Foto jaimerchagas |
21/12/2020
A essência
vermelha em interação com atmosfera permitira Luiza enveredar caminhos sem
censura e amealhando resquícios aqui e ali, engavetados na memória do tempo,
vinham livres, em perguntas que demandavam ou não respostas. O espírito
dionisíaco lhe dizia para soltar-se, voar, poderia ser ela mesma sem máscara,
sem subterfúgios. Voltou olhar para Osvaldo.
― Precisa experimentar o Mani-Oara,
vinho da mandioca feito por mulheres indígenas. Protagonismo feminino. Produto
da sustentabilidade. Além de valorizar cultura, o bem viver, preserva saberes e
usos. No próximo encontro vou trazer pra você.
― Interessante nome! Ora, com
certeza é indígena, qual significado?
― Mani-oara é uma formiga. Como as
formigas são mais fortes juntas, mulheres também. Os produtos são cem por cento
amazônicos. As mulheres são resilientes, como a minha terra.
― Vou adorar o presente. Quando quiser
dormir, diz, está bem?
― Enviei mensagem para uma colega
me render amanhã. Então, estou sem pressa. Podemos ficar um pouco mais? A noite
está tão fresca que impressiona.
― E sua filha, Luiza?
― Minha doce e sensível criança... ― Enquanto contava, levantou-se.
Luiza saía para o trabalho pela
manhã. O marido trabalhara noite toda e apenas a esposa se despedido, foi atrás
de cigarro. Ao ver o maço vazio e perceber a menina dormindo tranquila, saiu. O
boteco perto de casa fechado, caminhou algumas quadras até encontrar.
― Minha filha tinha asma crônica
e os cuidados começaram cedo. Quando ela tinha três, casei. Meu marido não era
o que se pode chamar homem caseiro. Gozava noite em bares após trabalho.
Durante o dia, cuidava da pequena já com sete. Não explicou porque a deixara
sozinha, sei lá, cigarro, algo assim, e a deixou por minutos, quando retornou
ela dormia o sono dos anjos para sempre. Os dois amores de minha vida, e eu não
estava lá quando precisavam.
― Luiza, coloque a máscara. ―
Osvaldo já mascarado ordenou, e Luiza obedeceu sem resistência.
As lágrimas lhe escorriam e
molhavam o tecido quando o homem desobedeceu as regras, e apertou a mulher nos
braços, procurou manter o rosto afastado do rosto de Luiza e ao ouvido dela
sussurrou palavras consoladoras. Em seguida, Luiza lentamente escorou a face no
peito de Osvaldo, ouvindo as batidas fortes e os tremores que vinham de ambos
corpos. Ele a enlaçava, protegia aquela criança.
― Oh, meu bom amigo, quem diria
que à altura da vida eu encontraria bom ouvido. Meu casamento vinha desgastado
e percebi aquele homem ausente e egoísta, que enxergava apenas si próprio. Coloquei
fim no relacionamento, mesmo assim ele me perseguia. Um tormento. Fugi. Ele me
descobria, ameaçava ainda assim. Naquela época não tinha a Lei Maria da Penha,
se hoje é difícil para nós mulheres mesmo tendo esta lei, imagina anos noventa.
Somente me deu sossego após encontrar outra.
Enfim, mudei-me para cá, mas o passado me faz companhia. A pandemia soltou meus
demônios. Desculpe-me!
― Nenhuma dor se compara a perda
de entes queridos. Te entendo, minha amiga, te escuto, vem, senta um pouco. ―
Osvaldo apoiou os braços dela até assentar e deram-se a mão. Com a outra entregou-lhe
o cálice.
Passada a meia noite aquela varanda era Pasárgada.
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