quinta-feira, 11 de outubro de 2018

HOSPÍCIO


HOSPÍCIO
18/09/2018
A filha ficou cacarejando pelo whatsapp. A mãe tinha obrigação de cuidar de Monstrinha, não podia deixar o adestrador maluco colocar as mãos nela. A mãe enviando foto mostrando como emagreceu e voltou a vestir peças antigas e, a filha interessada apenas em notícia de Monstrinha. A mãe respondeu, se tranquilize, não dando importância ao caso.
O casal vivia com as três cachorras, ou seria cadelas? Monstrinha, mistura diferente, pitbull e labrador, porte ostensivo, pelo brilhoso, olhos amendoados, força medonha. Quarenta e cinco quilos distribuídos à semelhança apenas da raça pitbull. Lelepe, levada e arisca, pelo marrom acaju, a única a não dar trabalho com doença. E Pequetita, uma poodle mini de pelo branquinho, latido afiado de doer tímpanos dava sinal de algo estranho, acionando as companheiras. O latido da noite em três vozes, três tons. E marido e mulher gritando: Psiu! Quietas! Vão dormir! Elas comportavam bem se, não viam, não ouviam, latidos, grunhidos, miados ou conversa alheia. Ao cheiro e ruído de cães, gambás, gatos e gente, iniciava o alvoroço. Eram netinhas que exigiam cuidados.
Lelepe e Pequetita não eram problemas. Monstrinha fazia o casal rebolar. Tinha três anos e nunca posto as patas fora de casa. Quando veio para a família, o filho escolheu o filhote que se assemelhava a pitbull, os outros pareciam demais com labrador, eu não quis, comentou ele. A cachorrinha veio fraca, com problemas de pele que a impediram de conhecer a rua. Quando se deram conta, aquele monstrengo de cachorro, que apesar de dócil com os velhos e as companheiras, se impunha na liderança com rosnados assustadores.
Assim, a mulher colocou-a para adestramento. Foram dez aulas de socialização, como disse o professor. E aprendeu comandos, senta, deita, fica, junto. Beleza. A família instruída a continuar rotina de exercícios.
O marido não se animou com a tarefa. A mulher, atrevida, pôs a coleira na cachorra e saiu. Fez os exercícios, senta, deita, fica, junto, deu voltas próximas de casa e tudo ocorreu às maravilhas. Monstrinha voltou satisfeita, abanando rabo.
À segunda saída, a mulher exercitou a cachorra próximo de casa por algum tempo e como se saiu bem, arriscou mais quarteirões. Quando iam caminhando no ritmo rápido, atravessou na frente da mulher esparramando-a pelo chão. Continuou destemida, um tombinho de nada. Senta, deita, fica, junto e acelerou. Em um quarteirão, casas com cachorro e até mais de um. Latidos. O adestrador ensinou, se ver cachorro, dê meia volta para o animal se distrair. A mulher tentou obedecer as instruções e os latidos se intensificando. Monstrinha agitada, querendo voar nos bichos. Escolheu seguir em frente, talvez no trecho adiante não tivesse animais. Na última casa da esquina, dois cachorrões. Latidos sem pausa. Firme na coleira. Antes de sair de casa, chegou a pensar, será que coloquei a coleira direito?
Num movimento brusco atiçado pelo barulho dos cães, Monstrinha avançou. A mulher, miúda e ágil, mas o solavanco que experimentou, jogou-a de bunda no chão, chegando a ficar deitada e a cachorra a rodopiando por duas vezes. A mulher segurando firme a coleira, e no instante que latidos acalmaram, conseguiu se reerguer. Neste exato momento, a coleira se solta. A mulher dotada de força desconhecida, repõe o equipamento e tenta sair dali o mais urgente possível. Empacada. Latidos ferozes. Monstrinha tomada pelo desejo de ataque. A mulher segurando rente à coleira, de forma a não escapar cão de raça tão temida.
Finalmente fora da zona de conflito. A mulher trêmula e descompensada. No passeio em frente de casa, Monstrinha estacou, nenhum comando a tirou da posição. A mulher segurou-a levantando as patas dianteiras e levando-a como criancinha. O marido envolvido no conserto do armário. Contou a aventura. Esqueceu. O corpo não, coluna estropiada.
A mulher caiu na real. Um adestrador passeava de bicicleta com cães, se interessou. Agendaram passeios três vezes por semana. Pôs o moço a par do comportamento da cachorra. No primeiro passeio, retornou em quinze minutos. O domador não esperava tanto. Ela desestruturou a rotina e outros cães.
No segundo passeio, o moço deve ter exigido além das forças de Monstrinha, forma de ficar claro quem está no comando. Retornou do passeio e foi deixando marcas de sangue no chão. A poucos passos caiu desorientada. Expulsou baba, ar parecia faltar. O uso de focinheira lhe dificultou respiração.
O marido deu com a língua nos dentes e os filhos infernizaram a mulher.
Os filhos saíram de casa e não levaram os animais.

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