domingo, 4 de novembro de 2018

LIÇÃO DE ONTEM PARA O HOJE

   "Tem muito serviço pela frente. Muita coisa para fazer.Temos que dar conta do que se passa a nossa volta. Faremos isso somente se cumprirmos nossa tarefa. E nossa tarefa é pensar."  Filósofa Marilena Chauí.

   A fala da filósofa veio de encontro ao que apreendi do livro Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath), de John Steinbeck, 1ª ed. /fev/1972, coleção Os imortais da literatura universal da Abril. Implementei leitura do livro de seiscentos e vinte e nove páginas em cinco dias com o objetivo de assistir ao filme de mesmo nome e ter conhecimento a priori da obra.

   O desafio me fortaleceu a capacidade e o mais importante, fez que deixasse de lado as politicagens brasileiras dos últimos tempos. Fui salva por um clássico que discute exatamente a questão do direito do povo à terra para plantação e sobrevivência na era das transformações do século XX, quando da industrialização de maquinários agrícolas que retiraram o emprego de pequenos agricultores nos Estados Unidos. 

   Quanta luta daquele povo, oriundo do campo e perdendo terras próprias ou arrendadas por não conseguir pagar dívidas contraídas nos bancos. Vítima do mundo financeiro, que arando perversamente a dignidade das pessoas, as expulsam do pedaço de terra para monoculturas do agronegócio. 

   A visão do dinheiro, do lucro, da ganância, destruindo bases morais e culturais, causando mortes, destruições, esfacelamento de famílias, deixando que crença e esperança fossem minguando.

   Chega a ser angustiante. A gente segue o narrador da história e ele consegue nos manter no foco e interesse a cada nova página, numa habilidade de assombrar a quem curte prestar atenção a este detalhe. E a descrição dos locais, das pessoas e as características psicológicas, cada detalhe trazendo para quem o lê, a certeza de que o autor esteve e viveu a sacrificante aventura.

   E eu que pensava que os preconceitos norte-americanos eram raciais, o livro deixa claro que os pobres, por serem pobres e principalmente os de Oklahoma, chamados grotescamente de okies, no sentido pejorativo, designando o estrangeiro que não é bem vindo por ser pobre e não ter dinheiro.

   Devido a terra improdutiva, períodos de extrema seca, fome intensa, os pequenos fazendeiros acreditam na onda dos milhares de folhetos oferecendo fartura, empregos e possibilidade de aquisição de terras no sul da Califórnia. Os vários folhetos são o chamariz (a fake news da época) e leva multidões, quase sem dinheiro algum, com a esperança de tempos melhores. E com isso, conseguem pagar cada vez menos pela mão de obra devido a imensa procura por trabalho e a fome. O homem mostra a sua ferocidade, a sua característica primitiva.

   O uso da publicidade acarretando a milhares a ilusão de um mundo justo e a que todos têm direito de verdade. Não é bem assim. Tem dinheiro? Se o tem, é bem-vindo a qualquer lugar. Se não o tem, os dificultadores somam-se. É isso que vivencia a família de um jovem recém saído da prisão por ter causado a morte de um homem que o atacou. Dos oito anos de cadeia, saíra após quatro por bom comportamento. Retorna à família, pensando saborear boa comida, sesta tranquila e mulheres interessantes. Encontra a família de partida para a Califórnia e se junta a ela, apesar da liberdade condicional não permitir sair da fronteira de Oklahoma.

   O autor domina todas as referências. A mãe, o pai, a religião, as crenças e como cada uma interfere no relacionamento humano. Magistral manual do convívio.

   O autor traz muitas reflexões. Exemplos: 

"Mulheres e crianças sabiam que tudo estava bem. Mulheres e crianças sentiam profundamente que não havia sofrimentos que não suportassem desde que os homens conservassem a fé e o ânimo." 

"Às vezes, um sujeito triste perde a tristeza, falando." 

"Parecia saber (a mãe) que dependia dela o edifício de sua família; que à sua falta, todo esse edifício desmoronaria ao menor sopro de ventos adversos."

""Onde vamos parar?" Acho que não vamos parar em lugar nenhum. Estamos sempre a caminho. Sempre indo, indo para a frente... É um movimento que não acaba nunca. O pessoal anda, anda sempre. Nós sabemos por quê, e sabemos como. Caminhamos porque somos obrigados a caminhar. É o único motivo por que todos caminham...."

"... a prisão é uma coisa que foi feita pra deixar a gente louca aos poucos... E a pessoa fica louca mesmo e a gente pode ver eles e ouvir eles e não demora, já não sabe se também não está maluco."

"Calma, tu deve ter paciência. Olha,... a nossa gente estará viva ainda quando já esse pessoal não existir mais. Nós vivemos,... iremos viver sempre. Ninguém nos pode destruir. Nós somos o povo, vamos sempre pra diante. ― Sempre apanhando. Talvez seja por isso que a gente se torne tão forte e rija... Nós continuamos a avançar." 

   O filho vai qual num relato de viagem e epopeia, juntamente com a família, vivendo os dificultadores que se apresentam, fazendo escolhas e vivendo o possível. No caminho a família vai perdendo parentes (os avós), outros desaparecem fazendo escolhas diferentes e o final, surpreendente... não poderia imaginar semelhante.

   Os tempos mudaram. Os tempos para a frente são outros. Mais uma vez as tecnologias ameaçam.  Precisamos avançar. Pensar e avançar.

Um comentário:

  1. "As vezes um sujeito triste perde a tristeza falando" escrever é uma forma de falar.

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