domingo, 28 de janeiro de 2018

É O AMOR

É O AMOR
19/11/2017

   Zé da Fiinha era um tremendo pedreiro. Sujeito alegre, ria de qualquer coisa. Tinha uma filharada. De corpo franzino, respeitava esposa de fazer vizinhos abobados. Quando ia trabalhar, mulher perguntava:

   — Onde ocê vai trabalhar hoje?

   Ele falava local do trabalho naquele dia e ela fazia contas.

   — Então ocê tem de chegar em casa até quinze para sete da noite.

   O zeloso marido obedecia e chegava na hora determinada pela mulher. Chegasse fora do horário, certeza de problemas. Ela, além de bons tabefes, trancava Zé dentro do guarda-roupa.

   Zé gostava de boa cachacinha. Quando perto de casa pegava raminho de hortelã do vizinho e mascava bem. Expirava o hálito entre mãos e subia tranquilo com aroma bucal.

   Chaga, o vizinho, lhe perguntou:

   — Zé, como você aguenta?
   
   — Fiinha?

   — Ficar trancado no guarda-roupa?

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O QUE VEM E VAI COM O VENTO

O QUE VEM E VAI COM O VENTO
07/11/2017

   Aceitou viajar com amiga para roça. Seis horas de viagem em ônibus leito. Chegaram à Montes Claros e ainda bons quilômetros a trafegar até pequena fazenda. Fez-se festa seresteira como costume bom do interior das Minas Gerais. Fazenda simples, comida mineira de Ana. Criançada satisfeita de rever tia. Pequeno riacho ao lado da casa fluindo devagar da mina e, em sua limpidez, a gente via o fundo.

   Tarde caindo e quando se viu, noite. Luz de vela e lamparina. Ana preparava o guisado, que delícia, maxixe refogado. A amiga chamou para o fundo da cozinha, onde grande varanda abria para o quintal. Fez um ritual. 

   Pediu que deitasse no passeio de olhos fechados.

   Depois abrisse lentamente os olhos e se acostumasse à escuridão, ao breu envolvente.

   Não existia casa, não existia nada.

   Noite estrelada a iluminar. Eram tantas, mais tantas estrelas de não se acreditar. Pontos luminosos inundando cada uma de jeito próprio.

   Passaram a noite, uma ao lado da outra, sem nada a dizer, contemplando a imensidão de brilho. Ouvia-se palpitar coração e emoção caminhando no corpo. Calor mormente do dia dissipando-se ao leve vento noturno.


   Das viagens que fez, em sonho ou realidade, nada se compara à beleza daquele céu de noite estrelada e solitária.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

SE ESCREVER


SE ESCREVER
30/10/2017

   ― Escrever é descobrir medida, ele disse com simplicidade. Como algo que fluísse ao vento e finalizasse em letras coordenadas. Palavras ao gosto de ser possuídas, meio às frases celebrando grande ceia, ela pensou logo que ele terminou.

   ― É difícil, insistiu aluna.

   ― Nem experimentou.

   ― Parece distante. Uma ponte que separa o joio do trigo. Amadorística a gente não sabendo optar.

   ― Nada de drama.

   ― Está bem, Fessor!

   ― Descoberta vem com a prática.

   ― Quem me dera conseguisse transpor para a escrita os sentimentos que abarcam a alma, dores que não encontram caminhos fáceis, ou apenas escrever separando grãos que boiam.

   ― Viu!

   ― Que Fessor?

   ― Parece complicado, mas não é. Disse tudo, põe em prática.


   ― Eu disse o quê, Fessor?

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

SOLIDÃO É TRANSFORMAÇÃO

   Senti transformação durante a leitura. 

   Ele, em cartas endereçadas ao jovem pretendente a literato, descreve com humanidade e humildade o que esperar da vida. Não traz receita pronta do ser poeta. Descreve a experiência de vida e  de como tais momentos vão transformando aquele, inicialmente adolescente em fogo por conquista, reconhecimento, angústia do sentir-se notado, vaidade, por questões sem respostas, em sujeito da própria vida.

   Sujeito de inteira presença e responsabilidade pelo viver. Solidão é companheira. Dela se deve apreender a essência do viver. A de dar conta de caminhar em sua companhia, reconhecê-la em importância e transpor com ela dificuldades do dia a dia existencial. Relata que o difícil é transformador e dele não se deve fugir. Solidão encarada de frente e o nortear-se por tal chama trará respostas, não no agora, lá na frente, provocando assim, a transformação essencial àquele que se dispõe ao caminho.

   Amor. O amor traz maior experiência sobre o que se pretende dizer a respeito de solidão. Por que a relação a dois busca amadurecimento do amor, e para alcançá-lo, são tantas as dificuldades. Quem encara de frente e se dispõe ao jogo, considerado dos mais difíceis da vida, ao lado da visão da morte, tem a compensação - Transformação.

   Paciência. É requerido para esperar o momento adequado. Somente vivendo em humildade de conhecimento da própria dor, estará o homem semeando possibilidade de construção da vida em intensidade e saberá quando estará pronto para a profissão, a que escolher. Nada vem com ânsia, dúvidas pairam, insiste, paciência para viver o difícil.

   Rainer Maria Rilke, Cartas a jovem poeta, escritas no entreabrir do século XX, de 1903 a 1908, nos introjeta sentimentos vividos por ele. 

   Afinal, humano é sempre o mesmo em qualquer século.