quarta-feira, 1 de maio de 2019

GÊNESIS TECNOLÓGICO

GÊNESIS TECNOLÓGICO
            30/04/2019
À medida que lia a mensagem no whatsapp o coração acelerava. Quando terminou a leitura lágrimas emergiram. Não conversava com ninguém. Ninguém estava à sua frente. Eram apenas mensagens de um ser tecnológico, o celular, que reproduzia palavra e linguagem ao toque do teclado. E sofria ao ler? 
Do outro lado a pessoa que enviara a mensagem, esta sim de carne e osso, mas o celular, aparelho sem sentimento, sem emoção, sem pingo de sensibilidade e humanidade.
            Chorou durante algum tempo. Há tanto tempo não chorava. Não que achasse incorreto fazê-lo, mas com qual objetivo? Limpeza dos olhos, limpeza da angústia, ou satisfação pelo derramamento? Na verdade definiu que a pressão interior estava intensa. Talvez lágrimas depressivas, talvez lágrimas de tristeza, talvez lágrimas de alegria. 
           Quisera estar lá enquanto a mensagem se processava. Imaginava.
            Imaginou Mafalda frente ao computador. 
            Novos tempos, onde a máquina vem substituindo pessoas, convivência. Oito horas de trabalho frente à luz fria que lhe rebatia nos olhos. Aceitou o trabalho nas condições impostas: contrato, sem direitos trabalhistas, necessidade de torna-se Mafalda, ela própria a própria empresária e trabalhadora, salário abaixo do de mercado. O celular indicava mensagens ativas, não poderia verificar mensagens pessoais no período de trabalho, apenas aquelas destinadas à solução do problema empresarial. No intervalo para descanso, Mafalda leu a mensagem da mãe.
            Mãe: Não sei se poderei viajar, dependerá do que está se desenvolvendo neste momento, sua irmã não anda nada bem, seu pai fazendo exames. Não comentei com ninguém a intenção de viajar, e dependendo do desfechar, talvez deva cancelar.
            Durante a tarde a mãe distraíra-se com atividades. Até esquecera que enviara a dúvida para a filha, tão preocupada com preparativos que lhe infernizavam a mente: fazer isso, deixar aquilo, prazo de pagamento, não esquecer o IR, o que levar, como levar, como contar, qual momento, como receberão a notícia, enfim, deixar tudo organizado para que gerissem o que era sua responsabilidade.
            Olhou o celular, nova gênese que se imiscuiu entre nós, entre todo mundo, em mim, na mãe, em Mafalda, trazendo consequências tão nefastas, e por outro lado dando oportunidade de comunicar-se com quem está à distância. A mãe colocou a senha pessoal para entrar no mundo virtual. O mundo frio, de técnicas algorítmicas que resultam em informação onde quer que as pessoas estejam. A mãe entrou, e on line, inicialmente fria também, objetiva, ler mensagens, tantos grupos, tantos aplicativos, tantas manobras para alcançar a alma humana e ao mesmo tempo se distanciar dela. Em seguida, a mãe abriu o whatsapp da filha.
            Filha: Mãe, você vai fazer a viagem sim. Para de se preocupar com todo mundo, afinal você tem o direito de pensar em si mesma. As pessoas não são suas dependentes a vida inteira. Não se atreva a cancelar a viagem que planeja a tanto tempo.
            A mãe ficou imaginando a filha escrevendo cada palavra, e demonstrando ansiedade na busca das letras na rapidez do século XXI. Lágrimas e soluços, chegara ao fim da mensagem sensibilizada.
            Percebera, tivera a impressão de que agora ocorria o inverso, ela era a filha. A filha, a mãe.

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