". 

   Na verdade o livro tem uma linguagem extremamente poética, usa de um lirismo na prosa que desbancou meu jeito mais prático, seco e exageradamente realista. No início até certo trecho achei adocicado para meu estilo, mas depois, se pode constatar cada palavra valorizando cada parágrafo, de uma forma tão poética que, o personagem tem o domínio e nada está solto, completamente bem amarrado. Não queria largar a leitura e em poucos dias terminei. Nem mesmo o final, do jeito que foi, tirou a beleza da escrita. Aliás, ele mesmo diz: " tudo o que vem convêm, seja bom ou seja mal, o que nos é posto no caminho serve ao nosso aprimoramento."

   Certeza que a leitura me trouxe aprimoramento na arte de escrever literatura.

   Plagio o personagem ao despedir de 2016... "Vida é professora que dita rápido." Portanto faça ótimas escolhas para o ano que se inicia. BOAS FESTAS E MUITA SAÚDE!   

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

NOVOS LAÇOS COM BOAS NOTÍCIAS EM 2017

   
desenho Ju Martins

   O dezembro está por encerrar-se. Ainda anestesiada pelos acontecimentos que de forma trágica vão mostrando que não estamos preparados ao respeito ao outro.

   A lama em Mariana continua, apesar de ano da tragédia, a destruir a vida de pessoas e o lugar, ambos queriam apenas viver a vida em paz, no calor do lar, tendo o Rio Doce como vizinho, e vice-versa, a mata e morros das Minas Gerais.

   Como diz Mia Couto* "Um rio é uma entidade vasta e múltipla. Compreende as margens, as áreas de inundação, as zonas de captação, a flora, a fauna, as relações ecológicas, os espíritos, as lendas, as histórias." Imagina a dor do ribeirinho ao ver o rio em toda a sua extensão até o mar completamente destruído. 

   Os tentáculos do poder continuam massacrando não apenas Mariana e arredores. O caso de Nicinha, uma militante que incomodava o sistema em Rondônia não deixa dúvidas do que são capazes para destruir o ambiente aonde os ribeirinhos têm a vida estabelecida, atingidos pelo complexo do Madeira, em especial pela usina de Jirau. O corpo foi encontrado amarrado nas mãos e pés junto a uma imensa pedra dentro do rio. "Mulheres, água e energia não são mercadorias!", os atingidos exigem respeito pelo espaço sagrado do lar. Como 2015, 2016 trouxe muitas tragédias no âmbito do poderio de consórcios internacionais que vislumbram apenas o lucro do vil metal, em desrespeito a comunidade.

   O mundo inteiro vem mostrando ganas de que a tolerância vai longe de ser valorizada. Cada vez mais assusta a possibilidade da terceira guerra mundial, tantas catástrofes se vê mundo afora.

   O clima de natal mostra-se empobrecido e nos pede, aliás com mais fervor ainda, que tenhamos compaixão em nossos corações. Quantos não têm chance de uma trégua, quantas crianças não conseguem nem mesmo mais lágrimas pela crueldade vivenciada em guerras irracionais, e tantos outros quantos.

   QUE 2017 TRAGA NOVOS LAÇOS E NOTÍCIAS QUE VALORIZEM O SUJEITO NÃO A MOEDA. 

* Mia Coutro in E se Obama fosse africano?, Companhia das Letras, 2011, pág53 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

ENCONTRO COM O CONTO

   Quero contar como foi o Encontro sobre o Conto que houve no Sesc da Prainha, em Floripa, semana passada, com um professor bem diferenciado, animado e estimulador... suas colocações faziam que a aula passasse voando e nós, pelo contrário, queríamos que as horas não se escorressem, afinal um encontro de poucas horas, mas vá lá... muito proveitoso!

   As dicas que ouço durante tais exposições são a marca fundamental para um vapt vupt de final de semana. E uma bem legal que o professor colocou e que deve estar claro na cabeça de quem escreve, ninguém é obrigado a gostar do que você escreve, e que se deve agradar a si mesmo.

   Enfatizou que na verdade as oficinas literárias ensinam mesmo é a LER poesia contos romances novelas ... n leituras. Fez uma crítica aos que olham de olho torto quando alguém diz que leu Sidney Sheldon (li muito na adolescência), considerando-o excelente em montar uma estrutura: as contradições dos personagens, conflito, tensão etc... dá para se aprender muito com ele.

   Para quem gosta de escrever disse que é importante ter leitores muito bons, aqueles críticos que vão ler inicialmente e criticar, fazer a interpretação, deixar rolar a paixão e certa ingenuidade, bem legal se o escritor tem um leitor assim para avaliar o material... é muito importante ter alguém em quem se confia.

   A importância de um bom título, de um drama mais intenso já no início, afinal disse, quem lê quer ver o que nunca viu antes. Importância de mesclar entre leituras do clássico ao contemporâneo, pois tais dicções se somam. E sintetiza, Machado de Assis já fez tudo... mesmo assim, novas experiências acrescentam.

   Das emperrações que inibem a aura criadora e criativa de escritores, considera o mais difícil é tentar negociar com os fantasmas, se deve ter determinação, soltar-se. Afrouxar o superego na criação, se divertir (ser criança), importante é achar o tom. O escritor tem de acreditar no que escreve para que ocorra o mesmo com o leitor. Deixar para as revisões finais o lado adulto entrar, não antes.

   Falou muito para quem quer editar a criação, publicar, deu o caminho das pedras, bem complicado... 

   Falou dos temas narrador (1ª - dizem gerar mais empatia, 2ª, 3ª - funciona como câmera objetiva, onisciente, olhar intruso, seletivo); personagens (rasa ou profunda, protagonista, antagonista); trama (conflito); lugar; tempo; ... linguagem (ter voz própria... não imitar algum escritor, da narrativa ficar em segundo plano e sobressair a linguagem...) ... citando os temas mais importantes. E ainda, o tamanho da prosa, se conto, novela, romance... diz que quando chegar um ponto em que o escritor diz que podia chegar isso deve ser respeitado.

   O conto, em específico, considerado curto, deve-se atentar para o núcleo dramático (pequeno), ter coesão, tensão, estranheza, mostrar a história aparente e ao mesmo tempo existir uma história oculta (questões que importam), estas não se encontram, não se tocam,; outras se encontram em determinado trajeto quase lá no final; outras vem em onda e a oculta corta a aparente em certo trecho e novamente se separa e de outras possibilidades de processo, até de uma história aparente e outras duas histórias ocultas se duelando; etc... pode-se ter diversas intenções, a depender do criador , e encontrar um fim , de forma que feche o círculo.

   A novela, narrativa média, poderão ter distintos núcleos dramáticos que poderão se relacionar e/ou vão se relacionar.

   O romance tem grande núcleo dramático e pode ter outros que se relacionem com ele e finalmente...

   ... que se deve cortar, cortar, cortar... muito cuidado com os adjetivos...

   Sugeriu muitas opções de leitura durante toda a aula, listei: Machado de Assis, Falkner,Ricardo Piglia, César Aira, Luisa Geisler (Quiça, Contos de Mentira), Raimundo Carrero, Caroline Rodrigues, Joca Reiners Terron, Juliana Amato (conto Crianço), Carol Bensimon, Paul Scott (Itaca Road), José Castelo, Andrea del Fuego (Malaquias da língua geral), J. M. Coetzee (Desonra), João Gilberto Nool (Mínimo Múltiplo Comum), Céline (Viagem ao fim da noite) etc etc, o importante é ler ler ler se se quer escrever melhor, clássícos, contemporâneos, revista em quadrinho, poesia etc etc.

   Em seguida o Festival do Conto apresentou dois painéis com a presença de autores e experiências na feitura da escrita... é papo pra próxima!

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

UM ANO DE LUTA E DOR - ATINGIDOS PELA LAMA DE MARIANA

Bento Rodrigues, 05/11/2016
   
   Participei na primeira semana de novembro da MARCHA DOS ATINGIDOS PELA LAMA DE MARIANA e o que se encontrou pelo caminho são tristezas, perdas, dores, lama, muita lama, desrespeito às pessoas tornando-as invisíveis quanto aos seus direitos básicos e tantos outros termos que poderia listar até a última linha desta postagem e ainda assim seria insuficiente.


Foto tirada em 05/11/2016, Bento Rodrigues, tudo continua do mesmo jeito, só destruição!
   UM ANO DA LAMA. UM ANO DE IMPUNIDADE. UM ANO DE LUTA. Veja bem, eu participei da marcha um ano depois da tragédia sem precedentes ocorrida em Mariana, no distrito de Bento Rodrigues, completamente destruído pela lama da barragem de Fundão, causadora de vinte e uma mortes e outras em sequência e consequência, além de a partir daquele distrito a lama ir solapando tudo que encontrava pela frente, outras cidades, rios da bacia do Rio Doce, quintais, ribeirinhos atingidos no que de essencial à sobrevivência, um rio fértil com peixes para o sustento e sobrevivência familiar. Até chegar ao mar. Poluindo a areia a beira mar e o mar a quilômetros de distância. Infestando todo o caminho com o que há de putrefação causada pela mineração desvairada nos lucros e dividendos da extração do minério de ferro.


   "VALE dessas lágrimas, SAMARCO dessas lamas,
o povo não esquece, Mariana ainda chama.
(o povo organizado, a empresa não engana)
Jadir Bonacina"

   E os que estão vivenciando desde aquele dia, o dia 05 de novembro de 2015, data do rompimento da barragem de Fundão, e continuam a vivenciar, dia após dia, toda a lama jorrando como se a cada dia o jorro perdurasse?

   Apenas os atingidos na pele no corpo na alma são capazes de dimensionar o sofrimento, o efeito trágico na vida de milhões de atingidos que passam obrigatoriamente pela experiência quando expulsos do seu lugar para dar acesso a barragens e hidrelétricas ao redor do mundo.

   Mas que não desistem e insistem:

"Se é pra ir a luta, eu vou
Se é pra tá presente, eu tô
Pois na vida da gente
o que vale é o amor.
Zé Vicente"

   Vamos à luta, SOMOS TODOS ATINGIDOS. 

   Oxalá eu pudesse escrever ao que propus de quando da criação do blog, inspiração literária ao cotidiano. Oxalá nada tivesse acontecido e fosse apenas um pesadelo que ao acordar desaparecesse. Oxalá o tilintar do níquel não afetasse tanto as mentes de governantes, instituições, empresários, que existem com o propósito de zelar pela vida plena em sociedade. Oxalá tenhamos aprendido a defender nosso pedaço de chão da ambição descabida em detrimento às pessoas, cidadãs de toda e qualquer parte onde exista água, energia, aliás, ÁGUA ENERGIA NÃO SÃO MERCADORIAS!  

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

PONTADA NO PEITO EM VENTANIA

   Última semana de outubro. Os ventos estão a toda por estas bandas refrescando a noite de um céu sem nuvens. Disseram que bateria os 100 km/h, sei que a poucos momentos foi uma bateção de porta e janela e por milagre a energia não caiu.

   Ontem ao contrário um chuvisco fino durante a noite com ventania razoável. Deu até pra pegar um cineminha. Vi o filme A comunidade, 2016, dinamarquês, diretor Thomas Vinterberg. Está definido como drama e filme de família. Realmente é bem interessante acompanhar a aventura de dez pessoas que por diversas razões ajustam regras de convivência para morarem numa mesma casa. Ideal sonhado por uma das moradoras casada com um professor arquiteto que ganhou a casa de herança.

   A história vai ganhando  intensidade a partir do momento em que o marido se apaixona por uma de suas alunas. A comunidade tem reuniões definidoras de vários aspectos e sempre que surge um conflito tenta resolver ou, ao menos é solidária com a dor do outro.

   E foi aí que a dor da mulher me pegou em cheio. Quando o marido conta pra ela que está tendo um caso o mundo dela não desmorona, ela se faz de forte e até sugere que a moça também vá morar junto com a comunidade, talvez supondo que o marido não chegasse a tanto. É surpreendida quando volta do trabalho e a jovem lá está.

   O desmoronar vem a conta-gotas, devagarinho insuflando a dor, a angústia noturna do estar só, o não dar conta de levar o trabalho a cabo, até que o auge chega com a expressão de como está difícil lidar com a questão. Senti a imensa dor daquela mulher (quem não a vive nas crises do relacionamento a dois), eu estava vivenciando a dor tão fortemente me colocando no seu lugar. Como é dolorido quando a instabilidade da relação se faz presente.

   Essa constatação faz gerar uma reunião para decidir quem sairá de casa, se a mulher ou o marido com a amante... A filha deles decide quem sairá de casa?

   O homem, o marido, que durante todo o tempo se manteve no prumo não aguenta tantas perdas que o processo acarretou e chora como uma criança.

   Ainda meu peito está sentindo a emoção... Lembrei da frase do Rubem Alves de que amar é ter um pássaro pousado na mão e a qualquer momento ele pode voar...    

domingo, 23 de outubro de 2016

ENCANTAMENTO DA ANIMAÇÃO

   

   Têm umas duas semanas que venho enrolando com a postagem e desmerecidamente porque o filme japonês de animação é delicioso, de 2013, de Isao Takahata, estreado no Brasil em 2015, O Conto da Princesa Kaguya

   O filme é derivado de um dos contos populares japoneses, O corte do bambu. Pesquisei e encontrei na rede diversas referências e até trecho adaptado do conto.

   A habilidade do animador em forjar os desenhos num tom que instiga o prazer visual e ao mesmo tempo o enredo é demais. Quando se está como espectador dessa história se faz uma constante pergunta: como alguém consegue transmitir tamanha leveza e sentimento a cada movimento, que ao final, apesar de  triste, a história consegue ser bela e poética?

   Inspirador assistir um filme com tamanho nível de engenhosidade, que mescla contar uma história bem engendrada com artifícios do desenho animado, do uso das tonalidades das cores, o jeito oriental de mansidão e ao mesmo tempo força das cenas.

   Hipnotizada foi como fiquei durante todo o tempo da filmagem, o olhar fixo tentando captar a destreza na mudança das cenas, o toque delicado e sutil de armar as estratégias até a finalização, o cuidado no expressar as questões do destino, sei que me emocionei com o encantamento das etapas.

   Vale a pena assistir e verificar que tenho razão.   

domingo, 16 de outubro de 2016

TEMPO


   Acabou que o tempo abarcou a dimensão. Não me culpo. Pode culpar o que para todos é tal e qual igual.

  Ao reler postagens... corrigindo a linguagem, consertando, afinal feitas no calor da emoção nem sempre trazem claro o recado, eis que me deparo com uma: a segunda postagem. 

   Afirmo e reafirmo, está tão atual na reflexão sobre o TEMPO que garatujo o link: http://aposentadativa.blogspot.com.br/2011/12/pensamento-sobre-o-tempo.html 

   Adoraria tivesse a ver com o tal do outubro rosa, mas não é isso, e sim o sentimento de que o tempo escasseia (conclusão de quem anda acima dos sessenta e o tema teima temperar o tutano... principalmente depois de saber que o Flávio Gikovate (de quem sou fã) abriu a porta).

   Ainda que não tivesse pensado que um leve "prestenção", da postagem anterior arrebanhasse tanta consideração, mas insiste em permanecer em pensamento, palavra e ... prestenção!

   A letra "A" é a primeira e na força, por ordem... quem a quer? ... prefira a desordem e queira teimar, pois temer não é capaz de nos fazer temer o futuro. Nem mesmo os que descambam pro lugar comum do toma-lá-dá-cá sem consciência.

   Acredite, o tempo só vale a pena se vivido pra valer...

   A é feminino e o O é masculino, apenas isso! Nada mais que isso!

sábado, 15 de outubro de 2016

EL MAESTRO OVIDIO

   Pois é, a última postagem eu comentei como o tempo voa... e hoje lendo Ovidio, El arte de amar El remedio del amor, Estudio de Carlos García Gual, Biblioteca Edaf, Madri, 1966, no livro III, página 103 diz: 


" ... no malgastéis el tiempo, pues los días pasan como las ondas de un rio, y ni la onda que pasa vuelve hacia su fuente ni la hora perdida puede tampoco ser recuperada. Aprovechaos de la juvenil edad que se desliza silenciosa, porque la siguiente será menos feliz que la primera..."

   Ovidio (43 a.C - 17 a.C) dando conselhos às mulheres ao início do livro III, depois de nos dois primeiros seguir aconselhando aos homens em como proceder à conquista feminina. Referindo-se as maneiras de não falhar no intento, do ponto de vista da sedução às mulheres por quem os homens querem arrebatar um romance picante.

   Ovidio era famoso à época em Roma, mas o escrito sobre a Arte de amar deixou o rei Augusto, bastante conservador, irado, pois vinha com dificuldade tentando moralizar a comunidade que tinha por hábito comum o adultério. Na introdução o autor supõe que Ovidio colaborou ou testemunhou os amores adúlteros da neta de Augusto e foi exilado em uma aldeia longe de Roma até sua morte aos sessenta anos.

   Ele sabia-se bom conselheiro tanto que solicitava aos que alcançassem o proposto lançassem seu nome aos deuses em agradecimento:

"Ovidio fué mi maestro."

   E dá o conselho para aqueles jovens que um dia terão cabelos brancos e rugas:

"Eleva tu ánimo si quieres resistir los estragos del tiempo y conservar la beleza: es el único compañero fiel hasta el último suspiro. Aplícate al cultivo de las bellas artes y al estudio de las dos lenguas... Seas quien seas, pon una débil confianza en el prestigio de tu lindo semblante y adórnate con prendas superiores a las del cuerpo."

   Para os dias de hoje o manual é ingênuo, mas para aqueles tempos avançado e Ovidio utilizando-se da ironia, da retórica com argumentos bem entrelaçados tinha claro que possuía o domínio da palavra.

   Não adianta correr contra a correnteza... pues los días pasan...

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

PRESTENÇÃO

   Findando o ano. Outubro (simbolicamente ROSA) desce a ribanceira para findar 2016. Falta pouco para aproveitar a ciranda dos dias a pequenos acordes. Talvez alguma cantiga, um assovio criativo ou se deixar levar para lá... tipo no mano a mano... esperar para ver se um poema vem em soneto ou versos livres.

   Gostos variados, mas uma coisa é certa: é tempo que passa voando.

   que nem infância. gosto de bala delicado ou jujuba. brincar de cambalhota. dar risadas soltas sem se preocupar. nem prestar atenção. correr correr pular pular. saltamarelinha. atirei o pau no gato. ciranda cirandinha. na volta e meia tempo passou.

    Adultez chega cobrando o senso rapidez competição urgência competição a responsabilidade. Mesmo sem preparo deve-se estar pronto. O fazdeconta ficou para trás. Nestes tempos, a ansiedade a pressão a angústia a busca por um lugar. O alicerce treme aos abalos das descobertas. Nãoadianta conselho regra receita remédio remediado está o tempo não se pode perder por aí é que desce a ribanceira e

   finda ano entra ano, se é avó avô, a idade do "condor", é tempo que passa voando. uma nova infância entre netos, nova oportunidade de momentos virginais, liberdade de doces dias em que ouvimos os netinhos e uma voz ressoa do passado infantil de nossos dias.

   Nesse resumido se depreende a vida... e como passa depressa.

   Presta atenção no que fazer entre os parágrafos porque a vida não espera para ser vivida se não se presta atenção.   

sábado, 1 de outubro de 2016

A LA FRANCESA


   Assisti três filmes franceses mês atrás: Amor à altura, Chocolate, A viagem de meu pai, todos estrearam no Brasil em 2016, portanto tenho a plena certeza de que não poderei descrever tim-tim por tim-tim as cenas senão podem pedir meu pescoço. 

   Mas considero vale a pena assistir, o Amor à altura, que aparenta simplicidade, mas traz essência da discussão sobre o preconceito, a aparência ligada à altura. É bem complicado o que a cultura ao redor coloca na cabeça da sociedade e o ser baixinho pode trazer dificultadores a qualquer um (numa cultura que valoriza a estética de homens altos), mesmo que tremendamente interessante... (legal mesmo é imaginar como foram feitas as cenas, uma vez que o  ator principal Jean Dujardin têm mais de 1,80m... com minha leiguice fiquei super curiosa... além de me perguntar por quê não fizeram um filme realmente com alguém baixinho, seria bem convincente... vai saber).

   Chocolate é um filme que trouxe uma novidade, pois desconhecia a história verídica. É muito bom e o ator Omar Sy continua o preferido. Parece que o ator gosta de trabalhar em filmes que questionam e reflitam a questão do preconceito quanto à cor da pele. Em algum trecho do enredo sempre vem a questão e os finais são esperançosos, não em Chocolate, onde o primeiro palhaço negro francês sofreu horrores. O filme é muito triste e mostra como a ignorância abarca todas as classes.

   Nem precisa dizer que o envelhecimento é outro item exacerbado de preconceito. No filme A viagem de meu pai, o personagem principal tem 80 anos e atravessa situações inusitadas devido ao processo de esquecimento que vai tomando consequências sérias no decorrer do tempo. Gostei muito do estilão dele e a história com um enredo tão verídico que nos leva a pensar: e quando for a minha vez, o que farão os filhos? Na fita ele tem condição de um atendimento vip, mesmo assim já é difícil, imagina a vida real de muitos velho(a)s e pobres.

   Eu sou suspeita de dizer, adoro os filmes franceses, não entregam nada pronto, o enredo vai exigindo mais e mais do expectador e com isso, do meu ponto de vista, só tem a ganhar, em coerência e inteligência e sem aquela coisa do "tudo certinho".

   Aliás, assista, excelentes filmes e o conteúdo vasculha o fundo das nossas culturas OCAS.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

EU SÓ QUERIA ENTENDER



   Eu só queria entender que andam aprontando com a primavera, porque lendo os poemas de Pessoa, do Drumond, do Mário Quintana, da Cecília Meireles entre outros por quem sou ficcionada, quando falam a primavera de outros tempos, esta me parece mais bela do que as que andamos tendo nos últimos tempos. Será que El Niño e La Niña estão soprando ferozes desfolhando todas as flores, modificando o calendário das chuvas, atrasando a vinda dos botões tímidos por aparecer?

   É força de expressão eu sei, inda mais que tudo o que está acontecendo tem um culpado, o bicho homem, que interfere em tudo quanto é cadeia, modificando o rotineiro tempo das estações climáticas com o seu agressivo desejo de destruir a natureza com vistas em cifrões. Já nos cobram o vil metal por toda e qualquer coisinha e daqui a pouco vamos pagar até o ar que respiramos, mal e porcamente respirados a base de poluição e ainda assim será cobrado... vil capitalismo.

   Eu quero a primavera de volta, os belos ipês floreados no seu devido tempo, não tão antes e nem tão pouco floridos pela escassez d'água. Ai que saudade dos quarteirões e quarteirões de flores espalhadas pelo chão e nas copas, como ficam belas as manhãs, as tardes e o entardecer, os cantos dos passarinhos a entoar por todo o pedacinho de chão. Agora essa secura freando a ânsia do desabrochar.

   Faltando as cores amarelo, rosa, lilás e outras tantas floríferas que embelezam o arco-íris da primavera. O visual colorido traz uma bonanza acalmando ânimos e os corações ansiosos, ou perdidos, ou deprimidos na falta da egoica primaveril do furta cor em demasia.

   
   É culpa do Temer, por isso digo Fora Temer!


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

NÃO PRECISA EXPLICAR

   

   Finalmente consegui terminar Mrs. Dalloway, de Virgínia Woolf (1882-1941). E quase no final marquei uma passagem que considerei interessante, do personagem Peter Walsh: 


"Quando jovem, disse Peter, a gente é demasiado excitável para que possa conhecer os outros. Mas agora, na velhice, cinquenta e dois anos, para ser exato...; agora, na maturidade, pode-se observar, pode-se compreender, sem ter perdido a faculdade de sentir, disse ele."

   Publicado em 1925, o livro já considerava velho quem se encontrava acima dos cinquenta, veja só. Hoje em dia já se compreende que a velhice chega bem depois.

   Engraçado paralisei a leitura do livro muitas vezes devido o início, não levava vontade de continuar a leitura... hoje, vencido o tempo, cheguei ao final satisfeita com o arranjo dos personagens, cada um expressando conversas interiores e a gente conhecendo os meandros da mente humana. Quando terminei senti necessidade de reler o início e como as coisas foram se concatenando, o emaranhado inicial que me afugentara tinha desaparecido. Eu via muitos falando do hermetismo da escritora e talvez isso me amedrontasse, o que não aconteceu neste momento, já mais atrevida e interessada em esmiuçar o estilo do escritor.

   E agora começando a ler Ulysses, de James Joyce, na Introdução quando Declan Kiberd explica que a recepção do livro foi difícil, explica num trecho "... O mesmo fez Virginia Woolf, ao explicá-lo como obra de um homem frustrado que sente que, para ser capaz de respirar, seria necessário quebrar todas as janelas... ela denunciou o Ulysses como a obra de "um estudante nauseado espremendo suas espinhas"." O livro foi publicado em 1922 pela Shakespeare & Co., na França. A gente conhecendo as picuinhas entre escritores.

   Mas antes da leitura me aventurei um pouco na poesia da polonesa Wislawa Szymborska (1923- ), 2011, Companhia das Letras, para arejar a mente envolta em tantas angústias do livro anterior. E adorei o poema Alguns gostam de poesia, pág. 91, eis um trecho:


"Alguns 
ou seja nem todos
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam 
mas também se gosta de canja de galinha
...

De poesia — 
mas o que é isso, poesia.
...
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação."

   Delícia hein, assim tão simples, tão do jeito que a gente não sabe explicar, né!

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

FORMIGA ASSUSTADA

   Queria ter assunto interessante a postar hoje, a inspiração faltosa ao cotidiano de fim de domingo é a única que deu as caras. Têm dias que é assim mesmo, são de uma mesmice sem tirar nem por... como deve ter sido na vida de alguma ou qualquer pessoa nos séculos aC e dC... lendo o livro de James Joyce, O retrato do artista quando jovem, ele relata isso, as mesmas dúvidas, queixas, interrogações, e o homem ainda carrega consigo hoje, em pleno século XXI, todas as sequelas. Ele diz num trecho que somos um monte de estrume de gado, numa epifania, e a vivência segue mostrando que ele não está de todo errado.

   Longe de ser pessimista, ao contrário, creio no homem e mulher de bem e esperançosamente acredito na capacidade de doar-se, mas não se pode deixar de observar que vivemos olhando tanto pro umbigo, um individualismo mostrando dentes carnívoros, como se estivéssemos vivendo o próprio ensaio da cegueira previsto por Saramago, que horror!

   Quantas pendengas, competições, guerras, trapos, desconfianças, desânimo, tantas palavras com tão péssimos caracteres.

   Não me permito continuar no ritmo, mas concatenando acontecimentos, como a união da Monsanto com a Bayer por exemplo amedronta qualquer homem que necessita alimento, que futuro nos reserva? a que ponto chegaremos?

   Juntam-se aspectos geopolíticos, crises econômicas, migrantes fugidos em busca da sobrevivência, já que países guerreiam sem trégua... o fundo do poço do século XXI? 

   Como sair do emaranhado gigantesco que vai se formando e nós como formiguinhas amedrontadas, tanto são os problemas nos cercando, cerceando a verdadeira índole humana de viver em paz entre irmãos?

   Walter Benjamin se suicidou no aeroporto de Paris ao saber que não seria aceita a sua entrada no país... Ele um intelectual, hoje quantos são os mortos por enfrentarem os bravios mares a busca de socorro? sequer sem saber se serão aceitos?

   O existencial baixou de vez, entrego os pontos, haverá amanhã e será melhor.   

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

DIÁLOGO E INTENSIDADE

   Fui ver os "trens" de Minas, a Beagá (Belo Horizonte) do coração e estive bom tempo por lá, mas não foi fugida do inverno do sul não, as temperaturas em Floripa estão bem agradáveis este inverno.

   Fugidia eu fiquei ao ver como anda mal a terrinha, embaçada, ofuscada, emaranhada numa secura de dar dó... Cadê aquela BH tão famosa, do clima úmido de antes? as matas desapareceram e deixaram um clima árido e ressequido que faz muito mal a  respiração de qualquer um.

   Fugi para o cinema, lá dentro o ar, mesmo que condicionado, traz um pouco da fantasia às histórias que perfilam na tela sob olhar atento. E foi que me surpreendi com os dois filmes que assisti no Cine Belas Artes: Café Society, do Wood Allen e Aguarius, nacional, do Diretor Kleber Mendonça Filho.

   Wood Allen traz na história um ótimo diálogo que enriquece cenas, mesmo sendo comuns de histórias do tipo. O diálogo nos prende e nos aproxima dos personagens, faz que a gente sinta na pele estar lá, em foco, é muito doido mesmo, mas Wood Allen é capaz disso. Delícia de filme que traz a paixão embrenhada no âmago do ser, mesmo que a vida dê guinadas de trezentos e sessenta graus.

   Kleber Mendonça Filho traz uma Sônia Braga, a personagem principal, amadurecida como atriz e consegue pontuar tão bem todo o espectro de intensidade ao contar a história de Clara, uma mulher intensa, feminista, de esquerda e com uma determinação admirável. Eu fiquei tão feliz de ver um filme brasileiro com tão boa consistência, enredo, atores compenetrados aos personagens. 

   Eu fiquei mais feliz ainda, de reconhecer, como mulher, no perfil da Clara, a luta pela igualdade de direitos a toda e qualquer pessoa, a resistência no que considera direito e justo, e o mais forte do meu ponto de vista, o enfrentamento do que podemos chamar de falso poder, aquele arraigado na herança brasileira de coronelismo, do elitismo hipócrita que se julga acima da lei. Excelente filme que traz chama de esperança na solidariedade entre as pessoas. Eu bati palmas no final do filme, empolgada com as emoções que me fizeram reagir. Merecidamente.

   Quando cheguei em Floripa, o céu nublado, e o ar úmido agradável à respiração. 

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

TÊNUE EXISTÊNCIA

   Assisti o filme nacional "Ela volta na Quinta" , do diretor mineiro André Novais, 2016, na TV Brasil, num domingo desses. Adorei o filme ainda mais ao saber que o cineasta rodou as cenas utilizando a própria casa da família e seus pais e irmão e o próprio diretor eram personagens da história e, particularmente, por ser mineira, feliz de reconhecer o diretor e as cenas externas da minha cidade natal, Belo Horizonte.

   Enquanto as cenas iam se desfilando aos meus olhos eu ficava imaginando onde estavam as câmeras. Achei que a ideia, genial, deu intimidade e aproximação ao universo do cineasta e ainda por cima, seus familiares representando o papel dignos de atores profissionais.

   O filme mostra um casal maduro em crise, um drama apropriado aos casais com muitos anos de convivência para a devida reflexão. Ali se destrincha toda a agonia vivida por todos que pertencem ao núcleo, não salva ninguém, as mágoas, as tristezas, angústia e sofrimento são tão nítidos. Durante a exibição eu sentia a falta, algo se partiu na relação e não era possível resgatar por mais que tentativas houvessem. 

   O filme é triste pois a mulher, após fazer uma viagem, vem no ônibus de turismo conversando com uma amiga decidida a desfazer o casamento. Quando a caminho de casa, andando pelo centro da cidade em direção ao ponto de ônibus que a levaria, sente-se mal e morre.

   Como é tênue a existência, foi o que me perpassou o pensamento, quanto a gente deixa de investir na relação, sempre esperando pelo outro, ou mesmo, já existe tanta mágoa que tanto um quanto outro já não consegue restabelecer o elo partido. E parece que o outro se torna um estranho, e parece impossível juntar os cacos.

   O interessante do filme é que as falas são mínimas, as imagens dizem tanto e vão construindo o arcabouço para as emoções. Os olhos ficam prisioneiros dos sentimentos embargados. O filme simples consegue ser transformado em peça de ourives. O cineasta é jovem e persegue o desejo de redesenhar a vida através da sétima arte.

   A gente nunca sabe se ao sair de casa (ou em casa mesmo) vai voltar...

domingo, 28 de agosto de 2016

MARCA INDELÉVEL DA LEITURA


   Igual anteriormente citei sobre a excelência do escritor, me referindo ao Raduan Nassar, eu senti quando da leitura dos livros de James Joyce, Retrato do artista quando jovem, Os Dublinenses com contos que levam à lembrança da cidade natal do escritor, Dublin, capital da Irlanda, principalmente o conto Os Mortos, que delícia de leitura nos traz, os sentimentos sendo expressos em palavras com tanta tranquilidade e realmente perpassa a sensação emocional e a gente sofre junto com o personagem. Ainda falta ler Finnegans Wake e Ulisses, pois preferi retomar a leitura da Odisseia, de Homero, antes.  

   Aliviada após o professor de literatura ser condescendente com a minha frustração no ato da escrita, onde coloquei que após tais leituras dava vontade de ficar apenas nesta atividade, ele me disse: não se preocupe com os clássicos, o Mário Quintana tem um aforismo batuta: "os clássicos escreviam bem porque não tinham os clássicos para atrapalhar" e deu uma risadinha no final que suavizou minha ansiedade e cobrança.

   Ou então pegar um anticonselho do Carlos  Drumond de Andrade no texto A UM JOVEM, onde no quinto apontamento diz: leia muito e esqueça o mais que puder.

   Voltando ao conto Os Mortos, enquanto lia achava que de hora para a outra iria acontecer alguma fatalidade, a morte de um dos personagens por exemplo, e ficava mais a fim ainda de dar sequência à história, acreditando que o título era sintomático e algum acontecimento inédito ocorreria no processo.

   Quase chegando ao final é que a lembrança de uma das personagens sobre a morte de um amigo ocorrida ainda na adolescência, pois logo que ouviu uma canção tal lembrança lhe trouxe de volta a dor vivenciada é que fez com que finalmente se entendesse o porquê do título.

   O fechamento é digno de beleza "...enquanto ouvia a neve que caía suave por todo o universo e suave caía, como a descida ao derradeiro fim, sobre todos os vivos e os mortos."

   Torcendo que as leituras compulsivas que venho fazendo deixem em mim a marca indelével e me auxiliem na produção da escrita, tomara.   

domingo, 21 de agosto de 2016

ESCRITA INIBINDO A ESCRITA

 
   Assumo a vontade de escrever está esbarrando na necessidade de leitura de textos livros romances contos poesias de escritores tantos que existem que me perco ensimesmada do tanto quanto necessito ler ler ler e a cada escritor que absorta coloco os olhos me deparo com tanta beleza maravilha estupefação assombro que advém a minha ideia ter chegado tarde demais a intenção de tornar "escritível" o que escrevo tamanha a exigência que me importuna após as leituras.

   Leiga na escrita passo a cobrar cada vez mais após deitar os olhos e acompanhar a desenvoltura de tramas enredos diálogos escritos dos mais variados de variados escritores mas a sensação espetacular foi após conhecer a escrita de Raduan Nassar os três livros do autor Lavoura Arcaica Um Copo de Cólera Menina a Caminho os escritos tão perfeitamente colocados em uma teia de entendimento e figuração que me senti o minúsculo ser nas tentativas vis de escrever.

   O aumento de volumes sobre a mesa a escrivaninha a estante a cômoda e por onde caibam livros e o parco tempo a desenvolver a vista os olhos dando seu alheamento à vontade instaurada através de óculos bifocais começando a embaralhar-se frente a cobrança insistente e a capacidade neurótica e mesmo real da pequenez em tal empreitada por vezes assume um cume de cobrança exagerada ao invés de interessante atividade apenas uma delas ao rol.

   A Cobrança vem sub-repticiamente incorporando-se e atrapalha mesmo que pactuado ser tais escritos apenas passatempo agradável e o jogo tornando-se atribulado e ofensivamente exigindo mais e mais desenvoltura e ritmo e potência e quando se vê a paralisia de vãs cobranças fenestrando o recinto.

   Como não entender que um escritor desista de continuar escrevendo após tantas reflexões que o ato da leitura traz ao ser exigente na feitura da escritura se a um leigo tanto questionamento trouxe e a percepção da emboscada colocada no destino do escritor onde as tessituras do texto vão se efetivando a frente dos olhos sem que ele possa dominar sendo apenas o escravo ágil agindo no teclar das letras palavras frases parágrafos textos.

   Tudo se desenvolvendo aos olhos sem o domínio de si mesmo é deveras complicado raciocinar acerca de.   

terça-feira, 16 de agosto de 2016

COISAS DO OLHAR

desenho Ju Martins
   Eu precisava de um lazer que aliviasse o stress do dia na semana passada e acabei encontrando ao assistir a fita Um namorado para minha esposa, filme italiano, de 2014, direção Davide Marengo, e dava boas risadas devido ao gênero, uma comédia leve sobre o complicado relacionamento de um casal. Inicialmente nada havia de amor, pelo contrário, o marido exausto da convivência com a esposa de personalidade forte e que o deixava desconjuntado, tanto que, apelante a um amigo play boy, conhecedor das artimanhas na área, propôs uma trama que envolvesse sua esposa e um amante. Tencionava pedir o divórcio e não sabia proceder um diálogo razoável com ela, e a traição seria um bom argumento para conseguir se livrar do pepino.

   O plano do tal play boy segue com a mulher arranjando um trabalho num programa de rádio, cujo salário o marido financiaria. Ela teria, durante a programação, de falar das coisas que detestava, apenas isso. Ela se mostrou muito divertida no papel, colocando o monte de coisa que a maioria das pessoas também detesta, mas que muitas vezes acaba fazendo, e com isso angariou audiência dos ouvintes. O seu colega de trabalho achando-a interessante convida-a para um café, ela aceita deixando claro que é casada.

   No decorrer ela se envolvendo com o novo trabalho, cada dia tendo compromissos, cada dia se vestindo diferente e melhor aos olhos do marido, e este volta a sentir ciúmes, começa a segui-la, e procura interromper o trato com o play boy. Até que definitivamente se redescobre apaixonado pela esposa, conta pra ela a trama engendrada por ele e a confusão acaba em separação.

   Depois de três anos finalmente chega a hora da assinatura do divórcio, mas o juiz se atrasa e novo horário é marcado para dali uma hora. Os dois vão a um café e sentados em mesas diferentes fazem o pedido. Quando ele pede um sanduíche a garçonete informa que vendera o último a mulher da outra mesa, ele vê a ex-esposa. Ela decide ir até a mesa dele, pergunta se pode se sentar, em seguida se ele quer mear o sanduíche com ela. Ele com a costumeira dificuldade de falar o que tem vontade e precisa ser falado. Ela diz pra ele que ele apenas tem de dizer, eu quero sim, eu vou aceitar, o que finalmente consegue dizer e os dois nunca mais voltaram ao juiz, recomeçando um novo relacionamento mais verdadeiro, onde estão mais a vontade para dizer o que pensam e participando de diversões conjuntas.

   A questão de perspectiva, ver o outro com vida própria e se saindo melhor do que antes mostra como às vezes a gente é enganada nos jogos que  arma sem conhecimento aprofundado dos sentimentos e comportamentos na vida a dois. A mulher é autêntica, enquanto ele, por seu perfil, tinha dificuldade em colocar o que pensava, o que queria, deixando de discutir questões que envolviam os dois.

   Uma boa comédia quando se está fora do plano de filmagem... sempre volta a questão da falta de diálogo, oh trem difícil de entender porque acontece.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

PEDAÇO DO CÉU NA TERRA

   

   Na madrugada veio uma tromba d'água desejada. Tinha um bom tempo que não se via chuva por estas bandas, aparecendo até temperaturas de 27 graus nos últimos dias em pleno inverno em Floripa. Quem veio passar as férias por aqui teve chance de tomar um banho de sol delicioso. Quanto a ficar de maiô ou sunga, aí é outra coisa, afinal estamos no sul e alguns ventos teimosos implicam participar da festa. Eu vi a criançada fazer festa na água gelada desses tempos enquanto os pais permaneciam na observação, todos paramentados de acordo com a estação.

   De todo jeito é sempre bom admirar a beira mar. Deu até para boas caminhadas durante essa confusão climática. Numa dessas caminhadas eu até aproveitei para fazer boa ação. No trajeto, enquanto caminhava, ia abaixando e recolhendo todo o material que eu via ser de plástico. Como eu não levei um saquinho de lixo, assim que a mão enchia ia até a lixeira jogar os detritos encontrados próximo a orla.

   Que triste, copos descartáveis, tampinhas de garrafa de água mineral de tudo quanto é cor, cacos de plástico de vasilhames diversos, canudinhos, e até galão de 7 litros de água mineral vazio e em questão de poucos minutinhos a mão cheia de lixo imprestável. A bem da verdade não deu para eu considerar ter feito caminhada de tanto agacha e levanta à cata de lixo. Percebi que quanto mais próximo um bar ou restaurante da praia, mais infestado estava o local.

   Confesso que eu parecia uma doida varrendo o chão de areia de uma grande extensão de praia, estava engraçada a figura, me veio ao pensamento que se ali estivesse um fotógrafo ia achar um motivo para um click. A constatação principal e que decepciona é que as pessoas, elas próprias que usufruem daquele pedaço do céu na terra, têm o atrevimento, a desfaçatez de jogar restos pelo chão e não catar. Depois reclamam da limpeza, incapazes de exercer a obrigação cidadã. 

   Decepcionada porque muitos gostam de arrotar uma evolução humana que numa situação dessa se observa nem existir, apesar da informação presente em todos os âmbitos, quanto a necessidade de manter limpos os locais públicos.

   Matutando enquanto eu ia e vinha pela orla chequei à conclusão que se todos os dias eu me comprometesse a recolher todo o lixo encontrado eu não ia alcançar meu objetivo de higidez de tanto abaixa e levanta. E olha que toda a manhã a  empresa responsável pelo recolhimento de lixo faz a devida limpeza... será que isso acontece só por aqui... nas terrinhas do Brasil?

quarta-feira, 27 de julho de 2016

À PROCURA DE LISTAS

   Acabei de acabar a leitura do livro do Humberto Eco, Confissões de um jovem romancista. E senti uma tristeza por ter encerrado a leitura deste livro que traz no seu bojo a história do ponto de vista técnico sobre o escrever literatura.

   O livro está cercado de ricas referências, com exemplificação admirável, como no caso das imensas listas que muitos escritores lançam mão procurando dar uma visão de detalhamento obsessivo que, às vezes, se arrastam mais e mais de três ou quatro páginas. Ele diz ser fã de listas e em todos os cinco livros de literatura as utilizou. Exemplifica as que colocou nos romances O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault, O Baudolino ..., além de outros autores, como Rabelais, Joyce e outros que fizeram o mesmo. Além do que muitas delas têm intenções diferenciadas, a depender do escritor.

   O livro também traz acerca dos personagens, aqueles que acabam por ter vida própria para além do livro, como no caso do Detetive Poirot, Anna Kariênina, Madame Bovary. Da semiótica dos personagens. Do leitor modelo e empírico... dentre outras acepções que estão me sendo muito úteis.

   E foi aí que percebi que eu própria tenho cá as minhas listas, minúsculas às apresentadas por ele. Só nunca tinha imaginado a imensa utilização delas na literatura pelos escritores. Engraçado que a gente como leitor empírico deixa passar em branco muitas dessas situações quando se lê um livro e somente quando se torna um leitor crítico é que percebe a verdadeira intenção do escritor. Li O nome da Rosa e nem lembrava de lista alguma e lá está. Incrível achei é o catálogo de livros que Teofrasto (filósofo grego) escreveu. Como pode uma pessoa ter escrito tanto livro durante a vida, Humberto Eco gasta quatro páginas só para relacioná-los... puxa vida como é possível?

   Percebo que esses tipos de livros são bem legais porque a gente entra em contato com o escritor como humano que é, pois normalmente se endeusa um pouco esta arte.

sábado, 23 de julho de 2016

A ESPERANÇA DE DICKENS

   No domingo assisti o filme Mr Pip, de 2012, com aquele ator de House, Hugh Laurie. O filme vem recheado de aventuras por um lado e de outro, a terrível agressividade e carnificina oriundas de uma guerra, onde são massacrados em sua existência o povo de Papua Nova Guiné, na sua maioria crianças, mulheres e velhos, já que os homens e os jovens são levados obrigatoriamente a servir o exército na guerra.

  A população é castrada em seus direitos. Não tem um povoado estruturado, com escola, hospital, praças, empregos. Tudo é subsistência. A sobrevivência consiste em não incomodar o ditador da guerrilha. O silêncio e o esquecimento de atos de vandalismo e crueldade é obrigatório, senão o golpe fatal é a perda da vida.

   Assim vão vivendo as pessoas daquela comunidade. Até que um dos moradores, único de raça diferente dos locais, um branco, casado com uma das moradoras, chamado por todos de Senhor Pip, resolve dar aulas para a garotada. A mulher dele tem problema mental e geralmente fica em silêncio. Ele cuida dela com afeto e carinho irreconhecíveis.

   No início da classe ele revela não ter habilidade de professor, mas se dispõe a encantar a vida daquelas crianças a partir da história de Charles Dickens, Grandes Esperanças (no português), onde existe um tal de Mr Pip.  Em contrapartida as mulheres do local querem também participar como professoras levando as histórias locais. No que são respeitadas pelo professor. Elas consideram os ensinamentos do livro com abordagem que traz ideias para além das exigências no povoado. 

   E a criançada atenta às palavras do professor, cada qual ao seu modo vai construindo o arcabouço interior pelas mensagens de fé e esperança que trazem o livro. A mais envolvida de todas é uma mocinha, que a partir de cada etapa, vai vivendo sequencialmente as cenas em sua fértil e inteligente imaginação. A mocinha escreve o nome Pip na areia da praia e ao mesmo tempo vive cenas do livro. 

   No decorrer o professor cria uma afeição pela mocinha devido às conversas que têm sobre o livro. Propõe tirá-la daquele lugar junto com a mãe num barco que sai durante a noite e que avisaria quando. O que acontece a seguir vai modificar a intenção. O ditador volta ao local e quer saber o que é Pip, pois viu o escrito de cima, de um helicóptero. Contam que é um personagem de um livro. Ele quer ver o livro e a mocinha corre até a escola para pegar, pois ficou sobre a mesa. Chega lá e não o encontra. A mãe dela escondeu o livro para que as aulas fossem interrompidas e naquela situação acabou ficando calada por não poder revelar o que fez. O ditador diz que vai dar um prazo para mostrarem quem é o tal Pip. Isso já queimando móveis e utensílios de todas as casas do povoado. Até a escrivaninha da mocinha, onde ela escondeu o livro achado nas coisas da mãe. E a única salvação queima na fogueira.

   Como não tem como comprovar a existência do Mr Pip, o professor vem com um nariz de palhaço, vermelho e, diz ser o senhor Pip, o que é confirmado por uma das crianças. O ditador acha que está sendo enganado, não acredita em nada. Mata o professor, a criança e a mãe da criança, a mãe da mocinha que também se atreveu a falar. Quando vão embora deixam o povoado atirado ao caos, próprio das guerras civis que tanto vemos pelo mundo.

   A mocinha perdida vai para a beira da água e de repente vê o nariz de palhaço pendurado num galho. Entra na água e força o corpo até conseguir pegar, mas não consegue e acaba se afundando e a correnteza levando, até que é salva pelo Mr Pip de Dickens. Na verdade um grupo que estava fugindo do local no barco e percebe que ela está se afogando. São resgatados mais tarde por um navio e ela vai para a casa do pai, na Austrália, lugar que a mãe resistiu ir, com dificuldade em largar a cidade natal.

   A mocinha visita Londres e conhece a casa onde Dickens viveu e que é um museu. Também descobre que o professor era casado com outra mulher na verdade e deixou-a por uma atriz da época, que era do povoado onde ela vivia. A ex-esposa do professor alega nunca ter entendido o que ele viu na tal atriz e que tinha sido um homem que nunca conseguiu nada na vida. Bem ao contrário do homem sensível e intenso que a mocinha conheceu. Descobre o livro na biblioteca dele e a ex-esposa lhe dá de presente.

   Os ensinamentos e experiências da mocinha mais tarde vão orientar a vida da mulher que se tornou Matilda. O nome é a única coisa que possuímos e que ninguém pode nos tirar. E a importância de correr atrás dos sonhos. Torna-se uma professora e num novo tempo ensina as crianças do povoado.

   A esperança dá significado à existência.    

terça-feira, 19 de julho de 2016

NOVAS PÉTALAS

   Terminei o livro do Cristovão Tezza e não podia deixar de colocar as últimas impressões. Que fique claro, é a minha interpretação. Os antepenúltimo e penúltimo capítulos ele faz uma síntese genial do que foi abarcado em todo o livro. E dá uma pincelada em cada tema tratado.

   Na questão da inadequação como a causa do escrever, não significa que por isso todos vão escrever ou que se escrever, será literatura. Aí vai depender do trajeto e do desejo de escolha. Apenas percebe como pano de fundo a existência de uma inadequação com relação à vida pela pessoa que passa a escrever. O que necessariamente pode ou não se tornar literatura.

   Da solidão em que vive quem opta por escrever e de admitir tal situação como uma tarefa a cumprir que não pode ser relegada. Até diz de forma interessante: "... que o ato de escrever também tenta resolver problemas que antes não existiam. Ou, se existiam, eram apenas uma massa difusa desesperada por uma formulação...".

   Do uso da palavra, desde a primeira que é elaborada e que vai se agigantando, tanto que a segunda já passa a escrava. De tal forma que no decorrer da experiência as palavras vão tomando forma no texto quase que espontaneamente, sem pressão do autor. Até chegar aí vai depender da existência de um narrador que não se confunda com o autor, deixa bem claro. Só assim é possível a criação da literatura. Diz: "O nascimento da literatura é o nascimento de um narrador."

   Ele explica como o narrador não se confunde com o autor: primeiro que a linguagem vai ganhando autonomia de tal forma que em nenhum momento lembra o que o autor passará na vida real. E segundo, que o narrador é sempre um objeto, o autor é um sujeito, e que o objeto estético jamais se confunde com o evento da vida. Diz que a literatura só sobreviverá se tiver um narrador responsável.

   Portanto, para ele, "Escrever literatura é constituir um ponto de vista pelo qual estabeleço um eixo de referência da minha condição humana... o ato de escrever cria um narrador, com quem não posso me confundir. Se eu mesmo sou o narrador, não escrevo literatura...".

   Lindo o que ele escreve sobre o narrador. De que ao dar autonomia ao narrador esse gesto é de humildade, de generosidade. "Ao escrever eu me transformo em outra pessoa, e obrigatoriamente tenho de ver o mundo do lado de fora de mim mesmo."

   E chega até ao leitor, e diz que o escritor será o primeiro leitor e que escreve a frase que gostaria de ler. "Esse é o primeiro desejo de quem escreve."

   No final do penúltimo capítulo sintetiza: "Numa obra bem-sucedida, partilhamos a utopia de um mundo possível que, sem ocupar lugar real no espaço, será sempre uma chave generosa para que encontremos, narradores e leitores, nosso próprio espaço no espaço real... digamos que a literatura será uma aproximação densa e silenciosa entre duas pessoas num terreno a que nenhuma outra voz consegue chegar."

   No último capítulo Cristovão Tezza diz que não é Santo Agostinho, mas para mim soou como se fosse ao mostrar um caminho, mesmo que mínimo, como ele diz. Já que no final das contas também não tem ideia do que virá. 

   Nesta última frase lembrei do escritor Ronald Claver que diz: " a escrita é isso: um bordado de nunca acabar, um sonho de muito sonhar, um caminhar de nunca chegar."

   Mas o danado encerra o livro sem dizer o que leva alguém a escrever. Eu curiosa pra saber.