quarta-feira, 1 de junho de 2016

JUVENTUDE CONGELADA

   

   Bem disse que continuaria brindando durante a semana. Mas não é que ultrapassou. Nada como se desligar da realidade e buscar outros caminhos. Que outros? Existem tantos e as pessoas ficam presas às suas torpes necessidades do viver comum.

   Fugi, fugi para longe. Na mente, corpo e coração. Andava pelos altos das montanhas, escalava até o corpo sentir-se ofegante, descobria a história através de ruínas. E como me deslumbrei com tudo. Em cada leitura, em cada visão. 

   Falar por incógnitas é deveras interessante. A literatura permite. Através do conhecimento de culturas diversas, amplia-se a visão de mundo. E ora se passa a entender o significado do que ficou, ora tudo se torna um intricado jogo que não se consegue entender como chegamos até aqui. O que aconteceu?

   Bem parecido com o filme Quarenta e cinco anos, de 2015, dirigido por Andrew Haigh, Reino Unido. Num ritmo lento, conta o que se passa com um casal prestes a completar quarenta e cinco anos de convivência. Estranhamente naqueles dias o marido tem notícia de uma jovem mulher descoberta entre as geleiras dos alpes suíços. E ele se reconhece na história daquela mulher. Antigo amor de sua vida que desapareceu.

   Nos quarenta e cinco anos junto com a esposa ele nunca havia mencionado a paixão da juventude e que acabara de forma inusitada. A mulher vai conhecendo pedaços da vida do marido e tecendo o acontecimento e revivendo o tempo do enamoramento entre os dois. Apesar da fatalidade ter acontecido antes de se conhecerem, a mulher vai ligando fatos e observando o envolvimento do marido, que parece exacerbado. O fato passa a ofuscar todos os quarenta e cinco anos de vida do casal. Um fantasma, jovem, começa a interferir no relacionamento a dois de forma constrangedora, como se ocorrido no aqui e agora.

   O ocorrido há mais de quarenta e cinco anos, descoberto após tal tempo, tem a dimensão sobrepujada e estremece a estabilidade daquele casamento. E cenas vão mostrando a vivência pobre, rotineira, cotidiana de um casal maduro, de classe média, onde a paixão ficou para trás e o que sobrou foi apenas o resquício após tanto tempo de convivência. A perda do desejo, o envelhecimento, a memória fraca tanto nas repetições do que já fora contado, quanto no que acabou de fazer e já não se lembra. Tudo corrobora para mostrar a triste decadência da união. 

   A relação parece ter empobrecido quarenta e tantos anos de vida em uma semana a partir da descoberta de um fato não dito. Não dito e que surge pulsante e juvenil naquele momento. Toda a história de amor, entre ela e o marido, aquele homem que torna-se um desconhecido, é colocada em cheque por ela. Como duvidando do amor que ela acreditava. Todos os lances deixam transparecer, na visão da esposa, de que o fato passado esteve presente em cada momento de cada vivência que ocorrera entre ambos.

   Finalmente a festa das bodas, a comemoração buscando tamponar um casamento em crise e que se intensifica. A declaração do marido sobre a data aos presentes, onde deixa claro em sua fala a importância do relacionamento e de como a falta de propósitos (projetos de vida), com o envelhecimento, vai deixando a relação empobrecida. Agradece a esposa por aturá-lo por tanto tempo e confirma que a ama.  

   Chega então o clímax, a canção que o marido gostava de ouvir quando a conheceu. A canção traz em sua essência a história de um amor que morreu e nunca foi esquecido. A esposa cai em si e sente, pela primeira vez, que a canção não era dos dois e sim sobre o amor dele pela mulher descoberta nas geleiras dos alpes suíços. A canção acaba e todos comemoram; menos ela, que tem a certeza de que o casamento ruiu.

   Como a mente é fértil... até quando se envelhece!

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