domingo, 1 de dezembro de 2019

INDECISÕES (CENA 4)


19/11/2019
Levantou com dificuldade. O peso excessivo para quem chegou aos setenta. Os joelhos falavam de dor, e teimava não escutar. Amarrar o calçado se tornava malabarismo. Fumava um cigarro após outro. Tentou dar cabo do vício participando de grupos de fumantes e depois apelou para os medicamentos. Nem assim liberou-se, o corpo impregnado pela dependência.
A calça larga visando conforto, amarrada por cordão, deixava os pneus ao redor da cintura exercerem o padrão e compulsivamente continuava a comer. A blusa solta ao corpo mantinha a discrição, afinal por mais que olhasse a figura ao espelho, não conseguia fechar a boca. O sapatênis trazia molejo aos pés que aguentavam o peso, sempre na cor preta e as roupas nos tons escuros.
A casa era o porto seguro. Somente sua e ninguém que importunasse pela bagunça ou não dos cômodos. Olhou o relógio. Começara a aprontar com horas de antecedência. Queria café, mas sem ânimo de limpar as canecas sujas em redor da pia. O fogão cheio de panelas com restos de comida. Abriu a geladeira e viu somente alimentos congelados para almoço e jantar. Deu meia volta, foi ao banheiro, escovou mal e mal os dentes, não usou perfume, ultimamente o enjoava, não importava se o mais refinado aroma. Ajeitou o cabelo com os dedos, as têmporas embranquecidas e no restante a cor natural sobressaia.
A padaria servia café da manhã, distante apenas poucos quarteirões em descida íngreme. Difícil era a subida. Parava após pequenos passos, respirava com dificuldade, e aproveitava para acender um cigarro, o companheiro de todas as horas. E ziguezagueando pela calçada, procurava vencer o cansaço. Hoje seria diferente, após o café esperou o ônibus.
O centro da cidade começava em polvorosa. Caminhou à esquina conhecida, sentou no banco público e observava as pessoas. Alguns dias da semana sempre o mesmo ritual. Sentar e aguardar a chegada dos companheiros para as rodadas de dama ou xadrez. Enquanto não apareciam, o olhar caminhava: a Ritinha da revistaria iniciava o dia esbaforida, sempre atrasada; Dodô da copiadora naquele molejo sonso; Luiza tratava de abrir a loja de eletrodomésticos antes da chegada do gerente, que por qualquer atraso virava bicho; a moça da farmácia...; a correria daquele monte de gente que transitava entre as ruas. As amizades daquele pedaço eram sua família. Sozinho no mundo, sem parentes.
Pegou o cigarro, acendeu e disse:
― Meu amigo, o dia amanheceu fervendo. ― O cigarro respondia em redemoinho. Queimava, queimava, e maço, após outro, o dia extenso. Quando Bilico correu para cima do banco com dificuldade, ajeitou-se sapeca e perguntou:
― Por que chamam ele de “bolotazo”?
― Quem? Que “bolotazo”? Que está falando, menino?
― Eles falam é o “bolotazo”.
― Pra que você quer saber? Nem tem idade. Como está na escola?
― A escola tá sem professora, eu tô de feriado. Minha mãe me trouxe. ― A mãe estendia a trouxa de bugigangas para vender no passeio, o menino amolava a turma da esquina durante todo o dia.

A rotina transcorria entre jogos, o almoço, as conversas e finalizava com o cigarro e a tradicional pergunta a si:
― Como eu deveria ser? ― o cigarro serpenteava e se espalhava ao vento.

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