quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

as muitas perguntas??? (CENA 7)


05/12/2019
            ― Como eu deveria ser? ― A pergunta persistente quase diariamente. Osvaldo em cada baforada compulsiva pensava nas respostas. ― Por que é tão complicado mudar o rumo da vida? Vou e volto ao estado morno que adotei. Uma salvaguarda que só vai me prejudicando. O que ganho com isso?
            O chuvisco escurecendo o fim de tarde de início de dezembro. Ele parou embaixo da marquise. Os transeuntes apertaram o pé para fugir da chuva úmida, vento e frio que vieram sem ser esperados.
Pensava:
“Se os coroas estivessem vivos e também ele... seria diferente a minha vida, esse jeito descoordenado que vivo cada dia, aposentadoria pequena e os remédios que sou obrigado a adquirir, além de nem remédio com abatimento encontro mais. Tem o medicamento para hipertensão, outro para não chegar ao diabetes, o do pulmão devido consequências do fumo, dos ossos refletindo a situação. Graças a tais medicações considero estar vivo, senão eu não aguentaria a cronicidade em que me encontro, muito por minha desavergonhada opção pelo cigarro, concordo que eu não deveria, não poderia estar aqui aguardando a chuva cessar acendendo um cigarro ao outro. Não tenho medida. Perdi o senso mais simples do significado da vida. Não dou valor a ela. Se ao menos Taquinho desse o ar da presença. Ele conhecia meu estilo, de fazer o errado como forma de chamar atenção. Taquinho não perdoava, com certeza me diria:
 ― Valdo, continua fumando? Fuma mesmo! Mas fuma direito para realmente fazer o efeito que você deseja. ― Ele não aceitava meus argumentos mesquinhos e egoístas, que afinal de contas diziam de minha condição narcísica de gritar ao mundo as minhas dores, como se eu fosse o único a sofrer provações. Taquinho era diferente. Ele era irônico comigo, mas eu sabia de sua força nos piores momentos, aliás enfrentou tão cedo tantas situações que se tornou ainda mais forte. Lembro o dia em que mamãe e papai saíram apressados:
― Osvaldo, seu irmãozinho não está nada bem, meu filho, fica quietinho em casa, tranca a porta. Precisando vai para a casa do Pepe até a mamãe e o papai chegarem, está bem? ― Ouvi medroso minha mãe levar Taquinho para o hospital. Ele tinha vomitado, estava com febre e não entendiam por que ele não conseguia ficar de pé, as pernas não obedeciam. Ele tão esperto e sapeca, tinha tantos amigos e como eu o invejava, porque eu, eu tinha vergonha de ser gordo.
Quando voltaram para casa, Taquinho não veio junto. Iria permanecer algum tempo no hospital devido ao perigo de infecção, inclusive em mim. Como me senti culpado por ele estar doente, afinal eu deveria cuidar dele por ser o irmão mais velho e não consegui. A gente gostava tanto de brincar na rua e a turma era grande, lá onde a pobreza hibernava e os pais lutavam além do possível para dar vida digna à família, naqueles tempos duros quando a gente não tinha liberdade. Estranho, em outra medida sinto que hoje está pior, com as coisas camufladas e sem que os simples se apercebam. Ou será que entendem? Meus pais pensavam que o povo estivesse vacinado e não permitiria o retorno de mais opressão e eis que ela está de volta.
Taquinho demorou se recuperar e ficou a sequela. Nunca ouvi uma reclamação do que aconteceu com ele. Antes já era um garoto resignado, mesmo miúdo daquele jeito continuou a mesma curiosidade, a mesma vontade louca de viver e gritar e brincar e rir das brincadeiras dos garotos. Saudade de meu irmão.”
O tempo estiou. Osvaldo apagou o cigarro e jogou a bituca à lixeira. Seguiu rumo ao terminal de ônibus a caminho de casa, apostando que os próximos dias seriam ensolarados e estaria entre os amigos da esquina.

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