terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A PRIMAVERA COMPENSA

A PRIMAVERA COMPENSA
09/10/2017

          Colocou os pés sobre a areia da Ilha de Santa Cruz e a suavidade da água fez que acordasse do cansaço da viagem que durou cinquenta dias. A mão forte do sujeito mal encarado lhe apertou o pulso jogando-a no cercado onde estavam outros recolhidos para a fazenda do Visconde Primavel.

      No outro dia, conduzida à roça com escravas antigas que depositavam sementes sob olhar do responsável de prontidão ao que se negasse a trabalhar. Com trejeito, coçava couro cabeludo, vinha-lhe caroço a mão, enterrava na terra.

       Sementes presas aos cabelos, lembrança da mãe África.

       Chuvas vieram.

      Aos primeiros meses do ano seguinte farta colheita de feijão pôde abrandar dor da pátria. Através do paladar, o guisado acompanhado da carne desprezada pela casa grande e  ao ritmo de danças e cantos africanos. 

       Sons ecoavam nas noites e a senzala em festa agradecendo a fartura através de batuque. Os fazendeiros ouviam sussurros tristes embalando canções e comentavam, como pode, esse povo feito para o trabalho suado e mandado obediente, ainda entoar canções?

        O grito da alma fora da casa grande.

        Ana dançava na roda. Comemorava o milagre da semeadura na primavera e agora, a colheita que alimentará seu povo esperançoso de melhores ventos. A gamela, no tamborete ao canto, recheada de flores, amor-perfeito e violeta, servia de iguarias comestíveis lançadas à boca, suavizando marcas.


         O aroma rescendia a canela, cravo e perfumes da floresta nativa.

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