Aquarela Ju Chagas Instagram.com@disfarcada |
21/07/2020
No
povoado as pessoas que podiam estar dentro de casa ficavam todas elas em apenas
um ou dois cômodos. O que se via em cada barraco era o caos, se uma pessoa
confirmava o coronavírus todos que habitavam ali ficavam sintomáticos também. Quando
precisavam do sistema de saúde encontravam os corredores abarrotados de
doentes, sofrendo mais risco a todos, ao pessoal da saúde e pacientes.
―
Estamos no meio de julho com mais de oitenta mil mortes nas costas e mais de
dois milhões de casos. Não sei mais o que fazer pra ajudar nossa gente. Ontem fui
na casa de Penha e todos estão tossindo e com o corpo cansado, como sete
pessoas vivendo num barraco tão pequeno poderiam se livrar desse vírus? Fizemos
o mutirão da semana de casa em casa para suprir o mínimo necessário com
alimento e remédio, mas a falta de água e saneamento têm dificultado a higiene.
Josué, me diz, por que a realidade existe do jeito que existe?
―
Bia, que pergunta. A realidade é essa na nossa frente. Pau pau, pedra pedra. É
isso, está no concreto, de riso arreganhado pra nós entre vida e a morte. A
nossa vida e a nossa morte parecem não importar aos poderosos. Ficam na
aparência, mexendo as varetas na superfície, entretendo a população com os faz
de conta. A gente sabe que se existe vida, existe a morte também, mas isso que
estamos vendo tão escancarado na nossa cara, Bia, isso é fazer da nossa vida um
joguete, uma roleta russa.
―
Quando vamos encontrar o momento, o momento em que será diferente, da gente
pegar o cabresto da besta e caminhar a história como se deve, quando é Josué,
me diz, porque não quero viver sem esperança? ― Bia passou a mão na
cabeça e caminhou até os cabelos encolhida na cadeira, após o dia estressante
de visita aos casebres. ― Porque nosso povo está morrendo à míngua, Josué, está
morrendo à míngua.
―
O que tá acontecendo tem diversos lados, devemos ver todos eles. O povo
escolheu o que temos aí sem atentar para o perigo, mesmo que a gente mostrasse,
então essa é uma das nossas realidades atuais. O vírus chegou de fininho e a gripezinha já
faz esse abismo onde atiram em covas rasas corpos e corpos de inocentes. Outra realidade atual. Enxergar
a realidade é dureza, ver todos os lados é muito importante para a gente
criticar a situação.
―
Mas quem vê de forma correta nesse mundo consumista e egoísta em que vivemos, onde
a gente enxerga a aparência seduzida por mercadorias e nem enxerga a si própria?
―
Existe aqueles que não veem, mas existe os que veem e aí está a chance de mudar
o rumo. Sei que não é fácil. Você vê como a gente tem dificuldade de trazer o nosso
povoado para discussão de nossos problemas. Como podemos melhorar sem arrumar a
casa? Josué falou e continuou:
― Você me fez lembrar a baleia orca, Bia. As orcas assassinas usam a inteligência para acuar outro animal. Mas nós temos inteligência superior à da orca, temos capacidade de pensar e construir uma nova realidade a cada dia, a cada dia uma linha, um nó, um tecer a rede, nesse movimento seguimos. ― Josué gesticulava tentando explicar.
― Bia, eu falo pouco, mas é esse pouco que sei. Temos possibilidades. Mas mesmo desejos são finitos, não alcançaremos todos apenas por desejar. A gente vai construindo, de palavra em palavra, aonde uma palavra puxa outra e na liberdade de criar, a gente faz a história a partir do que existe porque só o que existe existe, diz o bruxo. E acredito nele!
Oi marcia, que sensibilidade. Retratando a pura realidade. Beijos
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