domingo, 24 de março de 2013

"O QUE DEVEMOS FAZER?"

  
 " O que devo fazer?" . É com esta pergunta que Thomas Mann nos provoca no ensaio que faz sobre Tchekhov (O escritor e sua missão, Zahar, 2011).É essa a pergunta que faz Tchekhov em quase todos os seus escritos, e que permeia a angústia de nós humanos; seres sempre insatisfeitos e em busca de algo que não sabemos descrever.

   O escritor russo se envolveu com ela de forma instigante e provocadora em seus contos e Thomas Mann exemplifica isso ao analisar um conto onde Kátia pergunta: " O que devo fazer?" e só consegue como resposta: "Eu não sei, Kátia, pela minha consciência, eu não sei."

   E assim, por não saber qual a resposta, o escritor procura, através de seus contos, nos mostrar a vida como ela é, já que "Não damos nenhum passo além disso", disse ele. É no conto Um caso médico que ele parece contornar essa angústia sobre as perguntas sem respostas, quando diz a expressão "insônia honrosa", quando trata da "inteligente e infeliz senhorita, herdeira da fábrica milionária, que chama o Dr. Koroliov porque não consegue dormir e têm crises nervosas." 

   Seja como for, com essa expressão pôde abarcar os sentimentos daqueles que por algum motivo não encontram condições de dormir quando veem este mundo cheio de contradições, onde os pobres trabalhadores sofrem e têm vidas com carências extremas, suas e de suas famílias. De alguma forma este ser humano sofre, existe uma tensão angustiante presente em sua existência que teima em demonstrar que não está tudo bem, já que muitos são oprimidos.
É a questão que não quer calar, nem no inconsciente, e que ronda as noites mal dormidas de muitos.

   Eis a resposta que Tchekhov coloca na boca de seu personagem: "Na condição de dona de fábrica e rica herdeira, você está insatisfeita. Não acredita nos seus direitos e, por isso, não consegue dormir. Claro que isso é melhor do que se estivesse satisfeita, dormisse tranquilamente e pensasse que tudo estaria muito bem. Você sofre de uma insônia honrosa. Seja o que for, ela é um bom sinal."

   E Thomas Mann coloca: "... Devemos admitir que o ser humano é um ser desencontrado. Sua consciência, que é parte do intelecto, jamais poderá ser harmonizada com a sua natureza, sua realidade, sua condição social, e sempre haverá "insônias honrosas" entre aqueles que, por alguma razão obscura, se sentirem responsáveis pela sorte e pela vida humanas. Se houve alguém que sofreu dessa insônia foi o artista Tchekhov, e toda a sua atividade poética foi insônia honrosa, a busca pela palavra correta, salvadora, à pergunta "O que devemos fazer?" Só uma coisa ele sabia com certeza: que o ócio é a pior coisa, que é preciso trabalhar, porque ócio significa mandar trabalhar, explorar e oprimir..."

   O principal para o escritor é transformar a vida, o resto é secundário... No conto A noiva: " Minha querida, viaje! Mostre a todos que está farta dessa vida imóvel, cinzenta, pecadora! Mostre a si mesma!... Juro que não se arrependerá. Você viaja. Vai estudar e se deixar guiar pelo seu destino. No momento em que tiver remodelado a sua vida, tudo se modificará. O principal é transformar a vida, todo o resto é secundário. Então, viajamos amanhã?"

   Neste conto apresenta tranquilidade com relação a morte e a doença, continuando a semear a esperança mesmo à beira do túmulo, conforme relata Thomas Mann, que pergunta: devemos acreditar que a nostalgia e o anseio poético realmente são capazes de transformar a vida?

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