Imagens
espalhadas e desconexas persistiam na memória, corpos ausentes e marcados no
vazio. Era pesadelo sim.
Vinte e duas horas. Vinte e três
de setembro. Atendo o telefone e a voz do outro lado:
― Aconteceu acidente grave com seus
pais e irmão. ― Não quiseram dar outras informações, apenas estavam no pronto
socorro da capital e necessitavam de parente próximo.
Osvaldo pegou chave do carro, se
dirigiu ao local e nos corredores frios do hospital buscou incansavelmente por
notícias, mas vinham picadas, poucas palavras, poucas respostas. A equipe
trabalhava sob pressão nos casos mais graves que chegavam a todo instante e
demandavam decisão emergencial. Osvaldo foi levado à uma maca metálica, dura e
gelada onde Eustáquio, em estado de choque, estava em observação. Nunca tinha
entrado ali, quanto sangue, gemidos próximos, cortinas brancas e finas onde se
entrevia vultos e o corre corre de aventais brancos. Tocou a mão do irmão cerrada
em punho e com dificuldade abriu. Uma chave. A chave da nossa casa, daquele
tipo antigo e comprida, que ele segurava firme e protetor.
Lembrou o momento em que se
despediu da mãe na calçada com um abraço, beijo no pescoço, ela sorrindo,
contorcendo em cócegas e Osvaldo disse, te amo mamãe. Mas por que me despedi de
minha mãe se estava junto a eles na igreja?
Era domingo de início de
primavera. Enquanto assistiam a missa, longe dali no local de embarque de
ônibus na periferia, o motorista antes de início de nova viagem ao centro da
cidade, olhou o relógio e verificou, tenho dez minutos. Avisou que iria comprar
água no boteco.
― Duas doses caprichadas de
cachaça. ― pediu o motorista ao balconista. Jogou goela abaixo um copo
americano cheio da bebida enquanto era observado por duas passageiras pela
janela do veículo. Ele era conhecido no local e comentava, ― Sou roda federal! ―
Gabando-se da habilidade ao volante. Voltou em cima da hora, ligou a chave do
veículo e rumou pela nova via exclusiva de ônibus.
A igreja era próxima à casa da
família de Osvaldo, nem bem dez minutos de tráfego. O padre encerrou a missa e
ao sair, viram o céu estrelado na noite. Entraram no carro. Na via transversa o
carro ficara preso ao veículo da frente e quase metade exposta na via exclusiva
de ônibus. A família apreensiva de dentro do carro observava o ônibus se
aproximando cada vez mais e Osvaldo não conseguia mover sequer um milímetro, mas
disse, tem espaço suficiente para ele passar. O que tranquilizou os pais.
O motorista a certa distância
percebeu a rabeira do automóvel na pista exclusiva e comentou com o auxiliar, ouvido
por passageiros:
― Vou tirar um fininho naquele
carro, quer ver? ― zombou em voz alta.
O estrondo e o mundo veio abaixo.
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