quinta-feira, 30 de junho de 2016

UMA PESSOA OUTONAL

   

   Madurez. Engraçado que nunca utilizo esta palavra para relacionar ao envelhecimento. Velho, velha, idoso, até terceira idade, ou maturidade. Mas me surpreendi ao ler um folheto enquanto esperava para colher sangue num laboratório. O título é: "AMADURECENDO COM SAÚDE".

   Fiquei achando estranho: "amadurecer com saúde é importante para você e seus entes queridos." Li diversas vezes. Não sei porquê não bateu bem, vinha à mente algo como fruta madura, amadurecida. Uma pessoa amadurecer, uma fruta amadurecer. Como uvas amadurecendo no outono. 

   Lembra o samba: "laranja madura, na beira da estrada, tá bichada oh Zé ou tem marimbondo no pé..." . Voltei ao folheto, li tudo novamente e observei que em nenhum momento a palavra envelhecer apareceu. Deve ser muito difícil lidar com a escrita em folhetos publicitários para uma população de velhos que tem pavor de ouvir a tal palavra. O culto pelo corpismo, a imagem de velha sem rugas, o jeitão insistente de parecer jovem, tais questões surgiram apenas ao querer entender a informação trazida: ser preventivo com relação às doenças pneumocócicas, que depois dos 65 anos leva muita gente ao hospital, podendo ser fatal. Vai ver feito por jovens sem perguntar a algum grupo de idosos o que seria adequado. 

   Interessa mesmo é que o folheto queria dizer que devemos nos prevenir tomando a vacina. Então está bem. 

   No fim de tarde deu para pegar os três livros que estou tentando ir lendo sequencialmente. Dei de cara com uma frase no livro Mrs Dalloway, pág. 12, onde o narrador diz "...embora houvesse passado dos cinquenta e encanecido muito desde a última doença." Encanecido significa envelhecido. Tradução dada pelo poeta que adoro Mário Quintana, provável era palavra costumeira naquele tempo. Não gostei nada. Já pensou alguém me dizer... você está bem encanecida! Com certeza a pessoa é que entraria pelos canos tal a minha raiva. Bom, o importante é que o andamento à leitura foi dado e com o Mário Quintana junto, a certeza que a escrita parecerá menos hermética.

   Também desenvolvi bem a leitura do Humberto Eco, Confissões de um jovem romancista. É bem legal. O livro traz palestras que ele proferiu e toca nas questões de como escrever, por quê, qual o ritmo, estilo, linguagem, imagem, a partir da experiência dele que iniciou a escrita depois dos 50 anos de idade. O item que me chamou a atenção é a ideia seminal. A partir de alguma lembrança isso servir de mote para inspirar novas criações, gerar novas ideias. O relato que vai descrevendo como ocorreu em três de seus romances contribui para os interessados na façanha. Estou adorando, além do que, como foram palestras, a escrita leve, coloquial. Somente ainda o Espião que saiu do frio está adormecido. Talvez seja atrevimento querer levar a ferro e fogo, não é...

   ... Principalmente sendo uma encanecida mulher no processo do amadurecer.

   Não deixe de se vacinar preventivamente, melhor que ir parar em hospital e atravessar a porta antes da hora. Pra quem está na fase do amadurecer!   

Nenhum comentário:

Postar um comentário