quinta-feira, 21 de novembro de 2019

PALAVRAS PODEM MATAR OU MORRER (CENA 3)


19/11/2019
    Bia passou a mão na bolsinha e saiu rumo à farmácia. Josué ainda não estava bem depois dos transtornos no mar. Ela tinha que dar conta de tudo e o dinheiro minguando. Após alguns passos ouviu atrás de si gritos, conversa muito alta, parecendo briga. Parou, virou, ficou escutando. O motoqueiro parecia não se importar com o que o rodeava. Estava com capacete, e nem isso o impedia de agir como vociferado:
            ― Isso que tá acontecendo é horrível. O que está acontecendo comigo é a coisa mais terrível do mundo. Você não gosta nem um pouquinho de mim! Por que tá fazendo isso comigo? ― O rapaz vinha em baixa velocidade com a motocicleta enquanto falava ao celular por fone de ouvido. E não parava de gritar. Virou à esquerda. Bia observou a voz irritada e movimentos do rapaz enquanto girava a moto sem atenção, até um ponto em que não conseguiu ouvir mais. Naquele fim de mundo, com estradinha vagabunda, o rapaz de moto fazia a ronda local. Os moradores recolhiam o dinheiro para o pagamento da ronda, pois na proximidade tinha uma maloca que vendia droga e um grupo saía fazendo arruaça.
            Enquanto caminhava, pensava: “Que tom forte ele usou, do outro lado da linha devia ser a pessoa amada”. “Será que ele é tranquilo ou agressivo? Esses momentos podem provocar as piores coisas, a pior parte de uma pessoa pode aparecer quando descontrolada. É tão complicado quando nos decepcionam”.
            Bia continuou “e se fosse Josué, como reagiria, deixaria vir do fundo toda aquela cólera ou saberia reagir com calma?”. Não encontrou resposta, mas conhecia histórias de homens imprevisíveis quando dizia respeito à rejeição, acostumados à posse, a não ter dúvida do que lhes pertence, como se mulher fosse coisa, fosse obrigada abaixar a cabeça e aceitar o destino sem questionar.
            De repente, quando chegou no beco da encruzilhada, quase trombou com o jovem da moto virando à sua frente, e ele continuava exaltado. Dessa vez contava o ocorrido para alguém. Deu medo.
            Atravessou a rua, entrou no caminho do matagal e observou como aquele local se modificava rápido. Em algumas áreas já apareciam apartamentos em construção que não estavam ao seu alcance. Parou em frente aos dois prédios, de que tamanho seria? com sacada? daria para ver o mar? talvez com churrasqueira? Imaginou que sim, deviam ter churrasqueira, pois os gaúchos, em sua maioria no local, são aficionados por carne. Observava, quando caminhava na praia, muitos grupos com garrafa térmica, cuia de chimarrão e passando de mão em mão o chá mate. Josué inventou de ter uma cuia também, uma vez experimentou e não gostou.
             ― Eli não está trabalhando hoje? Encomendei um remédio, será que deixou aí no nome de Bia?
              ― Hoje está de folga. Olha aqui, ela deixou reservado.
            Bia tinha se preparado para ver Eli e prosearem um pouco, gostava de encontrar a gaúcha baixinha, de olhos muito claros e acastanhados, risinho doce e gentil que conversava lenta e pausadamente, dava gosto ouvir o sotaque. Queria contar um pouco de Josué também, de como estavam as últimas semanas desde o acidente. Queria falar com alguém e ela tinha bons ouvidos. Bia sentia que as palavras morriam dentro de si.

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