quarta-feira, 29 de junho de 2022

o tempo não para (CENA 51)

20/06/2022  

Temporariamente Dodô e Osvaldo se deixaram levar por aquele mar de lembranças que com a pandemia parecia quebrar com força na areia, era premente lembrar, como se restaurasse a saúde mental que andava aos cangalhos pelas más notícias de um país que se perdeu na irresponsabilidade. A cada dia más notícias, mau direcionamento, os estribilhos retornavam com a lenga-lenga do poder em nada resolver quando se tratava em atender às necessidades da maioria da população. Mas no mar do Sul com frequência o Jetski e o presidente montado, entre outros brinquedinhos usados com o dinheiro público.

Tendo chegado a mais de quinhentas mil mortes em junho de 2021 com coronavírus e vão aumentar pela lerdeza desse poder público de mão incompetente. Eles conversavam e a cada pontuação, Dodô e Osvaldo traziam a ira à face, como é possível tudo estar tão mal e a mídia tradicional concordante e até mesmo incentivando o massacre e destruição do país, é de dar muito nojo, diziam.

― Tá na hora da gente dormir, Valdo, o cansaço bateu com força.

― As horas voam, nem dei por mim, a gente encarna nesses assuntos tão obcecadamente, almejando o fim. E sonhando outubro. Essa ânsia louca de ver a normalidade de volta nos dá esperança e força pra lutar. Vai na frente, Dodô, vou limpar a mesinha e levar os vasilhames.

― Cruz credo, Valdo, deixa eu te ajudar, eta homem que não sabe pedir, credo.

 

― Nossa, que noite passei, Valdo, parece que dormi uma gestação, como se eu estivesse ficado parada por nove meses. Você botou feitiço naquela canjica porque me vi completamente entregue ao sono e sonho. Estava num cansaço, esses últimos anos têm sido estressantes para quem tem a consciência no lugar, viu, ainda bem fiquei descansada por aqui. Tenho de dar jeito no colchão lá de casa que está me dando dores nos quartos. ― Dodô confessou a Osvaldo entrando na cozinha, ele preparava o café.


― Que nada, Dodô, foi canjica honesta e condimentos aromáticos conhecidos e saudáveis. Não sou de fake news, me poupe ― Osvaldo riu e atento na composição da mesa. Você precisava de boa conversa e disso nos beneficiamos ontem à noite. Você tem que voltar mais vezes pra me contar mais histórias de viagem.

― Tive um sonho, vou te contar na hora do café. Parecia tão real.

 

‘Os olhos se fixaram um no outro. Eles se identificaram em tantas coisas, na rotina da vida, nos gostos, nos dizeres, nos prazeres simples e se envolveram naquele encontro como se fossem há muito conhecidos. E tinham sorte. Os dois eram livres para se deixarem levar. Começaram a se apaixonar. Não conseguiam ficar distantes, a pele os aproximava na quentura dos desejos e o amor crescia a cada dia. Tinham a exuberância da idade, pareciam adolescentes, eram românticos natos. Isso em meados do século XX. O envolvimento fazia que o real lá de fora perdesse importância. A fantasia e imaginação voavam junto aos carinhos que cresciam em intensidade e vinham tão transparentes, sem censura, sem jogos. Era tão natural e os olhares se perdiam. De repente os dois se assustaram enquanto se beijavam timidamente. As mães gritavam de casa para entrar que já era noite. Ele disse baixinho, nunca fui tão feliz assim antes. Ela viajou nas palavras a lugares infindos. Eles se despediram com a certeza de que não conseguiriam parar aquele amor.’

 

― Poxa, Dodô, que pena bati à porta te chamando pro café e interrompi o romance. Mas que auge, hem, quem sabe continua a sonhar.

― Acredito nisso, talvez da próxima vez que eu comer da sua canjica e dormir no aconchego do seu quarto, quem sabe. Bom, preciso trabalhar, Valdo, a gente conversa depois, tá.

Os dois se despediram e foram cuidar da vida, vida que exige coragem.

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