terça-feira, 15 de março de 2016

MÁSCARA HUMANA II

   

   Vi o filme Dois Dias, Uma Noite, belga de 2014. Foi indicado a Palma de Ouro no Festival de Cannes e a atriz tem o prêmio de melhor atriz do cinema europeu, Marion Cotillard.

   A história em si aparenta simples, é uma via crucis todo o tempo e no ínterim vai abocanhando problemas complexos em relação ao estar no mundo e o outro.

   A personagem principal é uma trabalhadora, mas que estava ausente por problemas de depressão. Nisso, quando do retorno, o chefe coloca aos colegas uma escolha, a demissão dela ou a perda do abono. Ela ficando, ele não tem como pagar a eles, perda de mil euros a cada um.

   A votação feita pelos funcionários (16), a esmagadora maioria concordou com a demissão, menos dois . Uma das colegas que votou contra isso, procura ela e diz que o chefe aceita fazer nova votação na segunda feira, uma vez que vários colegas foram intimidados por um deles. A proposta é que ela tem o fim de semana a fazê-los mudar de ideia.

   Começa a ladainha, a via crucis a casa de cada um dos colegas de trabalho visando conseguir que eles votem a seu favor e não perca o emprego. Cada lance, cada visita faz bombar dentro da gente o sentimento de dor quanto a mesquinhez que carrega o ser humano.

   Além do que, a depressão, apesar de dissipada a crise que levou ao licenciamento, marca o pertencimento a ela; processo complexo, a doença é minimizada com uso de remédios e tratamento, mas subjaz ali em forma latente. Como fazer que isso não a imobilize é o "xis" da questão. O interessante nessa rota é que os vários momentos em que ela pensa, ou fala em desistir e ficar dormindo, é amparada, respeitada e convencida a ir em frente pelo marido, figura que aparece como peça fundamental para que ela suplante o desânimo e siga.

   Assim passa o fim de semana, de casa em casa, ouvindo claramente colegas colocarem o dinheiro acima de tudo, pouco ligando como isso repercute na vida dela; é vista como descartável, objeto e não sujeito.

   Também surpreende como as pessoas se deixam sugestionar por intimidação e, no caso, votaram contra ela. A fragilidade de caráter, a imaturidade, o egoísmo, mosaicos que vão sendo conhecidos e permeando cada visita. Alguns mostram-se envergonhados da atitude e aceitam ficar do lado dela.

   Ela mendiga, pedinte a cada um dos colegas de trabalho. Um deles diz que vota nela, mas tem medo de não ter o contrato renovado. Outra colega é intimidada pelo marido a não mudar o voto. Ela vai pra casa desanimada e se entope de remédios, toma todos de uma só vez e foi parar no hospital. A colega assume votar a favor dela, com isso encerra o casamento insuportável, mas não pode voltar pra casa, ficando hóspede dela. 

   Na segunda feira, após a votação ficar em oito a oito, ela junta seus utensílios, mas o chefe a chama para reunião, diz que não será demitida e que todos vão receber o abono, apenas um contrato não será renovado. Ela não aceita ficar e prejudicar uma outra pessoa.

   Termina a sessão com ela caminhando revigorada, a energia gasta e a vivência de cada situação restaurou sua autoestima. Fala ao marido pelo celular e diz que não conseguiu o número de votos e que já vai em busca de novo emprego.

   É só aparecer a crise que as máscaras caem.   

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