terça-feira, 19 de julho de 2016

NOVAS PÉTALAS

   Terminei o livro do Cristovão Tezza e não podia deixar de colocar as últimas impressões. Que fique claro, é a minha interpretação. Os antepenúltimo e penúltimo capítulos ele faz uma síntese genial do que foi abarcado em todo o livro. E dá uma pincelada em cada tema tratado.

   Na questão da inadequação como a causa do escrever, não significa que por isso todos vão escrever ou que se escrever, será literatura. Aí vai depender do trajeto e do desejo de escolha. Apenas percebe como pano de fundo a existência de uma inadequação com relação à vida pela pessoa que passa a escrever. O que necessariamente pode ou não se tornar literatura.

   Da solidão em que vive quem opta por escrever e de admitir tal situação como uma tarefa a cumprir que não pode ser relegada. Até diz de forma interessante: "... que o ato de escrever também tenta resolver problemas que antes não existiam. Ou, se existiam, eram apenas uma massa difusa desesperada por uma formulação...".

   Do uso da palavra, desde a primeira que é elaborada e que vai se agigantando, tanto que a segunda já passa a escrava. De tal forma que no decorrer da experiência as palavras vão tomando forma no texto quase que espontaneamente, sem pressão do autor. Até chegar aí vai depender da existência de um narrador que não se confunda com o autor, deixa bem claro. Só assim é possível a criação da literatura. Diz: "O nascimento da literatura é o nascimento de um narrador."

   Ele explica como o narrador não se confunde com o autor: primeiro que a linguagem vai ganhando autonomia de tal forma que em nenhum momento lembra o que o autor passará na vida real. E segundo, que o narrador é sempre um objeto, o autor é um sujeito, e que o objeto estético jamais se confunde com o evento da vida. Diz que a literatura só sobreviverá se tiver um narrador responsável.

   Portanto, para ele, "Escrever literatura é constituir um ponto de vista pelo qual estabeleço um eixo de referência da minha condição humana... o ato de escrever cria um narrador, com quem não posso me confundir. Se eu mesmo sou o narrador, não escrevo literatura...".

   Lindo o que ele escreve sobre o narrador. De que ao dar autonomia ao narrador esse gesto é de humildade, de generosidade. "Ao escrever eu me transformo em outra pessoa, e obrigatoriamente tenho de ver o mundo do lado de fora de mim mesmo."

   E chega até ao leitor, e diz que o escritor será o primeiro leitor e que escreve a frase que gostaria de ler. "Esse é o primeiro desejo de quem escreve."

   No final do penúltimo capítulo sintetiza: "Numa obra bem-sucedida, partilhamos a utopia de um mundo possível que, sem ocupar lugar real no espaço, será sempre uma chave generosa para que encontremos, narradores e leitores, nosso próprio espaço no espaço real... digamos que a literatura será uma aproximação densa e silenciosa entre duas pessoas num terreno a que nenhuma outra voz consegue chegar."

   No último capítulo Cristovão Tezza diz que não é Santo Agostinho, mas para mim soou como se fosse ao mostrar um caminho, mesmo que mínimo, como ele diz. Já que no final das contas também não tem ideia do que virá. 

   Nesta última frase lembrei do escritor Ronald Claver que diz: " a escrita é isso: um bordado de nunca acabar, um sonho de muito sonhar, um caminhar de nunca chegar."

   Mas o danado encerra o livro sem dizer o que leva alguém a escrever. Eu curiosa pra saber.

Nenhum comentário:

Postar um comentário