01/12/2019
A semana andava estressante. Bia pegou
uma grana caso decidisse comprar algo e saiu para o giro à beira-mar. Queria
estar em paz e lá se transportava alhures. Era fácil se permitir. A água morna,
o céu iluminado de azul. Ao passar próxima a uma cabana de sucos e frutas, escutou a voz rouca de Caymmi, cantando "O mar quando quebra na praia, é bonito, é bonito...". Quando a mente queria importunar, a onda
batia em seus pés em cadência e sentia-se transportada. Não se perdia de todo. Instintivamente, se localizava lixo na areia: tampas de garrafa d’água, lacres,
pedaços de plástico, canudinhos, isopor, copo descartável, ... enchia as mãos,
levava à lixeira. Quando voltava a andar sem compromisso, eis que encontrava mais lixo e tornava encher as
mãos. Abaixou para pegar uma tampinha e quando ergueu o olhar, um jovem disse:
― A senhora está catando conchinhas?
― Caminhou na direção dela e ofereceu a mão cheia de conchinhas do mar.
―
Não, ― Bia mostrou o que tinha entre as mãos ― é lixo. Não entendo por que as
pessoas deixam tanto lixo na praia. São incapazes de jogar na lixeira. ― O
rapaz olhou assustado a quantidade de objetos plásticos. Tornou a andar, mas
voltou-se e gritou:
―
A senhora é a primeira pessoa que vejo catando lixo. Juro que nunca vi ninguém
fazendo isso aqui na praia. ― O rapaz continuou à cata de conchinhas. Bia seguiu
no passeio e falou sozinha “ele não deveria tirar as conchinhas da praia, pois servem de casa aos micro-organismos da natureza”. A quantidade de conchinhas havia diminuído muito nos últimos anos.
O
barulho de helicóptero se fez forte, um zunido irritante e muito próximo. A
aeronave voava baixo. Bia olhou para cima e ao passar por um rapaz, ele falou:
―
Você vai sair na televisão. ― Bia não entendeu, perguntando-se o por que do moço dizer aquilo. Mais à
frente, muitos vendedores: milho verde, choripan (pão com linguiça), bebida de
todo tipo, queijo na brasa, sanduíche, roupa, rede, colcha rústica, ..., com o
desemprego nas alturas as pessoas estão no salve-se quem puder. Entre eles
comentavam estar difícil sobreviver, principalmente na informalidade. Então
entendeu, foram filmados de cima, o helicóptero. Também ela tinha pensado em
vender algo na praia para ajudar Josué nas despesas que só aumentavam. Chegou
ao final, deu meia volta, e continuou a caminhar no molejo das ondas, sem
pressa, quando repentinamente ouviu uma gritaria vinda de onde estavam os
vendedores ambulantes, os fiscais chegaram e reviravam a mercadoria, vendedores
assustados e decididos a correr e salvar o que fosse possível, aquele monte de
gente agitada e misturada aos turistas e trombando nas pessoas. Bia levou um
tranco de alguém e foi derrubada, quase pisoteada. Ágil, levantou e
a certa distância, com o coração acelerado, observava a triste história dos que
perdiam as mercadorias.
Com
o verão chegando a disputa de espaço ficava acirrada.
Bia
no agacha-levanta na catação de lixo, na corrida à lixeira. Ela se distraiu de seu lixo
interno, que deixava acumular e nem sempre achava destino, montanhas e montanhas
de milhares de cacos exigindo reciclagem, mas largado à margem de sua própria
praia desértica.
Não
foi a única à cata de alguma coisa, afinal retirar o lixo da praia é sempre saudável. No caso dos ambulantes e das conchinhas nem tanto.
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