12/11/2019
Arrumou
a roupa no corpo. Primeiro dia de trabalho. “Os tempos mudam e as exigências
permanecem arcaicas. O país anda tão quente, cada vez esquentando mais e tenho
que usar essa roupa sufocante atrás de uma gravata” pensou. O coração batia apressado
de tantas emoções.
Havia um aviso na porta: “Novatos.
Trocar de roupa e apresentar-se ao seu gestor”. Expectativa ansiedade tensão
nervosismo insegurança instabilidade desconhecimento mudança ... palavras que
metiam medo. Ressabiado e assustado, obedeceu as instruções. Até o momento as
cobranças foram amenas, as da mãe: “Menino, desliga esse computador, já passam
da meia noite”, “Não beba se vai dirigir”, “Respeita as mulheres”, “Trata todo
mundo igual” ... E do pai: “Para de se preocupar com time de futebol, enquanto
o jogador ganha dinheiro, você aí gastando tempo”, “Cuida da sua vida”, “Olha a
turma e presta atenção nas decisões”, “Cuidado com doenças venéreas, usa
camisinha” ...
O vestiário parecia em processo de
incêndio. A sirene apitava. O turno dava início e pontualmente ele chegou ao
setor de trabalho. Sentiu que iria gaguejar e engoliu fundo antes do
cumprimento. O chefe deu uma olhada de cima a baixo e afirmativo observou que a
roupa se adequava aos moldes da organização. Com um risinho cínico lembrou de seus
primeiros passos. Merda droga cacete foda-se, palavras das quais se recordou
falar consigo no primeiro dia. Aquele rapaz, ao contrário, era comportado demais
para o estilo juvenil de sua época, no apogeu do sexo drogas rock and roll. O
gerente remexeu na cadeira, empertigando-se, e logo chamando o assistente para
transmitir a rotina ao novato. O século era XXI, mas a burocracia secular.
O assistente se aproximou. O rapaz notou
o tique, um soquinho na cintura, como se estivesse arrumando a calça e
piscadelas rápidas, era jovem, roupa discreta e clássica, mas os sapatos
maltratados.
―
O primeiro dia aqui não é muito interessante. Vou repassar os passos do
trabalho e devem ser feitos na sequência de minha orientação. Qualquer dúvida
me pergunta, mas uma coisa é fundamental, e você deve estar ciente: “Esqueça de
trabalhar, mas não esqueça de assinar o ponto” ― disse o profissional, enquanto
caminhavam e apresentava o novato aos colegas.
― Aqui é proibido, proibidíssimo,
tocar em política. É como se tudo estivesse em harmonia do lado de fora para não
interferir na paz aqui de dentro. O ar é refrigerado e a temperatura é sempre
retilínea–uniforme, nenhum alto e baixo, nenhum movimento de subida ou descida.
Mantenha-se discreto e se envolva apenas com o expediente. Logo ali é a saleta
de café e água. Hoje em dia anda faltando até café, mas costuma ter ao menos
uma vez ao dia. Existe também a lanchonete terceirizada no térreo, você deve
ter passado por ela, de nome “Freud Explica” ― continuou.
― Vou te contar um caso pra você
ficar atento. Uma profissional, daquelas bem falantes, veio tomar café junto
com dois colegas do mesmo naipe. Enquanto conversavam animados, perceberam que
a mulher virou o café à boca sem prestar atenção, e logo começou a mastigar. Após
alguns segundos, cuspiu na pia. Uma barata massagada e nojenta! Ela soltou o
verbo: “Que bosta é essa?”, enquanto os companheiros seguravam o riso. Até o
café deve ser sorvido com cuidado. ― Deu uma risadinha descontraída e seguiram.
O rapaz escutava em silêncio.
Percebeu que ali não era diferente do lado de fora. Respirou acalmando-se.
Lembrou que seu lado humorista, do tipo stand
up, só tinha a ganhar com as experiências naquele mundo fechado.
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