O
GATO
07/12/2018
Levantou
cedo. Abriu a porta do quarto que dava acesso à varanda no primeiro andar. Manhã nublosa. Buscou caderno e caneta. As árvores no lugar. A primeira árvore, a buganvília entre
telhados, mareava seus olhos de vermelho intenso, quase um tom vinho tinto. A
segunda árvore, toda alaranjada em tom forte, vibrava mais à frente. Árvore que
povoou a infância, jogando ao chão botões e quando se pisava neles,
espirravam longe o líquido – “Xixi de gato”. Ao lado uma linda palmeira. A
terceira árvore, um ipê amarelo sem floração. Os ipês daqui, do Sul, não
florescem com a intensidade dos da terra natal. Além do que, o ipê está dominado por ramas de maracujá.
Enquanto
escrevia, sentada na cama, um pintassilgo cantava sem parar. Escutava sons de
outros pássaros, a passarinhada entoava o canto da manhã.
A quarta árvore que lhe chamara atenção, estava bem verdinha. Na época de florada emoldurava-se,
cacheada de flores amarelas em pendão, tão magníficas que ofuscavam. E pensar
que pedira ao jardineiro que a cortasse, pois desconhecia o pendão, devido à sombra
na horta. O jardineiro não a escutara.
Olhou ao fundo um tronco dessa árvore. Viu um gato. Um gato preto descansando. Olhava fixamente e
ainda o gato. Olhar luminoso, olhos que brilhavam em sua direção. Espiavam.
Insistentemente. O gato descansava e observava a obsessão da mulher a sequentes
perguntas: será mesmo um gato? será imaginação? Abriu mais os olhos, olhos
míopes, e a imagem de gato permanecia. Não quis buscar os óculos. Um gato preto
de olhos amendoados de paralisar.
Enquanto
persistia olhar, pensamentos divagavam. Estava tão difícil a aceitação. Por mais
que refletisse não conseguia assimilar o ódio. Ódio que distanciava a
convivência. Pessoas escolheram algo cujos valores e princípios diferiam dos coerentes.
O
ódio. O gato olhava com assombro. Como se visse o fundo, o fundo oco da mulher.
Um ódio do dia seguinte. Que persistia. Iria embora? Não sabia
o que era ódio. A não ser quando criança, depois de boa surra da mãe.
Desenvolveu depois de velha?
O gato olhava fixo. Não se mexia. Não se
movia. Apenas observava com olhares inquisidores. Até que ela percebera, o gato não
era um gato, e sim um pedaço do tronco.
Mas que importava. Ela
via o gato!
Nenhum comentário:
Postar um comentário