05/12/2019
― Dias atrás vi você andando
distraída na direção da mercearia, Bia. ― Falou Juvenal descendo da bicicleta.
― Ju, não sabe o sufoco que passei.
Nem te conto os problemas que tivemos, Josué e eu.
― Fiquei sabendo, Bia, o povo canta
rápido o novelo.
― Tem razão, a gente não tem
segredo, além do povoado agora também a Internet né!
― O Josué está bem?
― Conhece o sujeito. Não fala nada.
Teve crise de pânico após o acidente e se recupera devagar, parece adiando
retornar ao mar. O dinheiro por um fio, não sei o que vem.
― Podendo ajudar, conte comigo. Sei
que ele não vai com minha cara. Os velhos tempos amargaram nossas relações, mas
você sabe que pode contar, não é? Em casa também tem dificuldade, Clarinha e os
meninos, as despesas pesam. Fora que não está fácil arrumar serviço de carteira
assinada, e quando aparece eles querem pagar menos e dar o restante por fora.
Os direitos estão minguando a olhos vistos no nosso dia a dia, cada dia um
corte, ficando só o básico e olha que dá medo, a gente tem família, fica
preocupado com tamanha insegurança. Imagino Josué, com aquele jeitão de parecer
forte e dar conta do sustento da família, não é brincadeira.
Juvenal e Bia viveram momentos de
paixão. Quase crianças ainda. As casas das famílias coladas uma a outra.
Desde pequenos brincavam no quintal quando ele escapava por debaixo da cerca de
arame. E da amizade, dos hormônios, do toque na pele, do primeiro beijo, das mãos
dadas, do cinema em projeção numa parede do centrinho, veio o namoro. Até
que mudou uma família do Nordeste para a casa que foi de Dona Cotinha. Ele
ficou amigo do rapazinho sisudo, desconfiado e de quase nenhuma palavra. Assim
Josué ficou entre eles. O tipo demonstrando necessitar de cuidado conquistou o
coração de Bia a ponto de os dois amigos deixarem de ser vistos juntos nas
brincadeiras masculinas. Josué era ciumento e Bia não sabia lidar por ser muito jovem, permitiu se anular inicialmente por estar
apaixonada e ver nele o homem de sua vida. No entanto Juvenal não deixou que a
amizade entre ele e Bia desaparecesse, respeitou a escolha da mocinha. Isso
incomodava Josué, atento às artimanhas por não
acreditar em amizade entre homem e mulher.
― Como vai Clara e os meninos? Não
tenho visto ninguém, ando tão confusa com tanta coisa para pensar e não consigo
clareamento na cabeça do que deve ser feito.
― Esse período está duro para muitos. O preconceito
está ainda mais presente na vida da gente. Nosso povoado que antes era tão
unido, agora tem aquele pastor desencaminhando algumas almas conflituosas e as
pessoas submissas e carentes se tornando fanáticas para coisas inacreditáveis.
― Os problemas do povoado
interferindo na vida em família e discussões vindas de onde a gente menos
imaginava. É triste ver a desconfiança entre pessoas que eu considerava irmãos,
amigos, é triste. Até nosso pequeno povoado.
― A família está bem, a gente
faz o que pode para lidar com as desavenças entre parentes. Bia, depois
conversaremos e torço que tudo se resolva para Josué. Lembre-se do amigo
aqui, os verdadeiros amigos não falham.
― Senti na pele essa experiência. As
mulheres me socorreram na hora do sufoco e sei com quem contar. A rede dos que
se importam ainda é grande e bem tecida. As fases vem e passam, é assim, seguimos
adiante.
― Tenho que ir! Clara está esperando
o feijão para cozinhar, deve estar danada com minha demora. Até! ― Montou na bicicleta. Bia continuou no mesmo lugar olhando ele sumir.
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