sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

estou indo!


09/02/2020
Começar de novo.
Aliviada e com autoestima revigorada, assim queria se sentir. Mas o momento não trazia apenas a conquista da liberdade, trazia também o lado triste de outros envolvidos que não mereciam estar no meio do redemoinho. Bem que a mãe lhe confidenciara baixinho:
 “Acha que tudo foi às mil maravilhas com seu pai? Ele era homem bonito e vistoso, de vida livre, da viola, da toada de bois, das cavalgadas, do trabalho sem horas rígidas, e onde existia isso nessa roça de meu Deus? Ao pobre é exigido o esforço além da medida humana e ele não tinha a tal energia, nem jeito com obrigações. Com salário de professora cuidei de vocês, oito filhos queridos. Ele achava que não tinha obrigação de contribuir financeiramente, o pesado bancasse eu.”
Naquelas eras, a estrada em pura terra batida onde o punhado de arenito evitava a poeirenta nuvem. Contava com nove anos e preferia ficar no cantinho, quieta e observadora, numa timidez única, não compartilhada com as irmãs. A mãe sempre ocupada com as diversas obrigações, tendo que dar direcionamento aos filhos mais velhos que cedo levavam dinheiro para casa.
A menina sentada na pedra, no cantinho da estrada onde ninguém via, conversava com amigos, e eram muitos. Esse egoísmo de não partilhar amizade, onde os irmãos brincavam longe e ela escondida entre folhagens. Com eles conversava e se abria. Quando um adulto ou irmão se aproximava, via a menina de braços abraçados às miúdas pernas. Ela sozinha, respondia com monossílabos ou não. O mundo em que vivia, rico de amigos brincalhões e cismados, se recolhiam ao mutismo. Assim passou a infância, protegida da mãe brava que punia com violência os filhos, tentando ao seu jeito dar direcionamento àquelas pequenas vidas deixadas em suas mãos, unicamente em suas mãos.
Passou a infância distante dos problemas familiares e protegida dos sopapos entre mãe e irmãos. Os mais velhos, os mais penalizados. Pôs na cabecinha, tivesse idade partiria dali, cuidar de si. A adolescência sem diferentes sensações e terminada a escola secundária foi morar com uma das irmãs casada de pouco.
Foi um tempo tumultuoso. O cunhado encontrava maneiras de assediar e a energia gasta em estratégias para proteger a irmã da verdadeira figura do marido. Quando veio a independência financeira razoável, buscou o próprio canto para manter a dignidade. Sempre que retornava à casa da irmã procurava não ficar num ambiente sozinha com o cunhado. Extremamente desgastante estar o tempo todo atenta a tudo e escapulir das ciladas.
Estudiosa e acostumada à solidão, fez o modesto patrimônio: o apartamento localizado em condomínio de quatro prédios popular. Arredia ao contato masculino, fugia de relacionamento, até que apareceu o rapaz mais jovem. Na fase madona, passada idade de casar. Aconteceu tão rápido e a união durara décadas.
A conformidade do jeito infantil estabilizou na adultez. Sóbria, tímida e o mundo interior repleto. Tranquila entre mundos, não chegava ameaçar a convivência social pela discrição constante. E tal qual a mãe, a administração financeira da casa era obrigação dela. Ela respeitou sem queixas, mas projetaram-se simbólicas no relacionamento que aos poucos adoecia. Eram tantos silêncios. O marido, no auge do másculo, dava dimensão importante ao sexo. Sexo, para quê! Separaram-se. Como buscar maneira de conduzir as situações com jeito, sem sofrimento do ex-marido e filhos? Nem sempre o começar é novo. Vem acompanhado de perdas e ganhos numa fluidez em movimento que apenas o tempo, fiel professor, dirá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário