09/02/2020
Começar
de novo.
Aliviada
e com autoestima revigorada, assim queria se sentir. Mas o momento não trazia
apenas a conquista da liberdade, trazia também o lado triste de outros
envolvidos que não mereciam estar no meio do redemoinho. Bem que a mãe lhe
confidenciara baixinho:
“Acha que tudo foi às mil maravilhas com seu
pai? Ele era homem bonito e vistoso, de vida livre, da viola, da toada de bois,
das cavalgadas, do trabalho sem horas rígidas, e onde existia isso nessa roça
de meu Deus? Ao pobre é exigido o esforço além da medida humana e ele não tinha
a tal energia, nem jeito com obrigações. Com salário de professora cuidei de
vocês, oito filhos queridos. Ele achava que não tinha obrigação de contribuir
financeiramente, o pesado bancasse eu.”
Naquelas
eras, a estrada em pura terra batida onde o punhado de arenito evitava a
poeirenta nuvem. Contava com nove anos e preferia ficar no cantinho, quieta e
observadora, numa timidez única, não compartilhada com as irmãs. A mãe sempre
ocupada com as diversas obrigações, tendo que dar direcionamento aos filhos mais
velhos que cedo levavam dinheiro para casa.
A
menina sentada na pedra, no cantinho da estrada onde ninguém via, conversava
com amigos, e eram muitos. Esse egoísmo de não partilhar amizade, onde os
irmãos brincavam longe e ela escondida entre folhagens. Com eles conversava e
se abria. Quando um adulto ou irmão se aproximava, via a menina de braços
abraçados às miúdas pernas. Ela sozinha, respondia com monossílabos ou não. O
mundo em que vivia, rico de amigos brincalhões e cismados, se recolhiam ao
mutismo. Assim passou a infância, protegida da mãe brava que punia com
violência os filhos, tentando ao seu jeito dar direcionamento àquelas pequenas
vidas deixadas em suas mãos, unicamente em suas mãos.
Passou
a infância distante dos problemas familiares e protegida dos sopapos entre mãe
e irmãos. Os mais velhos, os mais penalizados. Pôs na cabecinha, tivesse idade
partiria dali, cuidar de si. A adolescência sem diferentes sensações e terminada
a escola secundária foi morar com uma das irmãs casada de pouco.
Foi
um tempo tumultuoso. O cunhado encontrava maneiras de assediar e a energia
gasta em estratégias para proteger a irmã da verdadeira figura do marido. Quando
veio a independência financeira razoável, buscou o próprio canto para manter a
dignidade. Sempre que retornava à casa da irmã procurava não ficar num ambiente
sozinha com o cunhado. Extremamente desgastante estar o tempo todo atenta a
tudo e escapulir das ciladas.
Estudiosa
e acostumada à solidão, fez o modesto patrimônio: o apartamento localizado em
condomínio de quatro prédios popular. Arredia ao contato masculino, fugia de
relacionamento, até que apareceu o rapaz mais jovem. Na fase madona, passada idade
de casar. Aconteceu tão rápido e a união durara décadas.
A
conformidade do jeito infantil estabilizou na adultez. Sóbria, tímida e o
mundo interior repleto. Tranquila entre mundos, não chegava ameaçar a
convivência social pela discrição constante. E tal qual a mãe, a administração
financeira da casa era obrigação dela. Ela respeitou sem queixas, mas
projetaram-se simbólicas no relacionamento que aos poucos adoecia. Eram tantos
silêncios. O marido, no auge do másculo, dava dimensão importante ao sexo.
Sexo, para quê! Separaram-se. Como buscar maneira de conduzir as situações com
jeito, sem sofrimento do ex-marido e filhos? Nem sempre o começar é novo. Vem
acompanhado de perdas e ganhos numa fluidez em movimento que apenas o tempo,
fiel professor, dirá.
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