19/11/2019
Levantou
com dificuldade. O peso excessivo para quem chegou aos setenta. Os joelhos
falavam de dor, e teimava não escutar. Amarrar o calçado se tornava
malabarismo. Fumava um cigarro após outro. Tentou dar cabo do vício
participando de grupos de fumantes e depois apelou para os medicamentos. Nem
assim liberou-se, o corpo impregnado pela dependência.
A
calça larga visando conforto, amarrada por cordão, deixava os pneus ao redor da
cintura exercerem o padrão e compulsivamente continuava a comer. A blusa solta
ao corpo mantinha a discrição, afinal por mais que olhasse a figura ao espelho,
não conseguia fechar a boca. O sapatênis trazia molejo aos pés que aguentavam o
peso, sempre na cor preta e as roupas nos tons escuros.
A
casa era o porto seguro. Somente sua e ninguém que importunasse pela bagunça ou
não dos cômodos. Olhou o relógio. Começara a aprontar com horas de
antecedência. Queria café, mas sem ânimo de limpar as canecas sujas em redor da
pia. O fogão cheio de panelas com restos de comida. Abriu a geladeira e viu
somente alimentos congelados para almoço e jantar. Deu meia volta, foi ao
banheiro, escovou mal e mal os dentes, não usou perfume, ultimamente o enjoava,
não importava se o mais refinado aroma. Ajeitou o cabelo com os dedos, as
têmporas embranquecidas e no restante a cor natural sobressaia.
A
padaria servia café da manhã, distante apenas poucos quarteirões em descida
íngreme. Difícil era a subida. Parava após pequenos passos, respirava com
dificuldade, e aproveitava para acender um cigarro, o companheiro de todas as
horas. E ziguezagueando pela calçada, procurava vencer o cansaço. Hoje seria
diferente, após o café esperou o ônibus.
O
centro da cidade começava em polvorosa. Caminhou à esquina conhecida, sentou no
banco público e observava as pessoas. Alguns dias da semana sempre o mesmo
ritual. Sentar e aguardar a chegada dos companheiros para as rodadas de dama ou
xadrez. Enquanto não apareciam, o olhar caminhava: a Ritinha da revistaria
iniciava o dia esbaforida, sempre atrasada; Dodô da copiadora naquele molejo
sonso; Luiza tratava de abrir a loja de eletrodomésticos antes da chegada do
gerente, que por qualquer atraso virava bicho; a moça da farmácia...; a correria daquele
monte de gente que transitava entre as ruas. As amizades daquele pedaço eram
sua família. Sozinho no mundo, sem parentes.
Pegou
o cigarro, acendeu e disse:
―
Meu amigo, o dia amanheceu fervendo. ― O cigarro respondia em redemoinho. Queimava,
queimava, e maço, após outro, o dia extenso. Quando Bilico correu para cima do
banco com dificuldade, ajeitou-se sapeca e perguntou:
―
Por que chamam ele de “bolotazo”?
―
Quem? Que “bolotazo”? Que está falando, menino?
―
Eles falam é o “bolotazo”.
―
Pra que você quer saber? Nem tem idade. Como está na escola?
―
A escola tá sem professora, eu tô de feriado. Minha mãe me trouxe. ― A mãe
estendia a trouxa de bugigangas para vender no passeio, o menino amolava a
turma da esquina durante todo o dia.
A
rotina transcorria entre jogos, o almoço, as conversas e finalizava com o
cigarro e a tradicional pergunta a si:
―
Como eu deveria ser? ― o cigarro serpenteava e se espalhava ao vento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário