Li Heinrich Heine, Viagem ao Harz e adorei a forma como ele poetiza seu relato de viagem, como escrevi em postagem anterior. Não quero guardar o livro, não sem antes deixar um trecho, pág. 113 a 115:
"Hoje é primeiro de maio. A primavera derrama sobre a terra seu mar de vida, a escuma branca das florescências pende das árvores e uma névoa espalha sua claridade ancha e quente por toda parte. Na cidade, as vidraças de cada casa reluzem alegremente, os pardais reconstroem seus ninhos sobre os telhados, as pessoas passeiam pelas ruas e admiram-se de que o ar esteja tão cheio de vida e, eles mesmos, tão cheios de disposição; ..."
Ele escreveu em 1824, o livro foi publicado em 1826. Viagem a maior cadeia montanhosa do norte da Alemanha, e o legendário Brocken, pico mais elevado, onde misteriosamente as bruxas celebram a Noite de Valpúrgis, cantada por Goethe no Fausto. Com maestria poética, o escritor faz com que eu esteja junto a ele, aqui em pleno século XXI, em pleno outono, ouvindo as canções que ele se põe a fazer para três rios de nomes femininos: Ilse, Bode e Selke...
"É primeiro de maio e penso em ti, minha bela Ilse - ou devo chamar-te Agnes, por preferires esse nome? - , penso em ti e queria vê-la mais uma vez, descendo esplendidamente a montanha. Ou melhor, queria esperar por ti lá embaixo no vale e receber-te toda em meus braços. Que belo dia! Vejo o verde em toda a parte, cor de esperança. Florescem flores em toda parte, como um prodígio fagueiro. E também meu coração quer florescer, coração que também é flor, flor bastante prodigiosa. Não é violeta das mais modestas, nem a rosa mais risonha, nem dos lírios o mais puro; tampouco flor das mais comuns, daquelas que, com sua gentileza bem comportada, alegram o coração feminino, deixam-se espetar belamente sobre os belos seios, fenecem hoje, mas amanhã florescem novamente. Este coração, aqui, mais se assemelha àquela flor grande e fabulosa das florestas do Brasil, que, segundo reza a lenda, floresce somente uma vez a cada cem anos... Mas se esse amor elevado for alto demais para ti, menina, sinta-se à vontade para subir a escada de madeira e, lá de cima, espiar o interior de meu coração em flor.
Ainda é cedo, o sol mal percorreu metade de seu caminho e meu coração já exala um perfume tão forte, que me sinto atordoado, que não sei mais onde acaba a ironia e começa o céu, que povoo o ar com meus suspiros e quero desfazer-me novamente em doces átomos, na deidade incriada - mas o que acontecerá então, quando anoitecer e as estrelas surgirem no céu, "as estrelas desditosas, que poderão te dizer...".
É primeiro de maio. Hoje até o mais miserável dos pilantras tem direito de ficar sentimental - e você quer privar o poeta desse direito?"
O escritor sofreu muito nos últimos oito anos de sua vida, consumido por uma paralisia que lhe tirou a saúde das pernas, permanecendo acamado. Contam que se deveu a chumbo em seu corpo. Longe dos tempos de glória da juventude, da saúde, do dinheiro... tudo isso passou com o advindo da doença... até mesmo a falta de amigos à sua cabeceira. O que fica é a sua poética visão da vida, que continua colorindo a graça dos dias, como se vê no trecho acima.
Li esse trecho final do livro no dia primeiro de maio e acabei não tendo tempo para postar. Não aceito desistir de fazê-lo, tão belo me soou, qual uma Ilse... Ai! Quem dera um poeta me encantasse com tal palavreado. Mesmo outonal, despertei em pétalas!
Li esse trecho final do livro no dia primeiro de maio e acabei não tendo tempo para postar. Não aceito desistir de fazê-lo, tão belo me soou, qual uma Ilse... Ai! Quem dera um poeta me encantasse com tal palavreado. Mesmo outonal, despertei em pétalas!
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