quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

à cata de quê? (CENA 5)


01/12/2019
            A semana andava estressante. Bia pegou uma grana caso decidisse comprar algo e saiu para o giro à beira-mar. Queria estar em paz e lá se transportava alhures. Era fácil se permitir. A água morna, o céu iluminado de azul. Ao passar próxima a uma cabana de sucos e frutas, escutou a voz rouca de Caymmi, cantando "O mar quando quebra na praia, é bonito, é bonito...". Quando a mente queria importunar, a onda batia em seus pés em cadência e sentia-se transportada. Não se perdia de todo. Instintivamente, se localizava lixo na areia: tampas de garrafa d’água, lacres, pedaços de plástico, canudinhos, isopor, copo descartável, ... enchia as mãos, levava à lixeira. Quando voltava a andar sem compromisso, eis que encontrava mais lixo e tornava encher as mãos. Abaixou para pegar uma tampinha e quando ergueu o olhar, um jovem disse:
            ― A senhora está catando conchinhas? ― Caminhou na direção dela e ofereceu a mão cheia de conchinhas do mar.
― Não, ― Bia mostrou o que tinha entre as mãos ― é lixo. Não entendo por que as pessoas deixam tanto lixo na praia. São incapazes de jogar na lixeira. ― O rapaz olhou assustado a quantidade de objetos plásticos. Tornou a andar, mas voltou-se e gritou:
― A senhora é a primeira pessoa que vejo catando lixo. Juro que nunca vi ninguém fazendo isso aqui na praia. ― O rapaz continuou à cata de conchinhas. Bia seguiu no passeio e falou sozinha “ele não deveria tirar as conchinhas da praia, pois servem de casa aos micro-organismos da natureza”. A quantidade de conchinhas havia diminuído muito nos últimos anos.
O barulho de helicóptero se fez forte, um zunido irritante e muito próximo. A aeronave voava baixo. Bia olhou para cima e ao passar por um rapaz, ele falou:
― Você vai sair na televisão. ― Bia não entendeu, perguntando-se o por que do moço dizer aquilo. Mais à frente, muitos vendedores: milho verde, choripan (pão com linguiça), bebida de todo tipo, queijo na brasa, sanduíche, roupa, rede, colcha rústica, ..., com o desemprego nas alturas as pessoas estão no salve-se quem puder. Entre eles comentavam estar difícil sobreviver, principalmente na informalidade. Então entendeu, foram filmados de cima, o helicóptero. Também ela tinha pensado em vender algo na praia para ajudar Josué nas despesas que só aumentavam. Chegou ao final, deu meia volta, e continuou a caminhar no molejo das ondas, sem pressa, quando repentinamente ouviu uma gritaria vinda de onde estavam os vendedores ambulantes, os fiscais chegaram e reviravam a mercadoria, vendedores assustados e decididos a correr e salvar o que fosse possível, aquele monte de gente agitada e misturada aos turistas e trombando nas pessoas. Bia levou um tranco de alguém e foi derrubada, quase pisoteada. Ágil, levantou e a certa distância, com o coração acelerado, observava a triste história dos que perdiam  as mercadorias.
Com o verão chegando a disputa de espaço ficava acirrada.
Bia no agacha-levanta na catação de lixo, na corrida à lixeira. Ela se distraiu de seu lixo interno, que deixava acumular e nem sempre achava destino, montanhas e montanhas de milhares de cacos exigindo reciclagem, mas largado à margem de sua própria praia desértica.
Não foi a única à cata de alguma coisa, afinal retirar o lixo da praia é sempre saudável. No caso dos ambulantes e das conchinhas nem tanto.

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