segunda-feira, 29 de abril de 2013

QUIROGA E SUA PALAVRA

   

   Aproveitei estes dias e li os contos de Horácio Quiroga (1878-1937), escritor uruguaio, naturalizado argentino. O livro Contos de Amor, de Loucura e de Morte, vol.31,  Abril Coleções, 2010. Os contos são muito bons e até o final o escritor nos surpreende com sua habilidosa escrita. O que eu mais gostei foi o conto: Meningite e sua sombra, pág. 159, delicioso conto de amor.

   Ao final do livro, encontramos o Decálogo do Contista, pág. 189, onde o escritor dá dicas de como escrever, que transcrevo aqui para seduzir os apaixonados pela escrita:
  1. Creia em um mestre - Poe, Maupassant, Kipling, Tchekhov - como em Deus.
  2. Creia que sua arte é uma montanha inacessível. Não sonhe dominá-la. Quando isso for possível, você saberá.
  3. Resista o quanto possível à imitação, mas imite se a tentação for muito forte. Mais que qualquer outra coisa, o desenvolvimento da personalidade exige paciência.
  4. Tenha fé cega não na sua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que você deseja este triunfo. Ame a sua arte como a sua mulher (como o seu homem _ grifo meu), dando-lhe seu coração.
  5. Não comece a escrever sem saber aonde ir. Em um bom conto, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância que as três últimas.
  6. Se você quiser expressar com exatidão esse fato - "Um vento frio soprava do rio" -, não há, na linguagem humana, palavras mais precisas que essas. Seja dono de suas palavras, sem se preocupar com suas dissonâncias.
  7. Não adjetive sem necessidade. Inúteis serão as camadas de cor adicionadas a um substantivo fraco. Se você fizer o que for preciso, ele terá, por si só, um colorido incomparável. Mas você terá de ir buscar esse colorido.
  8. Pegue seus personagens pela mão e conduza-os firmemente até o final, sem deixar que nada o desvie do caminho traçado. Não abuse do leitor. Um conto é um romance depurado de resíduos. Tenha isso como verdade absoluta, mesmo que não seja.
  9. Não escreva sob emoção. Deixe-a morrer, e depois a evoque. Se você for capaz de revivê-la, terá chegado à metade do caminho.
  10. Ao escrever, não pense em seus amigos, nem nas reações deles à sua história. Pense como se o seu relato só interessasse aos seus personagens, e você fosse um deles. Não se dá vida a um conto a não ser dessa maneira.
   Espero que a inspiração dê as caras! Através do olhar, da música, da palavra...

domingo, 28 de abril de 2013

"O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO!"

   

   Na semana retrasada, devido a crise de gripe da ocasião, eu estava bem "capenga", músculos doloridos, mal me aguentando em pé, um mal estar horrível, mas veja o que aconteceu. Eu já tinha reservado há tempos uma viagem de fim de semana para o Rio (pegando promoções!) bem naquele fim de semana, ainda com a gripe instalada. Lá fomos eu e o maridão aproveitar as belas praias cariocas. E não é que ver aquela beleza emoldurante do cartão postal do Rio me deixou mais pra cima. Andar na areia, curtir o sol (que mesmo estando no outono, apareceu sorridente aos 30º) e a cidade que já está calma na baixa temporada. Foi uma delícia! Senti como uma aventura!

   Nós não conhecíamos o Rio pra valer, então foi como uma experiência de primeira viagem. Andamos pelo calçadão ondulante de Burle Marx, entramos mais para o interior indo até perto da entrada de uma favela e parece que estávamos na novela das oito, quando ouvimos alguém gritar: Oh! Percoço! Lembramos do personagem Pescoço que vem dando aquele trabalho. 

   Admiramos muito a Copacabana de hoje, já que pela música do Tom Jobim, Garota de Ipanema, a juventude imperava. Muitos, mas muitos cabelos brancos por todo o lado, nas praias, na calçada, em cadeiras de rodas, com muletas, muitos acompanhados de cuidadores. O Rio de Janeiro envelheceu, eu gostei do que vi: velhinhas e velhinhos animados, vestidos a caráter para as caminhadas, cada um no seu ritmo e assumidíssimos em sua auréola branca. Claro, reconheço que estávamos numa área de classe média. Não sabíamos que na terça era feriado na cidade - dia do padroeiro de lá, São Jorge, portanto, muitos foram para a região dos lagos e a cidade estava uma delícia em sua calmaria.

   Aproveitei para sentar e conversar com Drumond, literalmente! Ele (sua estátua) está lá, com as pernas cruzadas olhando para a cidade e o tráfego, que continua intenso. Eu pedi pra ele alguns conselhos: como fazer para escrever melhor etc etc etc... Eu falando e meu marido rindo da tal artimanha. Só eu mesma pra fazer essas coisas... Mas é tão bom dar umas risadas, né! O importante é se divertir, mesmo simples divertimentos!

   Acha que acabou por aqui... Engano! Constatei que a velhice estacionou mesmo em mim. Pus na minha cabeça que voltaríamos na segunda, mas na verdade o voo foi no domingo. Eu me esqueci completamente, fiquei toda relaxada e descontraída naquela cidade maravilhosa, e me esqueci do tempo e de checar a volta. Tenho que me acostumar com tais imprevistos, pois parece ser a tônica daqui para a frente. Só o que pude fazer foi rir de minha memória, que fez questão de esquecer o cotidiano naquele idílico fim de semana na linda Rio de Janeiro.   

A IDADE DE AMAR É HOJE

   

   Hoje eu estava vendo a minha imagem no espelho e gostei do que vi: serena, tranquila e com dose de aceitação. Eu me achei bonita, aos quase sessenta... eu admirando a minha imagem, quem diria! Nem sempre é assim, claro... Têm dias que custo a me enxergar... Mas hoje foi diferente!

   Tinha acabado de assistir àquele filme As Idades do Amor, de 2011, com o Robert de Niro como um dos personagens da terceira fase do amor. A película mostra as três fases: juventude, idade madura e velhice. Eu achei o filme muito gostoso e interessante para análises sobre a relação. Como não poderia deixar de ser, o filme é visto pela ótica masculina, sendo normal as traições, o que não acontece com as mulheres. Outro lance foi a mulher com quem o personagem de Robert de Niro se relaciona, bem mais jovem que ele, deixando claro que a nós, mulheres, quando envelhecemos, não temos condições de competir... eh! as pessoas sentem isso na pele...

   Mas gostei de falas do personagem de De Niro quando relata que a vida é boa porque não é fácil. Para ele que saiu de uma operação de transplante de coração, estava sem se relacionar com uma mulher há mais de seis anos, por ter dado preferência a uma vida pacata e sem grandes entusiasmos, previsível (até que?). Realmente seria monótona se tudo corresse: tim por tim, ipsis literis conforme traçado. Que tédio! Como parece ser a idade do amor na fase madura - isso de acordo com o filme: mostrando um sujeito convencional, adepto do clássico e que seu roteiro de vida é cotidianamente igual... até que aparece uma mulher "bipolar" que dá mais graça à sua existência. Pelo menos ele consegue assumir a sua falta de cabelo (já que sua peruca é descoberta!). Nesta fase, o autor quis retratar como introjetamos que o certo é agir de acordo com o prescrito pela sociedade; foram-se os riscos, as possibilidades, as mudanças. E quando a mudança dá as caras, o tal sujeito não está preparado (é um cômico que é trágico!).

   Outra fala do personagem de Robert de Niro que gostei muito: a gente tem que parar de pensar na vida que passou e viver a vida que resta viver. Aqui o filme se superou, não é mesmo! Quanta verdade! As pessoas ficam presas a tantos ideais, tantas crenças arraigadas do passado e esquece de transformar a vida que resta viver. E deixa de aproveitá-la. 

   O diferencial está na fase do amor da juventude. Tudo é permitido, o sujeito está aberto a experimentações e se surpreende com as transformações que a mudança traz. Pensando bem, acho que o filme devia ter sido mostrado do final para o início, primeiro com a fase da velhice, onde se acostuma com tudo e deixa as coisas como estão, passando pela fase madura e suas convenções até chegar à juventude com as expectativas suspirando ações. 

   Afinal é isto que o filme quis mostrar... que sempre devemos ser jovens na dimensão do amor e buscar sempre alternativas para uma vida que represente algo melhor... Vale a pena!

quinta-feira, 18 de abril de 2013

CAMINHOS

   

   Hoje eu estou tão baixo astral que ninguém toleraria estar no meu lugar. Todo o corpo dolorido, as musculaturas dormentes, estou que mal me aguento em pé: só não sei se é uma virose ou a tal da dengue. Ai gente, mas como é ruim adoecer!

   A vida é tão melhor com a saúde em dia que quando bate a nossa trágica fragilidade, haja sustentação. O jeito é administrar na medida e fazer o enfrentamento. Alimentação adequada, muita hidratação, descanso e aguardar o tempo. 

   E estou apenas a falar disso. Imagina quantas pessoas por aí a carregar cruzes maiores e que não têm outro jeito senão sempre estar administrando a situação. E como há gente obstinada, que resiste até o fim, não entregando os pontos. Vê no desafio da dor, a oportunidade de mostrar forças, numa capacidade resiliente de fazer qualquer de nós, um jogador de reserva.

   É tão estranho como as pessoas são tão diferentes, umas a se fazerem de vítimas, outras tratam de maquiar e outras heroicamente, a encenar com uma lucidez. Espero que se eu tiver que passar por tais cenas, imite o exemplo três, pois tenho muita dificuldade com a dependência. Eu odeio qualquer tipo de dependência... Talvez o meu perfil feminino lute constantemente para se sustentar em seu próprio eixo. Historicamente ou a carregar na veia a cultura ancestral, isso me exija constantemente novos paradigmas, sempre refazendo conceitos, não existe uma verdade, existe algo a construir.

   É assim que se traduz a mulher - na luta!    

segunda-feira, 15 de abril de 2013

REINVENTAR O VIVER!

   
Escultura em cerâmica - SERTÃO
Artista Maria Sílvia Boaventura

   A semana transcorreu bem diferenciada (ou fui eu que estava assim... mais solta, relaxada, em paz???) Só sei que ela me pareceu agradável e sedutora... Penso que é o ter atividades, é isso mesmo... Lembrei do filme que vi há algumas semanas, que acho não mencionei, mas seu conteúdo mostra claramente o que o ócio exagerado em conjunto com uma mente cheia de problemas existenciais é capaz de fazer... A ponto de chegar a extremos (o que no filme não acontece, graças ao encontro entre o novo e o velho); e como esses extremos (?) podem ganhar visualização diferenciada da realidade morna pela qual, algumas vezes, nós fazemos questão de continuar a atravessar. Veja o filme, é realmente empolgante, delicioso, uma lição de vida... Nada como ter objetivo e vontade de viver!  O filme é francês, de 2011, Sejam muito bem vindos! Eis o nome... Delicioso e reflexivo...

   Voltando aos conformes, a semana correu, como diria, com "bons momentos" (isso pra mim equivale a maior das felicidades!). Estou lendo três opções de leitura ao mesmo tempo, alternadamente. Entusiasmando-me com o diário delicioso de uma amiga, que mesmo com diferença de idade, quanta semelhança eu vislumbro. Todas as pessoas deviam contar as suas histórias, enriquece tanto não só o passado; mas ele é reinventado na verdade de quem o conta. Estou amando... 

   Os outros  livros, um de prosa e outro de poemas. O livro Poemia, de Jean Garfunkel, Criar Edições, 2011. O poeta é amigo de uma amiga, e ela generosamente emprestou-me o exemplar, que ando adorando e devorando pelos temas regionalistas que sempre demandam aparecer; a gente sente a alma ali presente. 

   Empolgada também estou pela prosa do escritor angolano ONDIJAKI, BOM DIA CAMARADAS, Agir, 2006. A história de vida de um menino angolano contada a partir de seu olhar crianceiro, mas a lucidez acompanha o narrador no relato da história de seu povo e do sofrimento na busca da transformação para uma sociedade justa, um contar inusitado; infantil, sem ser infantilizado. Eu tinha ouvido falar deste livro a tempos, o coloquei em minha lista de compra, mas em toda a livraria que buscava, estava esgotado. Apelei para os sebos (via internet), e não é que encontrei (inda bem!) num sebo lá em São Paulo. Realmente a Internet amplia os nossos horizontes. Li que ele é fã do escritor brasileiro Manoel de Barros, e qual não é a minha surpresa hoje ao ver um documentário (Língua de Brincar, 2006) deste; lá está o Ondijaki expressando-se sobre o mundo mágico e primevo de Manoel de Barros, que como este o disse: o importante é reinventar a infância constantemente!

   Estou completamente irradiada de boas inspirações com esses escritores que trazem o sentimento do viver transpassado de emoções, angústias, dores, esperanças... 

   Fechando com chave de ouro a semana: fui ver o Show do Lenine (que apesar de ter tido dengue hemorrágica, dias atrás), fazendo todos delirarem com seus trejeitos tão particulares e canções que trazem um engajamento social, um sentimentalismo delicioso no caus existente em nossa realidade, além da sonoridade nos ritmos criados in locu. Adorei! Ele disse que estava só 70%, pois ainda se encontrava meio dengoso... Não vi nada disso; estava lá ao vivo e transpirando vida e energia poética!   

sábado, 13 de abril de 2013

MISCELÂNEA

   

   Está caindo uma chuvinha atrevida inda gora aqui para o meu lado. Dessa vez acho que ninguém está reclamando muito (quer dizer, alguns devem estar sofrendo com elas de alguma forma, o que é triste), pois o março não despejou o aguaceiro costumeiro. Deixou para entrar mais timidamente por abril (deve ser a tal onda de frente fria que ouvi os repórteres (ou meteorologistas?) ameaçarem que viria. Mas está gostoso estar aqui, ouvindo a música cantarolando, enquanto escrevo.

   A minha semana foi muito proveitosa, apesar de o cotidiano perpassar todo o tempo, como é comum em nossas vidas. Primeiro, recomecei com reaprender o idioma inglês novamente... Êta língua que eu resisto! Vira e mexe eu retomo seu estudo, me prometo, em meus projetos de vida, ler pelo menos um livro em inglês mês... E cá estou eu sempre em falha... Adiando este, não só importante, mas interessante evento; pois é tão bom, é delicioso conhecer nova cultura, seus hábitos e costumes. Estou tentando ir por conta própria e mais obstinadamente para ver se relembro os conceitos básicos... Ando empolgada (às vezes acontece assim com muita gente, começa empolgada, vai se arrefecendo e quando vê parou! Chamamos a isto de tarefas inacabadas...) e espero assim continuar.

   Também fui ao cinema assistir ao filme francês: Thèrese D., de 2012, com Audrei Tautou como atriz principal. O filme é tristonho, retrata um tempo (+- 1924) em que as aparências sobressaiam ao desejo verdadeiro do que se intuía viver. A mulher não dá conta de lidar com essa insatisfação que a dilacera, chegando ao extremo para alcance de sua meta, de lidar com o outro como coisa. O nível de desejo ultrapassa a normalidade e traz no bojo uma frieza em relação aos sentimentos do outro; transita num estado centrado apenas no objetivo de alcance da liberdade a qualquer custo - uma vivência distorcida da realidade. Também mostra o mundo de hipocrisia, valem as máscaras artificiais do viver em sociedade, representações que se assemelham as que estamos acostumados a vivenciar... Mudam-se as épocas, costumes se perpetuam...

   Vi (ou revi???) pela TV o filme dos Irmãos Grimm... Delicioso, nas suas aventuras de contos de fada e a arte de sempre anotar as lendas que o povo ia descrevendo como uma verdade. Hoje são clássicas as histórias que eles traduziram do universo mágico das pessoas da época. A literatura é realmente apaixonante, quem se envereda por ela  nunca mais é o mesmo, a mesma... Transforma-se sempre para o melhor de si, ganha parâmetros que dimensionam a realidade. 

   Pensa que acabou... Ficou tão grande a postagem que conto mais amanhã!!!    

quinta-feira, 4 de abril de 2013

CHEGA DE CETICISMO... VIVA A VIDA!

   

   Eu estive analisando as postagens de 2013 e devo admitir... Estão céticas e realistas demais para o meu gosto esperançoso, não é mesmo? "Chô, momento crítico, reflexivo e cheio de realismo, chô!!!".

   Até parece que todos nós já não sabemos o que nos espera... Portanto, vamos às novas, de um novo 2013, mais reluzente, com lances de risos, brincadeiras e muita poesia, pois a vida, apesar de todos os senões que existem, todas as reflexões, vale a pena ser bem vivida, portanto: VIVA A VIDA!

   É que às vezes me envolvo tanto com o assunto que ele me toma... Será masoquismo???  Chega de ser agourenta, dona Marc Gogh e reconstrua a alegre trajetória de relax, bem estar e leveza... 

   Vamos lá, não tenho assistido somente filmes que retratam essa nova realidade dos cabelos brancos, outros interessantes e que nos vislumbram bons agrados também; como o filme A Parte dos Anjos, que achei uma delícia de filme e traz o que sempre me empolga: a possibilidade de mudança que sempre nos ronda e que adiamos por estarmos sossegados demais ao nosso marasmo. Outro que muito me atraiu foi A Invenção de Hugo Cabret, de 2011 e ganhador de cinco Oscar.

   Tenho gasto tempo também com boas leituras e nem sempre o meu cotidiano está digno de ser retratado, por estar comum demais. Penso estar cada vez mais exigente ao que postar e acabo por me cobrar algo diferenciado. Bem dizer a gente não sabe bem se está melhorando ou piorando quando se cobra demais.

   O importante é deixar que as palavras se revelem e entoem cantos salutares. Eis o meu compromisso (que eu normalmente fujo dele! Que fazer: é a vida!).    

O AMOR EXISTE!

   

   Sabe o filme AMOR, de 2012, que está gerando uma polêmica danada, principalmente entre nós que já beiramos os 60 e os acima disso, pelas cenas realistas que fazem parte da película? Pois é, tem umas 3 semanas que eu e meu marido estávamos tentando assistir, mas veja só; fomos por três vezes no Usina de Cinema Belas Artes e por três vezes não conseguimos assistir por termos ido em horários errados. Algumas pessoas tinham me relatado que o filme era pesado, muito denso e que não viram nada de amor nele. Não sei se fiquei sugestionada pelas opiniões... E no fundo não queria assistir???

   Finalmente ontem assisti. Aquele casal de idosos, com vida econômica estável, culturalmente antenados, veem a fatalidade pousar em suas vidas. Simplesmente, sem mais nem menos, o sinal de que algo não está bem aparece no cotidiano. A esposa fica paralisada, não ouve e nem fala nada com o companheiro por poucos minutos, como se estivesse em um mundo alheio àquele. Instantes depois está ela agindo como se nada houvesse ocorrido, sem lembrar daquele momento anterior. Ela teve um acidente vascular.

   A partir de então o que vemos é só a sequência de involuções fisiológicas de amedrontar qualquer um. É uma realidade tão óbvia e com certeza já vivenciada por muitas famílias, mas presenciar aquelas cenas nos dá, seres humanos que vamos morrer, a certeza de que o final não será o "felizes para sempre" dos contos de fada.

   As relações que existem entre amigos, filhos, vizinhos, cuidadores, nos arrepiam, pois torna claro que cada um está mesmo é preocupado com a sua própria vida e aqueles dois velhos estão sozinhos. A filha, ausente, distante, pouco amorosa, apenas prática. Os cuidadores deixam uma interrogação, pois até onde são realmente úteis, apresentando um despreparo para o atendimento dessa dor familiar.

   O marido se mostra resistente e cuidadoso com a esposa, mas a exaustão toma-lhe conta em algumas situações. De repente, a vida daquele casal completamente estruturado vira de cabeça para baixo, se desestruturando totalmente e, cada momento posterior sendo uma mudança brusca e dolorosa.

   O final é que nos mostra que realmente aquele homem ama e respeita a sua companheira, pois com suas poucas forças dá a pincelada de dignidade, o que lhe exige toda a supremacia daquele gesto redentor. O amor existe; é com esta certeza que saí do cinema, apesar de dolorosamente as cenas estarem até agora revoando em meus pensamentos.

   Ali foi um filme; e a realidade que nos cerca? O Brasil está envelhecendo cada dia mais rápido e não vemos o governo atentar-se para políticas necessárias para essa faixa de idade - vivemos mais, mas quem disse que o final será dignificante? As famílias estão despreparadas, a assistência médica deficiente, a comunidade idem e podemos ser os próximos a passar por tal labirinto de sofrimento. Ela tinha um parceiro fiel e quem não o tem?

   Eu disse que o filme é realista e é. Não falseia a realidade de um drama como o morrer. Viva o presente inteiramente, pois a saúde é muito relativa e tem contagem regressiva.