quarta-feira, 9 de setembro de 2020

janelas do tempo (CENA 26)

 

07/09/2020

            Com a saída de Dodô, a solitária vida de Osvaldo retornou. Olhou para a janela e viu a aura fosca com pingos de chuva. Gosto dessa frescura do inverno, esse ventinho na cara me faz tão bem. Também com esse excesso de peso quem suporta calor, minha saúde agradece quando está mais frio. Pena Dodô não ficar mais tempo, queria contar o sonho que tive, que loucura, eu completamente perdido em algum lugar do Brasil, só pode, claro, e de repente, percebi todo mundo andando sem máscara em plena infestação do coronavírus. Num primeiro momento nem atinei que também estava no rol daqueles malucos andando pela cidade desamparados, sem proteção alguma. As pessoas riam, se aglomeravam, estavam tête-à-tête por todo lado sem qualquer preocupação. Quando eu realmente abri os olhos, os de dentro e os de fora, foi que surtei de vez, e me percebi sem proteção no rosto, e nesse mesmo instante, tasquei a mão na boca tentando me proteger, como se isso adiantasse já que o nariz continuava a respirar gotículas no ar que se assomavam à minha frente com aparência do coronavírus, credo viu, que angústia, comecei a fugir para outro lugar que fosse seguro e não encontrava espaço vazio, a dificuldade de respirar, e sufocado, vivi intensa realidade. Deve ser por isso que acordei tão repentinamente, estava uma situação insuportável. Após Osvaldo memorizar o ocorrido, falou a si:

― Nem em sonho mais a gente se permite andar sem máscara, credo!

Lembrou que o dia de hoje é especial para seu grande amigo que aniversaria. Realmente é indesejável a distância quando se quer abraçar amigos. Nem mesmo essa pandemia iria me afastar de comemorar com ele, tomar uma boa dose de cachaça mineira com torresmo crocante. Huuum! Além de palrar por bastante tempo colocando nossa prosa em dia, a gente ia aproveitar e ler poemas que adoramos. Ah, os amigos são insubstituíveis. Quando terminar de escrever a carta que me prometi a dias para a turma, vou ligar pra ele. Caminhou até a escrivaninha, pegou caneta e papel, espero que a turma ainda esteja no endereço que tenho, espero. Sentou-se e deixou o pensamento divagar buscando inspiração. Como a gente adorava escrever carta e nos escritos pontuávamos citações e poemas. Tenho de encontrar alguma coisa original. Vejamos!

O homem e seu silêncio. É quando afloram tantos pensamentos. Seu rosto foi dominado de intensa ação ao lembrar dos tempos de então, a expressividade aflorou. Em algum momento criança, noutro corria atrás da bola e jovem sacava de seu tempo ao redor de assuntos de interesse da turma.  O namoro, procurava quem era a garota e não via o rosto, depois olhou a mão, como passou tão rápido. Como se a vida tivesse corrido feito estalo de dedos.

Quando olhou o relógio passava das dez da noite e ainda as ideias para a carta não vinham. Levantou e pegou o fone. Discou e o som de espera acelerou o coração, consequentemente a respiração. Veio a tosse repentina por ter quase se engasgado. Conheceu a voz do outro lado e aprumando o corpo em alegria, disse:

― Fessor, que dia estupendo hoje. Ouvir sua voz é como arte e nada mais que arte, meu bom amigo, atleticano. Viva você! Viva o Galo! ― A voz do outro lado correspondia em festa. Entre os dois janelas se abriram.

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