domingo, 19 de março de 2017

IDEIAS NÃO FAZEM SESTA!

   O domingo vem bem manso: céu nublado, respingos de chuvisco fino caindo do telhado e dando aquele barulhinho repetitivo e parece dizer pra gente, vem vem tirar uma soneca! aproveita e descansa! É o que estou escutando, com as pálpebras querendo me desobedecer e cerrar para boa sesta... apesar do horário do almoço ter passado um bocado, meu corpo não quer aceitar o fato e extrapola do expediente comum às sestas.

   Tento vencer a tentação e temporizo com os trabalhos que me aguardam no fim de tarde. Um deles está me deixando de olhar bem aberto e estupefata. O livro de contos do escritor americano Raymond Carver (1938-88), 68 Contos de Raymond Carver, Companhia das Letras, 2010, traduzidos por Rubens Figueiredo. São 705 páginas e já desenvolvi boa leitura em umas 150. E a cada conto que termino fica claro que quem tem  a tal habilidade, é bem legal mesmo. O danado destrincha um assuntinho de nada, do cotidiano trivial, e caminha para um lado, caminha para outro, e quando termina conseguiu dar uma guinada num lance que se a gente for fazer um comentário de semelhante coisa para uma pessoa, o caso seria completamente banal. O banal dele, dito de forma literária e que acrescenta nas entrelinhas... que delícia!

   Dá para entender quando dizem que o bom conto é aquele que instiga. Ele, apesar de ser conhecido por seu detalhismo e emotividade, faz a gente chegar ao final com a emoção na ponta dos olhos, dos lábios e expressar, o cara é muito bom mesmo. Eis um dos motivos que venho vencendo a vertigem que me tonteia bem agorinha.

   Outro é por estar conhecendo a história do escritor, que morreu aos 50. Casou-se muito jovem e gostava de escrever, mas pobre, teve diversas profissões para sobreviver e criar a família. Com a vida atribulada, e pouco tempo para a escrita optou por contos. Obteve o incentivo da esposa no processo, mas o problema com bebida fez que o casamento acabasse. Conseguiu largar o vício mais tarde, mas não deixou os cigarros. Casou-se com uma poetisa e foi reconhecido como grande escritor e conheceu a tranquilidade para sentar e escrever nos últimos dez anos de vida. Morreu vítima de câncer de pulmão. Outro dado interessante é a existência de um leitor muito crítico, o professor de escrita literária e depois editor, que interferia nos textos com o consentimento dele, até certo estágio, e mais tarde, o escritor amadurecido, rejeita cortes que considera exagerados.

  O dado que me deixou atenta foi sobre a ética essencial do ofício de escritor, recebido do primeiro orientador John Gardner (1938-82), de que é essencial que as palavras e os sentimentos sejam verdadeiros e vivenciados pelos leitores como tal, o que confere importância ao texto.(pág.11). 

   E por estar contando tudo isso, a pasmaceira que inicialmente me domava, se arrefeceu na construção do texto. Nada como uma atividade que mexe com as ideias da gente.

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