17/11/2020
Palavras
são navalhas...
Bia soltou frase meio sem
elaboração pouco antes de se despedir.
― Que significa, Bia? ―
questionou Ruza.
A frase solta ali na ponta da
língua, na ponta da lança, na ponta da lança lançada dentro dela e doía, e
dolorida, não encontrasse palavra para prosseguir. Eco a ecoar garganta afora,
a exprimir a verdadeira intenção, mas não. Calou-se.
― Questões com Josué andam me incomodando.
Deixa pra lá. Não vale a pena tocar no assunto depois desse trabalho que
tivemos pelo povoado. Vai descansar. Amanhã tem suas obrigações. E eu as
minhas.
― Deixa de ser besta, mulher, vai,
põe pra fora essa nódoa.
Um casal aos gritos a alguma
distância e de repente o homem estapeia a mulher que não reage, escondendo
rosto, escora numa mureta, e solta verbo contra ele. O rapaz larga a moça
choramingando e caminha de encontro ao saco de lixo e chuta, depois é a vez do
cão distraído farejando num canto, que saiu ganindo, abre e fecha cancela
tomado de fúria e se ouve o barulhão.
― É o Oswaldo, Bia, seu vizinho?
Vamos ver se a moça está bem?
Bia e Ruza a passos largos ofereceram
ajuda. A moça ainda em lágrimas, que ao limpar o rosto com costas da mão manchou
de maquiagem. As palavras entaladas na garganta, palavras mudas. Ameaçou abrir
a boca e desistiu. Abanou cabeça e ao invés de entrar em casa do namorado,
caminhou direção ao mar. Estranho era observar que os dois estavam sem máscara.
― Até hoje ter homem assim é
inacreditável, e ainda pior é mulher aceitar. Ah, não, esse tipo de homem não
merece nada da gente.
― Vamos lá em casa, Ruza, toma
uma cervejinha comigo. Topa?
― Bia, você viu aquilo? ah não,
tem mulher idiota demais, eu não aguento isso. As pessoas antes falavam pra
gente não se meter em briga de casal, mas tais situações exigem da gente se
intrometer, sim, porque senão, a violência se expande. Fizemos o possível. ― As
duas retornaram uma casa, até portão de Bia. ― A cervejinha fica pra outra
hora, o pique se foi, Zé e as meninas já devem estar em casa.
Rosária se despediu. Bia ficou parada no portão, observando o gingado, a cintura marcada pelo bermudão azul, as pernas torneadas, imaginando se Ruza seria a que Josué comentou, ou seria uma das outras duas amigas? Não deveria ter trazido à baila tal assunto, que ideia minha, parece que não consigo segurar a raiva. Mas as meninas não têm culpa, é coisa da cabeça dele. Vou dar jeito de descobrir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário