segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Seguir adiante! (CENA 6)


05/12/2019
            ― Dias atrás vi você andando distraída na direção da mercearia, Bia. ― Falou Juvenal descendo da bicicleta.
         ― Ju, não sabe o sufoco que passei. Nem te conto os problemas que tivemos, Josué e eu.
           ― Fiquei sabendo, Bia, o povo canta rápido o novelo.
           ― Tem razão, a gente não tem segredo, além do povoado agora também a Internet né!
          ― O Josué está bem?
          ― Conhece o sujeito. Não fala nada. Teve crise de pânico após o acidente e se recupera devagar, parece adiando retornar ao mar. O dinheiro por um fio, não sei o que vem.
          ― Podendo ajudar, conte comigo. Sei que ele não vai com minha cara. Os velhos tempos amargaram nossas relações, mas você sabe que pode contar, não é? Em casa também tem dificuldade, Clarinha e os meninos, as despesas pesam. Fora que não está fácil arrumar serviço de carteira assinada, e quando aparece eles querem pagar menos e dar o restante por fora. Os direitos estão minguando a olhos vistos no nosso dia a dia, cada dia um corte, ficando só o básico e olha que dá medo, a gente tem família, fica preocupado com tamanha insegurança. Imagino Josué, com aquele jeitão de parecer forte e dar conta do sustento da família, não é brincadeira.
            Juvenal e Bia viveram momentos de paixão. Quase crianças ainda. As casas das famílias coladas uma a outra. Desde pequenos brincavam no quintal quando ele escapava por debaixo da cerca de arame. E da amizade, dos hormônios, do toque na pele, do primeiro beijo, das mãos dadas, do cinema em projeção numa parede do centrinho, veio o namoro. Até que mudou uma família do Nordeste para a casa que foi de Dona Cotinha. Ele ficou amigo do rapazinho sisudo, desconfiado e de quase nenhuma palavra. Assim Josué ficou entre eles. O tipo demonstrando necessitar de cuidado conquistou o coração de Bia a ponto de os dois amigos deixarem de ser vistos juntos nas brincadeiras masculinas. Josué era ciumento e Bia não sabia lidar por ser muito jovem, permitiu se anular inicialmente por estar apaixonada e ver nele o homem de sua vida. No entanto Juvenal não deixou que a amizade entre ele e Bia desaparecesse, respeitou a escolha da mocinha. Isso incomodava Josué, atento às artimanhas por não acreditar em amizade entre homem e mulher.
            ― Como vai Clara e os meninos? Não tenho visto ninguém, ando tão confusa com tanta coisa para pensar e não consigo clareamento na cabeça do que deve ser feito.
           Esse período está duro para muitos. O preconceito está ainda mais presente na vida da gente. Nosso povoado que antes era tão unido, agora tem aquele pastor desencaminhando algumas almas conflituosas e as pessoas submissas e carentes se tornando fanáticas para coisas inacreditáveis.
           ― Os problemas do povoado interferindo na vida em família e discussões vindas de onde a gente menos imaginava. É triste ver a desconfiança entre pessoas que eu considerava irmãos, amigos, é triste. Até nosso pequeno povoado.
          ― A família está bem, a gente faz o que pode para lidar com as desavenças entre parentes. Bia, depois conversaremos e torço que tudo se resolva para Josué. Lembre-se do amigo aqui, os verdadeiros amigos não falham.
            ― Senti na pele essa experiência. As mulheres me socorreram na hora do sufoco e sei com quem contar. A rede dos que se importam ainda é grande e bem tecida. As fases vem e passam, é assim, seguimos adiante.
           ― Tenho que ir! Clara está esperando o feijão para cozinhar, deve estar danada com minha demora. Até! ― Montou na bicicleta. Bia continuou no mesmo lugar olhando ele sumir.

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