05/12/2019
― Como eu deveria ser? ― A pergunta
persistente quase diariamente. Osvaldo em cada baforada compulsiva pensava nas
respostas. ― Por que é tão complicado mudar o rumo da vida? Vou e volto ao
estado morno que adotei. Uma salvaguarda que só vai me prejudicando. O que ganho
com isso?
O chuvisco escurecendo o fim de
tarde de início de dezembro. Ele parou embaixo da marquise. Os transeuntes
apertaram o pé para fugir da chuva úmida, vento e frio que vieram sem ser
esperados.
Pensava:
“Se
os coroas estivessem vivos e também ele... seria diferente a minha vida, esse
jeito descoordenado que vivo cada dia, aposentadoria pequena e os remédios que
sou obrigado a adquirir, além de nem remédio com abatimento encontro mais. Tem
o medicamento para hipertensão, outro para não chegar ao diabetes, o do pulmão devido
consequências do fumo, dos ossos refletindo a situação. Graças a tais medicações
considero estar vivo, senão eu não aguentaria a cronicidade em que me
encontro, muito por minha desavergonhada opção pelo cigarro, concordo que eu não
deveria, não poderia estar aqui aguardando a chuva cessar acendendo um cigarro
ao outro. Não tenho medida. Perdi o senso mais simples do significado da vida. Não
dou valor a ela. Se ao menos Taquinho desse o ar da presença. Ele conhecia meu
estilo, de fazer o errado como forma de chamar atenção. Taquinho não perdoava, com
certeza me diria:
― Valdo, continua fumando? Fuma mesmo! Mas
fuma direito para realmente fazer o efeito que você deseja. ― Ele não aceitava meus
argumentos mesquinhos e egoístas, que afinal de contas diziam de minha condição
narcísica de gritar ao mundo as minhas dores, como se eu fosse o único a sofrer
provações. Taquinho era diferente. Ele era irônico comigo, mas eu sabia de sua
força nos piores momentos, aliás enfrentou tão cedo tantas situações que se
tornou ainda mais forte. Lembro o dia em que mamãe e papai saíram apressados:
―
Osvaldo, seu irmãozinho não está nada bem, meu filho, fica quietinho em casa,
tranca a porta. Precisando vai para a casa do Pepe até a mamãe e o papai
chegarem, está bem? ― Ouvi medroso minha mãe levar Taquinho para o hospital.
Ele tinha vomitado, estava com febre e não entendiam por que ele não conseguia
ficar de pé, as pernas não obedeciam. Ele tão esperto e sapeca, tinha tantos
amigos e como eu o invejava, porque eu, eu tinha vergonha de ser gordo.
Quando
voltaram para casa, Taquinho não veio junto. Iria permanecer algum tempo no
hospital devido ao perigo de infecção, inclusive em mim. Como me senti culpado
por ele estar doente, afinal eu deveria cuidar dele por ser o irmão mais velho
e não consegui. A gente gostava tanto de brincar na rua e a turma era grande, lá
onde a pobreza hibernava e os pais lutavam além do possível para dar vida digna
à família, naqueles tempos duros quando a gente não tinha liberdade. Estranho,
em outra medida sinto que hoje está pior, com as coisas camufladas e sem que os
simples se apercebam. Ou será que entendem? Meus pais pensavam que o povo estivesse
vacinado e não permitiria o retorno de mais opressão e eis que ela está de
volta.
Taquinho
demorou se recuperar e ficou a sequela. Nunca ouvi uma reclamação do que
aconteceu com ele. Antes já era um garoto resignado, mesmo miúdo daquele jeito
continuou a mesma curiosidade, a mesma vontade louca de viver e gritar e
brincar e rir das brincadeiras dos garotos. Saudade de meu irmão.”
O
tempo estiou. Osvaldo apagou o cigarro e jogou a bituca à lixeira. Seguiu rumo
ao terminal de ônibus a caminho de casa, apostando que os próximos dias seriam ensolarados e estaria entre os amigos da esquina.
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