19/11/2019
Bia
passou a mão na bolsinha e saiu rumo à farmácia. Josué ainda não estava bem
depois dos transtornos no mar. Ela tinha que dar conta de tudo e o dinheiro
minguando. Após alguns passos ouviu atrás de si gritos, conversa muito alta,
parecendo briga. Parou, virou, ficou escutando. O motoqueiro parecia não se
importar com o que o rodeava. Estava com capacete, e nem isso o impedia de agir
como vociferado:
― Isso que tá acontecendo é horrível.
O que está acontecendo comigo é a coisa mais terrível do mundo. Você não gosta
nem um pouquinho de mim! Por que tá fazendo isso comigo? ― O rapaz vinha em
baixa velocidade com a motocicleta enquanto falava ao celular por fone de
ouvido. E não parava de gritar. Virou à esquerda. Bia observou a voz irritada e
movimentos do rapaz enquanto girava a moto sem atenção, até um ponto em que não
conseguiu ouvir mais. Naquele fim de mundo, com estradinha vagabunda, o rapaz
de moto fazia a ronda local. Os moradores recolhiam o dinheiro para o pagamento
da ronda, pois na proximidade tinha uma maloca que vendia droga e um grupo saía
fazendo arruaça.
Enquanto caminhava, pensava: “Que
tom forte ele usou, do outro lado da linha devia ser a pessoa amada”. “Será que
ele é tranquilo ou agressivo? Esses momentos podem provocar as piores coisas, a
pior parte de uma pessoa pode aparecer quando descontrolada. É tão complicado
quando nos decepcionam”.
Bia continuou “e se fosse Josué,
como reagiria, deixaria vir do fundo toda aquela cólera ou saberia reagir com
calma?”. Não encontrou resposta, mas conhecia histórias de homens imprevisíveis
quando dizia respeito à rejeição, acostumados à posse, a não ter dúvida do que
lhes pertence, como se mulher fosse coisa, fosse obrigada abaixar a cabeça e
aceitar o destino sem questionar.
De repente, quando chegou no beco da
encruzilhada, quase trombou com o jovem da moto virando à sua frente, e ele
continuava exaltado. Dessa vez contava o ocorrido para alguém. Deu medo.
Atravessou a rua, entrou no caminho
do matagal e observou como aquele local se modificava rápido. Em algumas áreas
já apareciam apartamentos em construção que não
estavam ao seu alcance. Parou em frente aos dois prédios, de que tamanho seria?
com sacada? daria para ver o mar? talvez com churrasqueira? Imaginou que sim, deviam
ter churrasqueira, pois os gaúchos, em sua maioria no local, são aficionados
por carne. Observava, quando caminhava na praia, muitos grupos com garrafa
térmica, cuia de chimarrão e passando de mão em mão o chá mate. Josué
inventou de ter uma cuia também, uma vez experimentou e não gostou.
― Eli não está trabalhando hoje? Encomendei um
remédio, será que deixou aí no nome de Bia?
― Hoje está de folga. Olha aqui, ela
deixou reservado.
Bia tinha se preparado para ver Eli
e prosearem um pouco, gostava de encontrar a gaúcha baixinha, de olhos muito
claros e acastanhados, risinho doce e gentil que conversava lenta e
pausadamente, dava gosto ouvir o sotaque. Queria contar um pouco de Josué
também, de como estavam as últimas semanas desde o acidente. Queria falar com
alguém e ela tinha bons ouvidos. Bia sentia que as palavras morriam dentro de
si.
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