domingo, 17 de março de 2019

O GATO

O GATO
07/12/2018
            Levantou cedo. Abriu a porta do quarto que dava acesso à varanda no primeiro andar. Manhã nublosa. Buscou caderno e caneta. As árvores no lugar. A primeira árvore, a buganvília entre telhados, mareava seus olhos de vermelho intenso, quase um tom vinho tinto. A segunda árvore, toda alaranjada em tom forte, vibrava mais à frente. Árvore que povoou a infância, jogando ao chão botões e quando se pisava neles, espirravam longe o líquido – “Xixi de gato”. Ao lado uma linda palmeira. A terceira árvore, um ipê amarelo sem floração. Os ipês daqui, do Sul, não florescem com a intensidade dos da terra natal. Além do que, o ipê está dominado por ramas de maracujá.
            Enquanto escrevia, sentada na cama, um pintassilgo cantava sem parar. Escutava sons de outros pássaros, a passarinhada entoava o canto da manhã.
            A quarta árvore que lhe chamara atenção, estava bem verdinha. Na época de florada emoldurava-se, cacheada de flores amarelas em pendão, tão magníficas que ofuscavam. E pensar que pedira ao jardineiro que a cortasse, pois desconhecia o pendão, devido à sombra na horta. O jardineiro não a escutara.
            Olhou ao fundo um tronco dessa árvore. Viu um gato. Um gato preto descansando. Olhava fixamente e ainda o gato. Olhar luminoso, olhos que brilhavam em sua direção. Espiavam. Insistentemente. O gato descansava e observava a obsessão da mulher a sequentes perguntas: será mesmo um gato? será imaginação? Abriu mais os olhos, olhos míopes, e a imagem de gato permanecia. Não quis buscar os óculos. Um gato preto de olhos amendoados de paralisar.
            Enquanto persistia olhar, pensamentos divagavam. Estava tão difícil a aceitação. Por mais que refletisse não conseguia assimilar o ódio. Ódio que distanciava a convivência. Pessoas escolheram algo cujos valores e princípios diferiam dos coerentes.
            O ódio. O gato olhava com assombro. Como se visse o fundo, o fundo oco da mulher. Um ódio do dia seguinte. Que persistia. Iria embora? Não sabia o que era ódio. A não ser quando criança, depois de boa surra da mãe. Desenvolveu depois de velha?
           O gato olhava fixo. Não se mexia. Não se movia. Apenas observava com olhares inquisidores. Até que ela percebera, o gato não era um gato, e sim um pedaço do tronco.
Mas que importava. Ela via o gato!

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