domingo, 8 de novembro de 2020

incógnita (CENA 34)

 

01/11/2020

            Osvaldo ouviu sinal de notificação. Pegou celular e disse, não aguento mais esse sinal pra tudo que chega, seja mensagens, emails, notícias, é muito chato ficar nesse automatismo, preciso pedir ajuda aos universitários, como faço para me livrar disso no meu dia a dia, ando cansado do que me deixa alerta. Essa tecnologia é bastante intromissiva, que saco.

Abriu aplicativo e viu mensagem, como você está? Dê notícias! Ao mesmo instante teclou:

― Rapaz, que milagre esse, você aparecer? Quanto tempo a gente não se vê nos almoços, hein?

― Pois é, Valdo, somente on line pra bater papo na atual circunstância. Estou trabalhando de casa e com essa onda de infecção do coronavírus intensificada mais ainda aqui no Sul neste momento, o jeito é continuar em casa, apesar dos negacionistas, não é? ― digitou risadinhas.

― Meu caro rapaz! E os stand up? Anda trabalhando neles? Parece que adivinhou, preciso de auxílio. ― Osvaldo explicou o cansaço da tecnologia através de áudio, pedindo orientação de como paralisar notificação. O jovem retornou explicação de como evitar sons incômodos, dizendo, é bem chato mesmo, não tenho notificação de nada mais. Tudo desligado, para esse momento é muito salutar, o estresse é grande e a invasão na vida da gente intensa.

― Sinto assim. Pensei que a causa era minh’idade, mas vejo jovens saturados também. Como andam as coisas por aí? ― Osvaldo escreveu.

― Ando de repouso, com covid-19 e perdi praticamente todo olfato e paladar. Vista como detalhe por nós no dia a dia, a parte sensorial do nosso corpo não recebe o devido valor, mas tem deixado a semana sem graça pra mim. Onde está o cheiro do ar da manhã, o perfume da Dama da Noite... nada pode ser sentido por mim. Eu que nunca imaginaria viver sem o cheiro das coisas, perder tais sentidos está sendo uma experiência nova e péssima.

― Que horrível, rapaz, ainda bem que os sintomas não foram graves, sei que jovens são na maioria assintomáticos, mas muitos vão a quadros graves, não somente nós idosos.

― Claro que não, até mesmo crianças estão no rol. Mas, Valdo, pior que não sentir nenhuma fragrância no ar, é comer e não saber o que está comendo. Eu comia manga, comia macarrão, comia frango grelhado, tudo simplesmente muito apetitoso aos meus olhos, dentro da minha boca só mastigava massa, uma massa diferente da outra no quesito textura, mas a falta do sabor deixava tudo idêntico.

― Olha que isso não acontece só em sintoma do corona, no câncer, em casos de AIDS e outras doenças as pessoas têm essas perdas.

― Somente agora no sexto dia do início dos sintomas, meus sentidos estão voltando e vejo a diferença imensurável que é uma vida com cheiro e sabor. A vida é boa demais para ser vivida sem graça. Cada detalhe mesmo que pareça pequeno como respirar o cheiro das coisas, ou beber o suco favorito, faz total diferença na vida. Atualmente entendo quando dizem que as melhores coisas estão nos detalhes. Dê valor aos detalhes, você se surpreenderia com a falta que fazem.

― Parece Drumond conversando e falando da vida besta, não é mesmo?

― Tem toda razão, Valdo, ― escreveu o rapaz e colocou risinhos.

Osvaldo disse chacotas por um rápido áudio: Rapazzzzzzz, seu texto está muito bom, é poesia pro meus olhos e som bom nos meus ouvidos, quem sabe continua escrever e contar mais.

O jovem riu e disse, somente você para ver poesia em tudo, Valdo. Osvaldo tornou enfatizar, seu escrito está leve gostoso e com visão saudável da vida, o que é excelente. Despediram-se e o rapaz enviou mensagem para o grupo da família, será que alguém pode trazer almoço pra mim, por favor, completamente dependente do outro. Deitou-se. E até dentro de casa, todos mascarados aguardando resultado do teste que demorava dias.

Osvaldo por seu lado, andando pelo corredor ia pensando como a vida está esquisita nestes 2020. Como se procederá no próximo ano esta enfermidade que está surpreendendo a todos? Como estarão as sofridas pessoas que vivem sem apoio? E como ficarão em 2021?

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